quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Pausa para Descanso

O blog passará um tempo (uns quinze dias) sem atualizações.

Como não sou de ferro, estarei nesse início de outubro curtindo minhas merecidas férias na Itália.

Passarei dez dias no velho mundo, conhecendo as terras de Dante, Leonardo da Vinci, Michelangelo, entre outros gênios italianos. :-)

Para compensar a ausência, elaborei o post logo abaixo, que fornece um bom material para um estudo aprofundado dos direitos fundamentais.

No mais, Arriverdeci!

Na foto, um pequena amostra do que me espera:

Textos Selecionados – Teoria dos Direitos Fundamentais (aprofundamento)

Enquanto o “Curso de Direitos Fundamentais” não sai, aproveito o blog para fornecer aos alunos um material de estudo aprofundado a respeito da teoria dos direitos fundamentais.

São trechos de livros ou revistas (geralmente, capítulos/artigos), por mim selecionados, especialmente para os alunos da disciplina “Direito Constitucional II – Teoria dos Direitos Fundamentais”.

Trata-se, portanto, de material utilizado para fins exclusivamente didáticos, sem qualquer fim lucrativo. Aliás, nunca é demais ressaltar: o presente blog não tem qualquer finalidade lucrativa. Nem mesmo há banners de publicidade ou de Adsense (lucro indireto). Meu interesse é tão somente divulgar os direitos fundamentais. Fazer com que o estudante de direito se encante com esse tema e, na sua futura atividade profissional, lute pela efetivação desses valores constitucionais. Mesmo assim, caso algum autor ou editora não queira ter a obra aqui divulgada, excluirei o link sem qualquer problema.

Os autores abaixo (aliás, menos um: eu) são as maiores autoridades em direitos fundamentais atualmente aqui no Brasil (alguns são estrangeiros, na verdade). São juristas antenados e influentes, que estão quebrando paradigmas e criando novos conceitos e princípios totalmente diferentes do pensamento jurídico tradicional. Se você analisar a sugestão bibliográfica já apresentada, vai perceber que a grande maioria desses juristas possui livros publicados sobre os direitos fundamentais. Vale a pena comprar os livros por eles escritos, pois eles estão na vanguarda. Os textos aqui disponibilizados são, na verdade, apenas fragmentos do pensamento desses juristas.

Fiz questão de colocar textos de autores com orientação ideológica diversa, justamente para dar mais pluralidade ao debate. Por enquanto, somente recomendei textos em língua portuguesa. Em breve, estarei fazendo um post semelhante com autores de outras línguas.

Logicamente, há diversos outros constitucionalistas igualmente bons (aliás, de cara, sinto a falta, na relação abaixo, do Professor Paulo Bonavides). Mas a minha idéia é ir acrescentando outros juristas aