domingo, 9 de março de 2008

Existe lógica na loucura? O problema do sigilo de dados e das comunicações

Caros leitores, vou precisar da ajuda de vocês. Qualquer palpite é bem-vindo, até mesmo críticas. Aliás, as críticas às vezes engrandecem mais do que os elogios.

É o seguinte: tentei sistematizar a jurisprudência em matéria de sigilo de dados e de comunicações para tentar encontrar alguma coerência na bagunça interpretativa que é feita em relação aos artigos 5º inc. X e XII da CF/88. É uma loucura só.

Não sei se o resultado final ficou bom, pois há muita informação a ser processada e muitas opinões conflitantes. Assim, submeto o texto abaixo para que você verifiquem alguma inconsistência lógica ou equívoco propriamente dito, bem como para que apresentem outras possibilidades interpretativas satisfatórias.


Inviolabilidade do Sigilo de Dados e das Comunicações

“Se tu falas muitas palavras sutis

Se gostas de senhas sussurros ardis

A lei tem ouvidos pra te delatar

Nas pedras do teu próprio lar

Se trazes no bolso a contravenção

Muambas, baganas e nem um tostão

A lei te vigia, bandido infeliz

Com seus olhos de raios X

Se vives nas sobras freqüentas porões

Se tramas assaltos ou revoluções

A lei te procura amanhã de manhã

Com seu faro de dobermam”

Chico Buarque, na música Hino de Duran


Texto escrito por George Marmelstein, Juiz Federal e Professor de Direito Constitucional


O princípio geral da intimidade e da privacidade (art. 5º, inc. X) protege o indivíduo contra a devassa de seus dados pessoais. Dados pessoais são documentos que contém informações sobre a vida privada de um determinado indivíduo, como movimentações bancárias (sigilo bancário), declarações de imposto de renda (sigilo fiscal), registros de ligações telefônicas (sigilo telefônico), entre outras informações de caráter pessoal. Em princípio, o poder público não pode ter acesso a esses dados pessoais sem o consentimento do indivíduo, que tem a prerrogativa de decidir sobre a sua exibição e uso.

Para esclarecer, apresento alguns exemplos. Uma declaração de imposto de renda é um dado fiscal. Trata-se de um documento sigiloso que só interessa, em princípio, ao contribuinte ou ao fisco. Nela, estão detalhes importantes da privacidade do indivíduo: rendas, gastos, relação de bens etc. Por esse motivo, essa declaração, assim como um extrato de conta corrente ou uma conta telefônica discriminando o histórico de ligações recebidas e realizadas pelo indivíduo, contém informações que estão protegidas pela garantia constitucional de proteção à intimidade e à privacidade.

O Supremo Tribunal Federal ainda não definiu com precisão os contornos desse princípio. Há, contudo, uma certeza: não se trata de uma garantia absoluta, já que pode ser limitada em algumas hipóteses.

É preciso enfatizar que o sigilo de dados não se confunde com o sigilo das comunicações. Os dados são informações estáticas e, em regra, unipessoais; as comunicações, dinâmicas e pluripessoais. Os dados são protegidos pelo artigo 5º, inc. X, da CF/88, enquanto o sigilo das comunicações está garantido pelo artigo 5º, inc. XII. Conforme se verá, essa distinção possui implicações práticas de extrema relevância.

O artigo 5º, inc. XII, da CF/88, determina o seguinte:

“é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal” (inc. XII).

Observe que o dispositivo constitucional (inc. XII) procura disciplinar a proteção às comunicações de um modo geral (postais, telegráficas, telemáticas e telefônicas) e não os dados propriamente ditos. O que o inciso XII do artigo 5º tem em mira é garantir a inviolabilidade do conteúdo das comunicações, de modo que os dados fiscais, bancários ou mesmo telefônicos, por exemplo, não são protegidos pelo referido dispositivo constitucional, mas pela proteção genérica da intimidade e da privacidade prevista no artigo 5º, inc. X. A esse respeito, o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de decidir que: “a proteção a que se refere o art.5º, XII, da Constituição, é da comunicação ‘de dados’ e não dos ‘dados em si mesmos’, ainda quando armazenados em computador”[1].

Os dados, por não estarem inseridos no conceito de “comunicações” não gozam da forte proteção conferida pelo artigo 5º, inc. XII, que prevê requisitos bem mais rigorosos para a sua limitação do que a proteção da intimidade de um modo geral. Basta dizer que o sigilo das comunicações telefônicas somente pode ser quebrado para fins criminais (“investigação criminal ou instrução processual penal”), enquanto que o sigilo dos dados pode ser quebrado até mesmo para fins não criminais.

Um juiz de uma vara de execução fiscal, por exemplo, jamais poderia autorizar uma interceptação de conversa telefônica, pois somente os juízes criminais possuem essa competência. Por outro lado, o juiz da vara de execução fiscal pode, e o faz com freqüência, quebrar o sigilo fiscal ou bancário do devedor, com vistas a descobrir algum bem passível de penhora para satisfação do crédito executado[2]. Observe-se que, nessa hipótese, a limitação da garantia fundamental tem como objetivo uma finalidade não-criminal. Se incidisse na hipótese a proibição contida no inciso XII, a quebra desse sigilo estaria violando frontalmente o comando constitucional. No entanto, como o inciso XII não se aplica nessa situação, já que não se trata de comunicação, a jurisprudência, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, já pacificou o entendimento no sentido de admitir a possibilidade de quebra do sigilo bancário e fiscal para obter informações acerca de existência de ativos financeiros do devedor[3].

Perceba que a cláusula geral de respeito à intimidade e à privacidade, prevista no inciso X, não está submetida expressamente ao princípio da reserva de jurisdição, ou seja, não pressupõe uma ordem judicial para ser restringida. Logo, em princípio, a quebra do sigilo de dados, em tese, poderia ser realizada mesmo sem prévia autorização judicial. No entanto, não é esse o entendimento do Supremo Tribunal Federal. O STF tem exigido com freqüência a autorização judicial prévia para reconhecer como válida uma quebra de sigilo de dados. Já se decidiu, por exemplo, que o Banco Central, no exercício de seu poder de fiscalizar o sistema financeiro, não poderia violar os dados bancários de correntistas sem ordem judicial[4]. Do mesmo modo, entendeu-se que o Tribunal de Contas da União, que não é um órgão do Poder Judiciário, não teria poderes para determinar a quebra do sigilo bancário[5]. O mesmo raciocínio se aplica aos delegados de polícia e ao ministério público, ou seja, sem ordem judicial, essas autoridades não podem quebrar o sigilo de dados.

Há pelo menos uma decisão do STF que parece fugir dessa lógica. No MS 21729/DF, o STF aceitou a quebra do sigilo bancário por ordem direta do ministério público, por se tratar, no caso específico, de uma conta corrente que movimentava verbas de um órgão público, e a informação pretendida pelo ministério público referia-se apenas aos nomes dos beneficiários da operação financeira[6]. Mesmo nesse caso, não se admitiu expressamente a quebra do sigilo bancário pelo ministério público, tanto que, no voto vencedor, o Min. Néri da Silveira deixou consignado que a “mera referência ao nome de quem teria sido beneficiado ou contratante, em um determinado empréstimo subsidiado pelo erário federal, em razão de um plano de governo” não consistiria matéria encoberta pelo sigilo bancário, já que se trata de operação em que há dinheiro público e “a publicidade deve ser nota característica dessa operação”.

Como regra, portanto, de acordo com a atual jurisprudência do STF, a quebra do sigilo de dados somente pode ser autorizada ordem judicial fundamentada, bem como pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, inclusive as estaduais, que também estão autorizadas a decretar a quebra de sigilo de dados, já que possuem o status de “autoridade judiciária”[7].

É preciso reconhecer que a exigência de ordem judicial para a quebra do sigilo de dados é muito mais uma construção jurisprudencial do que uma condição claramente estabelecida no texto constitucional. A Constituição, na verdade, não trata do assunto, a não ser de forma genérica ao proteger a intimidade e a privacidade das pessoas. Por isso, há uma corrente doutrinária que defende que, em princípio, as leis infraconstitucionais poderiam autorizar a quebra do sigilo de dados por autoridades não-judiciárias. O Supremo Tribunal Federal deverá, em breve, enfrentar esse tema, ao decidir sobre a constitucionalidade da Lei Complementar 105/2001, que autorizou, mesmo sem prévia requisição judicial, o acesso às informações bancárias do contribuinte por determinadas autoridades pública, como os fiscais fazendários e os membros do Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF[8], órgão vinculado ao Ministério da Fazenda criado com a missão de fiscalizar e combater a prática de crimes de lavagem de dinheiro.


Sigilo dos dados

Sigilo das Comunicações

Conceito

Dados são informações estáticas, com declarações de imposto de renda, extratos bancários e telefônicos.

Comunicações são informações dinâmicas, como as conversas telefônicas, as correspondências, as mensagens telegráficas etc., envolvendo mais de uma pessoa.

Fundamento Constitucional

Art. 5º, inc. X

Art. 5º, inc. XII

Requisitos para quebra

Em tese, seria possível a quebra sem ordem judicial, pois a Constituição não faz qualquer exigência nesse sentido. Contudo, o STF tem entendido que apenas as autoridades judiciárias (inclusive as CPIs) podem autorizar a quebra.

É possível, contudo, utilizar as informações obtidas mediante a quebra do sigilo de dados mesmo para fins não-criminais.

A Constituição estabelece que a quebra do sigilo das comunicações pressupõe uma autorização judicial prévia, embora existam alguns julgados admitindo a interceptação das comunicações escritas por autoridades não-judiciárias.

A quebra, contudo, somente pode ser autorizada para fins criminais, embora possa ser utilizada, posteriormente, para outros fins (prova emprestada).

Feitas essas considerações, passa-se a analisar o artigo 5º, inc. XII, que, como visto, protege as comunicações de um modo geral, sejam elas realizadas através de cartas, através de telegramas, de mensagens eletrônicas ou telefonemas. Embora o texto constitucional não seja expresso, é possível concluir que as conversas presenciais ou ambientais também se encontram protegidas pelo referido artigo, já que apresentam um grau de intimidade até maior do que uma conversa telefônica, por exemplo. Assim, se duas pessoas estiverem conversando reservadamente, o inc. XII protegerá o sigilo desse diálogo. Dentro da mesma lógica, as conversas realizadas por computadores, que transmitem digitalmente a imagem e a voz em tempo real, também estão no mesmo patamar das comunicações telefônicas, já que são situações substancialmente idênticas.

O artigo 5º, inc. XII, da CF/88, tem gerado inúmeras interpretações diferentes, justamente porque a expressão “no último caso” complica muito mais do que ajuda.

Há, basicamente, quatro interpretações: (a) uma restritiva, que defende que a expressão “no último caso” somente se refere às comunicações telefônicas, sendo absoluta a proteção constitucional nas demais hipóteses; (b) uma intermediária, que sustenta que a expressão “no último caso” se referente tanto às comunicações telefônicas quanto às comunicações de dados, não sendo possível a quebra do sigilo das demais modalidades de comunicação[9]; (c) uma mais abrangente, que defende que a expressão “no último caso” significa “em situações excepcionais”, autorizando, portanto, a limitação de qualquer tipo de comunicação, desde que em hipóteses extremamente necessárias e sempre com ordem judicial para fins exclusivamente penais; (d) uma teleológica, para entender que o constituinte pretendeu, na verdade, dar uma proteção maior à proteção das comunicações mais íntimas, como as realizadas via telefone, as ambientais/presenciais e as que utilizam a transmissão digital da imagem e/ou voz, por exemplo, estabelecendo critérios bem mais rígidos para a sua quebra do que nas demais hipóteses.

A última opção parece ser a mais lógica, apesar de se chocar com literalidade do dispositivo constitucional. De fato, aparentemente, a comunicação interpessoal de “viva voz” é, sem dúvida, a mais importante de todas as espécies de comunicação, pois é ela que mais envolve a intimidade e a privacidade das pessoas. Falar no telefone é, inquestionavelmente, um ato de intimidade muito maior do que mandar um telegrama, por exemplo. Por isso, não seria muito razoável se fosse absolutamente proibida a interceptação de uma comunicação via telégrafo e, ao mesmo tempo, fosse autorizada a interceptação das conversas telefônicas. Seria o mesmo que autorizar a entrada no quarto da casa, mas fosse proibida a entrada no gabinete.

Aliás, é por essa razão, que a jurisprudência tem abrandado a rigidez do artigo 5º, inc. XII, flexibilizando a garantia do sigilo das comunicações escritas para autorizar a sua quebra em situações que não se enquadram na ressalva constitucional.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal entendeu como válida, mesmo sem ordem judicial, a violação do sigilo da correspondência de um preso, pelo próprio Diretor do Presídio, para impedir a prática de crimes, com base na Lei de Execuções Penais, que autoriza essa devassa na correspondência de presidiários[10]. Confira a ementa:

“A administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, e desde que respeitada a norma inscrita no art. 41, parágrafo único, da Lei n. 7.210/84, proceder à interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas”[11].

Portanto, a melhor interpretação do artigo 5º, inc. XII, da CF/88 parece ser esta: (a) regra geral: inviolabilidade das comunicações; (b) exceção: em situações especiais, justificadas pelo princípio da proporcionalidade, é possível a limitação da garantia, no que se refere às comunicações escritas, inclusive para autorizar a quebra do sigilo por autoridades não-judiciárias e para fins não-criminais, respeitando-se, vale enfatizar, o princípio da proporcionalidade[12]; (c) exceção da exceção: no caso das comunicações de “viva voz”, o sigilo é mais forte, pois somente pode ser quebrado por ordem judicial e para fins criminais.

Essa interpretação é, contudo, polêmica. Há algumas decisões judiciais, inclusive do Supremo Tribunal Federal, que reforçam esse entendimento, mas nada tão enfático.

De qualquer modo, a despeito da total indefinição jurisprudencial acerca dos contornos do artigo 5º, inciso XII, uma coisa é certa: a interceptação telefônica somente pode ser autorizada pelo Poder Judiciário, em decisão fundamentada, e sempre para fins criminais.

O conceito de interceptação não se confunde com a chamada gravação clandestina. Através da interceptação, uma conversa entre duas ou mais pessoas é gravada sem que nenhuma delas tenha conhecimento desse fato. Já na gravação clandestina, pelo menos um dos interlocutores sabe que a conversa está sendo gravada.

O inciso XII da CF/88 regulamenta a interceptação e não a gravação clandestina. A gravação clandestina não está sujeita, para ser válida como prova, às rígidas condições do inciso XII, que são basicamente a necessidade de ordem judicial e a utilização para fins criminais.

A interceptação ou a gravação de uma conversa pode se referir tanto a uma conversa telefônica quanto a uma conversa não-telefônica (ambiental). Assim, é possível fazer a seguinte distinção: (a) interceptação telefônica; (b) gravação telefônica clandestina; (c) interceptação ambiental; (d) por fim, gravação ambiental clandestina.

A interceptação telefônica é a captação e gravação de conversa telefônica, no mesmo momento em que ela se realiza, por terceira pessoa sem o conhecimento de qualquer dos interlocutores. Nesse caso, a Constituição exige como requisitos de validade da prova que a interceptação seja precedida de ordem judicial, e sempre para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer (Art. 5º, inc. XII, da CF). Um delegado de polícia, por exemplo, não pode autorizar a interceptação telefônica. Do mesmo modo, um juiz de família não pode determinar a quebra do sigilo das comunicações telefônicas para fins de elucidar um caso de divórcio, já que a Constituição não admite a restrição desse direito para fins não-criminais. Apesar disso, vale mencionar que houve um relevante julgamento em que o STF entendeu que “dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas e em escutas ambientais, judicialmente autorizadas para produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, podem ser usados em procedimento administrativo disciplinar, contra a mesma ou as mesmas pessoas em relação às quais foram colhidos, ou contra outros servidores cujos supostos ilícitos teriam despontado à colheita dessa prova”[13]. Trata-se, no caso, da chamada prova emprestada.

Diferentemente da gravação resultante de interceptação telefônica, as gravações telefônicas clandestinas são aquelas em que a captação e gravação da conversa telefônica se dão no mesmo momento em que a conversa se realiza, feita por um dos interlocutores, ou por terceira pessoa com seu consentimento, sem que haja conhecimento dos demais interlocutores. Dessa forma, não se confunde interceptação telefônica com gravação clandestina de conversa telefônica, pois enquanto na primeira nenhum dos interlocutores tem ciência da invasão de privacidade, na segunda pelo menos um deles tem pleno conhecimento de que a gravação se realiza. No caso da gravação telefônica clandestina, não se aplica os requisitos do art. 5º, inc. XII, e assim o conteúdo da conversa pode, em princípio, ser utilizado validamente como prova, mesmo sem ordem judicial e até mesmo para fins não criminais, já que não constitui crime a gravação dos próprios diálogos telefônicos. Um consumidor pode perfeitamente gravar, mesmo sem ordem judicial, a sua própria conversa telefônica, realizada com o departamento de telemarketing de uma determinada empresa, e utilizar o conteúdo dessa gravação para instruir uma ação de reparação de danos morais, por exemplo. O inverso também é verdadeiro.

Há várias decisões do Supremo Tribunal Federal reconhecendo ser lícita a gravação telefônica, inclusive para incriminar[14]. Talvez o julgamento mais enfático nesse tema tenha sido o HC 75338/RJ, cuja ementa está assim redigida: “é lícita a gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores, ou com sua autorização, sem ciência do outro, quando há investida criminosa deste último. É inconsistente e fere o senso comum falar-se em violação do direito à privacidade quando interlocutor grava diálogo com seqüestradores, estelionatários ou qualquer tipo de chantagista”[15].

Porém, há também um precedente em sentido contrário, proferido no polêmico Caso Collor (Ação Penal 307), processo no qual estava em julgamento o ex-Presidente da República, Fernando Collor, acusado de praticar inúmeros crimes envolvendo o desvio de verbas públicas. Nesse julgamento, o STF foi bastante rígido quanto à interpretação das garantias processuais do acusado, reconhecendo a ilicitude de diversas provas que poderiam incriminar o ex-Presidente. Com isso, Collor foi absolvido por falta de provas, ou melhor, de provas lícitas que comprovassem a sua participação no grupo criminoso. Curiosamente, vários pontos decididos no Caso Collor estão superados pela mais recente jurisprudência dominante do STF. Talvez, se o ex-Presidente fosse acusado nos dias de hoje, algumas provas que foram invalidadas seriam aceitas. Assim, por exemplo, diálogos telefônicos gravados pelo deputado Sebastião Curió com outras autoridades envolvidas no escândalo político não foram admitidos como prova, pois um dos interlocutores não sabia que a conversa estava sendo gravada. Atualmente, contudo, conforme se viu, o STF já está aceitando esse tipo de prova, por se tratar de gravação clandestina e não interceptação telefônica.

O mesmo raciocínio se aplica à chamada gravação ambiental clandestina, que é aquela em que a captação e gravação da conversa pessoal ou ambiental se dão no mesmo momento em que a conversa se realiza, feita por um dos interlocutores, ou por terceira pessoa com seu consentimento, sem que haja conhecimento dos demais interlocutores.

O STF, por exemplo, já decidiu que “não ofende a garantia constitucional da intimidade (CF, art. 5º, X) a gravação realizada por ocupante de imóvel residencial que instala, em sua própria vaga de garagem, equipamento de filmagem com o objetivo de identificar autor de danos criminosos provocados em seu automóvel”[16]. Nesse caso, “considerou-se válida a prova questionada, uma vez que a gravação realizada, pelo próprio morador na sua vaga de garagem, não fora realizada com o intuito de promover indevida intrusão na esfera privada da vida pessoal de terceiro. Ressaltou-se, ainda, que o paciente não estava sendo vigiado em sua própria residência ou tendo a sua imagem e intimidade devassadas, e que ele próprio é que ingressara em vaga alheia com a intenção dolosa de praticar o crime de dano no veículo que lá estava estacionado” (Informativo 366 do STF).

Há, por fim, um último conceito que merece ser analisado: o da interceptação ambiental, regulamentada pelo artigo 2º, inc. IV, da Lei de Combate ao Crime Organizado (Lei 9.034/95), que diz o seguinte:

“Art. 2º Em qualquer fase de persecução criminal são permitidos, sem prejuízo dos já previstos em lei, os seguintes procedimentos de investigação e formação de provas: (...) IV – a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial”.

A interceptação ambiental segue a mesma lógica da interceptação telefônica, ou seja, precisa de ordem judicial “circunstanciada” para ser válida. E, no fundo, a interceptação ambiental é essencialmente semelhante à interceptação telefônica: há uma gravação de conversa (no caso, sem telefone) na qual nenhum dos interlocutores sabe que o diálogo está sendo ouvido e gravado por estranhos. Por isso, a lei exige a autorização judicial no intuito de evitar a invasão indevida na esfera de intimidade dos indivíduos.

Vale ressaltar que toda vez que se disse que uma gravação ou um documento “vale como prova” não significa que eles são suficientes, por si só, para demonstrar a verdade dos fatos. Servir como prova não é ser incontestável ou irrefutável. Servir como prova é tão somente não ser desconsiderada de plano pelo juiz no momento em que estiver firmando seu convencimento.


Interceptação Telefônica

Interceptação Ambiental

Gravação Telefônica Clandestina

Gravação Ambiental Clandestina

Conceito

Duas ou mais pessoas conversam ao telefone e nenhum dos interlocutores sabe que está sendo gravada a conversa

Duas ou mais pessoas conversam e nenhum dos interlocutores sabe que a conversa está sendo gravada ou filmada por um estranho.

Duas ou mais pessoas conversam ao telefone, sendo que uma delas grava a conversa ou consente que um terceiro faça a gravação

Duas ou mais pessoas conversam, sendo que uma delas grava a conversa ou consente que um terceiro faça a gravação ou filme

Requisitos

de validade

- Ordem Judicial Fundamentada

- Para fins de investigação criminal ou instrução processual penal

- Nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer. (Lei 9296/96)

- Autorização Judicial Circunstanciada

- Para fins de investigação de crimes envolvendo organizações criminosas (crime organizado)

- Lei 9034/95

- Em princípio, não é necessária autorização judicial e a conversa pode também ser utilizada para fins não-criminais.

O entendimento, contudo, não é pacífico.

- Em princípio, não é necessária autorização judicial e a conversa pode também ser utilizada para fins não-criminais.

O entendimento, contudo, não é pacífico.




[1] STF, RE 418416/SC, rel. Sepúlveda Pertence, j. 10/5/2006.

[2] A quebra do sigilo bancário pelos juízes foi facilitada com a implementação do Sistema BacenJud, que é um sistema informatizado de atendimento das solicitações do Poder Judiciário ao Banco Central do Brasil, substituindo o ofício em papel pelo ofício eletrônico. Esse sistema aumenta consideravelmente a efetividade da cobrança judicial de créditos, embora também possa causar problemas como o bloqueio de valores em excesso e a penhora de quantias consideradas impenhoráveis, como a conta-salário ou a conta-aposentadoria, por exemplo.

[3] Por exemplo: STJ. AgRg no REsp 755743/SP, rel. Min. Francisco Falcão, DJ 7/11/2005; REsp 780365/SC, rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 30/6/2006.

[4] STF, RE 461366/DF, rel. Min. Marco Aurélio, j. 3/8/2007.

[5] STF, MS 22801/DF, rel. Min. Menezes Direito, j. 17/12/2007.

[6] STF, MS 21729/DF, rel. Min. Néri da Silveira, j. 5/10/1995.

[7] Conforme entendimento do STF, “a quebra do sigilo fiscal, bancário e telefônico pode ser legitimamente decretada pela Comissão Parlamentar de Inquérito, desde que esse órgão estatal o faça mediante deliberação adequadamente fundamentada e na qual indique a necessidade objetiva da adoção dessa medida extraordinária” (STF, MS 23452/RJ, rel. Min. Celso de Mello, j. 16/9/1999). O poder das CPIs estaduais para quebrar sigilo de dados foi reconhecido na Ação Cível Originária 730-5/RJ, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 22/9/2004.

[8] A Lei Complementar 105/2001 teve sua constitucionalidade questionada pela Ordem dos Advogados do Brasil, através da ADI 4010/DF.

[9] Nesse sentido: “as únicas exceções permitidas pelo constituinte, no tocante à regra de inviolabilidade dos respectivos sigilos, diz respeito, tão-somente, aos dados e comunicações telefônicas - esta última, inclusive, em face da Lei nº Lei 9.296/96 -, e somente mediante autorização judicial e apenas para efeitos penais. Em se tratando de correspondência e comunicações telegráficas, inviável é a quebra de seus sigilos, dado se tratarem de garantias absolutas” (TRF 3, ACR 200061810076940/SP, j. 2/10/2001).

[10] Eis o artigo 41 da Lei de Execuções Penais: “Art. 41. Constituem direitos do preso: (...) XV – contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes. Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento.”

[11] STF, HC 7814-5/SP, rel. Min. Celso de Mello. Seguindo a mesma lógica, confira a seguinte ementa do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: “Não configura prova obtida por meio ilícito nem violação ao sigilo de correspondência postal a abertura de encomenda cujo conteúdo seja de expedição, uso ou entrega proibidos, como no caso da metadienona, relacionada na Lista - C5 da Resolução nº 228, da ANVISA, que está sujeita a receita de controle especial, ainda mais quando as encomendas podem ser abertas de ofício pela fiscalização aduaneira (art. 52, I, do Dec. 1.789/96)”.

[12] Pode-se mencionar, nesse sentido, o seguinte julgado do Tribunal Regional Federal da 3ª Região: “É possível a apreensão de correspondência, não obstante a garantia esculpida no inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, pois o dispositivo o dispositivo protege as comunicações de dados, bem como as comunicações telegráficas e a correspondência, vedando a interceptação das mesmas, ainda que por ordem judicial, permitindo-se esta apenas para a interceptação de comunicações telefônicas. Não se encontra vedado, contudo, o acesso aos registros dos dados já transmitidos e recebidos, como também não se encontra impedido o acesso à correspondência já recebida ou ainda não expedida, e aos registros decorrentes das comunicações telegráficas já consumadas. Dessa forma, não há que se falar em violação do sigilo da correspondência em razão da apreensão, na residência dos pacientes de envelopes ainda não postados. Tampouco há que se falar em violação do sigilo da correspondência em razão da apreensão, pela autoridade policial, na agência dos Correios, de envelopes contendo drogas, pois a garantia da inviolabilidade da correspondência constante da Constituição visa proteger a comunicação entre pessoas feita por via postal, e não a remessa de objetos, bens ou mercadorias. São compatíveis com a Constituição as normas da Lei n° 6.538 de 22/06/1978 (Lei dos Serviços Postais), que proíbem a remessa de substâncias entorpecentes por via postal e prevêem a abertura e apreensão dos envoltórios que as contenham” (TRF 3ª Região, HC 26206/SP, rel. Márcio Mesquita, j. 27/2/2007). No mesmo sentido, pode-se mencionar o seguinte julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: “não configura prova obtida por meio ilícito nem violação ao sigilo de correspondência postal a abertura de encomenda cujo conteúdo seja de expedição, uso ou entrega proibidos, como no caso da metadienona, relacionada na Lista - C5 da  Resolução nº 228, da  ANVISA, que está sujeita a receita  de controle  especial, ainda  mais quando as encomendas podem ser abertas de ofício pela fiscalização aduaneira (art. 52, I, do Dec. 1.789/96)” (TRF 4ª Região, HC 200304010049722/RS, rel. Volkomer de Castilho, j. 23/4/2003).

[13] Inq-QO/DF, rel. Min. Cezar Peluso, j. 25/4/2007.

[14] Por exemplo: STF, AIAGr 666459/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowiski, j. 6/11/2007; STF, HC 84046/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 12/4/2005, entre inúmeras outras.

[15] STF, HC 75338/RJ, Rel. Min. Nelson Jobim, j. 11/3/1998.

[16] STF, HC 84203/RS, rel. Min. Celso de Mello, 19.10.2004. Em sentido semelhante, assim decidiu o STF: “EMENTA: HABEAS CORPUS. FALSIDADE IDEOLÓGICA. INTERCEPTAÇÃO AMBIENTAL POR UM DOS INTERLOCUTORES. ILICITUDE DA PROVA. INOCORRÊNCIA. REPORTAGEM LEVADA AO AR POR EMISSORA DE TELEVISÃO. NOTITIA CRIMINIS. DEVER-PODER DE INVESTIGAR. 1. Paciente denunciado por falsidade ideológica, consubstanciada em exigir quantia em dinheiro para inserir falsa informação de excesso de contingente em certificado de dispensa de incorporação. Gravação clandestina realizada pelo alistando, a pedido de emissora de televisão, que levou as imagens ao ar em todo o território nacional por meio de conhecido programa jornalístico. O conteúdo da reportagem representou notitia criminis, compelindo as autoridades ao exercício do dever-poder de investigar, sob pena de prevaricação. 2. A ordem cronológica dos fatos evidencia que as provas, consistentes nos depoimentos das testemunhas e no interrogatório do paciente, foram produzidas em decorrência da notitia criminis e antes da juntada da fita nos autos do processo de sindicância que embasou o Inquérito Policial Militar. 3. A questão posta não é de inviolabilidade das comunicações e sim da proteção da privacidade e da própria honra, que não constitui direito absoluto, devendo ceder em prol do interesse público. (Precedentes). Ordem denegada” (STF, HC 87341/PR, rel. Min. Eros Grau, j. 7/02/2006).


10 comentários:

Anônimo disse...

Muito bem escrito. Sinceramente, primeira vez que vejo o assunto tratado de forma tao didatica.

Quanto ao "principio" da proporcionalidade, interessante as observacoes do eminente min Eros grau, que afirmou nessa semana, no famoso caso da pesagem do gas, nao ver qualquer utilidade em utilizar a proporcionalidade para a solucao de conflito entre principios. Avancou ainda mais, afirmando que a proporcionalidade nao eh principio como se afirmam em muitos manuais, mas criterio hermeneutico nao positivado na CF, nao sendo interpretacao albergada no texto constitucional quaquer escolha de um principio em detrimento d'outro, baseada no tal "principio".

joao paulo

Anônimo disse...

Parabéns pelo excelente (e didático) texto. Sou Delegado de Polícia Federal e enfrento na labuta a necessidade do manejo dos instrumentos discorridos para o cerceamento de liberdades individuais na investigação criminal.

Deixo registrado que há pouco lia a obra de Gilmar Mendes e Inocêncio Coelho - Curso de Direito Constitucional, onde este assunto é tratado, mas, a meu ver, de forma menos densa e didática, às fl. 367 e seguintes. Parabéns.

Anônimo disse...

O texto ficou muito bem feito e totalmente didático, uma excelente leitura para quem busca entender o assunto de forma bem simples. Agora, só achava melhor, principalmente como leitora, que os números, as datas e os nome dos relatoes dos julgados ficassem não no final do texto,mas, logo em seguida, aos julgados. Parabéns pelo texto muito bem redigido.
Odisa Nóbrega

George Marmelstein disse...

Obrigado, João Paulo. O interessante é que, quando eu peço crítica, você elogia. Vai te entender! Estou brincando... Suas colocação são (quase) sempre bem-vindas, ainda que ácidas.

Quanto ao princípio da proporcionalidade, discordo do Min. Grau, embora não tenha visto seus argumentos.

Penso como o Hugo Segundo, que, no seu blog, defendeu que a proporcionalidade é tão somente um método argumentativo para racionalizar o bom-senso.

A analogia com a atividade de um médico é bem interessante: nenhum médico receitará um remédio inadequado, desnecessário e que cause mais efeitos colaterais do que benefícios.

George Marmelstein disse...

Obrigado, Alan. Confesso que ainda não estou seguro quanto à interpretação que fiz. A tal da distinção entre comunicações escritas e não-escritas ("viva voz") não está bem estabelecida na Constituição. Fui muito mais pelo instinto do que pelo texto constitucional. E isso é perigoso.

De qualquer modo, fico feliz que o texto tenha conseguido apresentar meu ponto de vista, ainda que polêmico.

George Marmelstein disse...

Odisa, também agradeço a suas palavras.
Quanto às notas de rodapé, o problema é a internet. No texto original, que vai ser publicado no livro, as notas de rodapé são indicadas na mesma página.

Anônimo disse...

Prezado Prof. George,

Me junto ao coro de elogios. rs O texto está muito didático!
Fiquei pensando nos aspectos práticos do sigilo de diálogos reservados - no que diz respeito à produção e valoração de provas...
Se um terceiro ouve a conversa reservada de duas ou mais pessoas, sem que os interlocutores tenham conhecimento, a situação se enquadraria na hipótese da “interceptação ambiental”? Pode esse terceiro, ainda que não tenha gravado a conversa alheia, testemunhar sobre o que ouviu clandestinamente?
Outro dia me deparei com uma condenação por danos morais, em sede trabalhista, cujo pedido se embasou na declaração de uma testemunha que supostamente teria ouvido seus superiores, em conversa privada, referirem-se a uma colega de trabalho (no caso a reclamante) como “negrinha”. Nesse caso, até poderíamos vislumbrar a prática do crime de racismo, mas se encararmos essa espécie de prova testemunhal como “interceptação ambiental”, não estaríamos diante de hipótese de crime organizado... E mais, a prova foi utilizada num processo trabalhista...
Fica o registro do caso para maiores reflexões...
Abraço
Samantha

George Marmelstein disse...

Samantha,

é uma pergunta difícil. Aparentemente, trata-se de uma interceptação ambiental, mas sem um gravador. Acho que um fator importante a ser observador é como essa terceira estranha teve acesso ao conteúdo da conversa. Se foi de forma sorrateira, dissimulada ou se foi por acaso: estava apenas passando e ouviu a conversa.
Se a "escuta" foi inocente, me parece poderia ser utilizada como prova. Talvez possa ser o mesmo que você pegar uma linha cruzada no telefone.
Já se houve dissimulação, aí sim a invasão da privacidade é patente.
Mas é um assunto a se debater...

Anônimo disse...

No texto, o Sr. afirmou que e possivel uma das partes gravar conversa telefonica, no caso de telemarketings e utiliza-la como prova. No meu caso, gravei a minha conversa com a minha gerente no meu mp4 sem ela saber, onde ela afirmava que não iria pagar a quantia que eu estava reclamando e que tinha direito. nesse caso, nao pude utilizar no processo trabalhista, por que? eh possivel a aprte gravar somente em conversas telefonicas e nao em interceptação ambiental?

Anônimo disse...

Fica até redundante o elogio que faço, em consonância com o que os colegas acima já falaram, mas todavia, o que abunda.... Parabéns!

Didático, simples e preciso.

Mas faço alguns comentários, a principiar pelo Hino de Duran.

Bela letra do Chico, mas fico aturdido com a versão do Zé Ramalho (o arranjo musical ficou perfeito, para a letra perfeita!).

"e se pensas que burlas as normas penais...insuflas agitas e gritas demais... a lei logo vai te abraçar infrator...com seu braços de estivador... se pensas que pensas, estás redondamente enganado..."

Enfim, adorei a epígre musical!


E cito uma também, se lhe me permite:

"As borboletas estão invadindo
Os apartamentos, cinemas e bares
Esgotos e rios e lagos e mares
Em um rodopio de arrepiar

Derrubam janelas e portas de vidro
Escadas rolantes e nas chaminés
Se sentam e pousam em meio à fumaça" (A dança das borboletas - Zé Ramalho e Alceu Valença).


Quanto ao texto:


Não ficou claro, pelo menos pra mim, a questão da autorização judicial circunstanciada no caso da interceptação ambiental. A diferença seria apenas quanto a extensão da fundamentação, ou teria algo a mais (como princípios norteadores da informalidade e celeridade tal qual se expressam alguns artigos da lei 9.099/95 quando se refere a termo circunstanciado)? Parece meio boba a pergunta, mas realmente fiquei com essa dúvida.


E outra coisa,

No que se refere a comunicação dos atos processuais, especificamente às Comissões Rogatórias, verifica-se que o STJ está modificando o posicionamento que era adotado pelo Supremo quando este ara competente antes da EC 45 para conceder exequatur e homologar sentença estrangeira.

Um interessante julgado a esse respeito é a CR 438/EX, em que o Min.Fux (relator) menciona essa mundaça:

"... . A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal pautava-se no
sentido da impossibilidade de concessão de exequatur para atos
executórios e de constrição não-homologados por sentença
estrangeira. ..."


E continua (as ementas do Fux são longas, mas bem explicativas)


"5. A Resolução 9/STJ, em 4 de maio de 2005, dispõe, em seu artigo
7°, que "as cartas rogatórias podem ter por objeto atos decisórios
ou não decisórios".
6. A Lei 9.613/98 (Lei dos Crimes de Lavagem de Dinheiro), em seu
art. 8° e parágrafo 1°, assinala a necessidade de ampla cooperação
com as autoridades estrangeiras, expressamente permite a apreensão
ou seqüestro de bens, direitos ou valores oriundos de crimes
antecedentes de lavagem de dinheiro, cometidos no estrangeiro.
7. Destarte, a Lei Complementar 105/2001, por sua vez, em seu art.
1°, parágrafo 4°, dispõe que as instituições financeiras conservarão
sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados,
sendo que a quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária
para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do
inquérito ou do processo judicial, e especialmente nos seguintes
crimes: (...) VIII – lavagem de dinheiro ou ocultação de bens,
direitos e valores; IX – praticado por organização criminosa.
8. Deveras, a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional (Decreto 5.015/2004) também inclui a cooperação
judiciária para "efetuar buscas, apreensões e embargos", "fornecer
informações, elementos de prova e pareceres de peritos", "fornecer
originais ou cópias certificadas de documentos e processos
pertinentes, incluindo documentos administrativos, bancários,
financeiros ou comerciais e documentos de empresas", "identificar ou
localizar os produtos do crime, bens, instrumentos ou outros
elementos para fins probatórios", "prestar qualquer outro tipo de
assistência compatível com o direito interno do Estado Parte
requerido" (art. 18, parágrafo 3, letras a até i). Parágrafo 8 do
art. 18 da Convenção ressalta que: "Os Estados Partes não poderão
invocar o sigilo bancário para recusar a cooperação judiciária
prevista no presente Artigo".


Ou seja: Aos Atos decisórios e não decisórios, com base no "Princípio da efetividade do Poder Jurisdicional no novo cenário
de cooperação internacional no combate ao crime organizado
transnacional", pode o STJ por exemplo, determinar à justiça Federal, após concedida exequibilidade, que proceda a interceptação ambiental ou telefônia de um suspeito da prática do crime de "branqueamento de capitais" nome chique para lavagem de dinheiro?

O que acha da mundaça de posicionamento por parte do STJ?


Abraços,


Thiago.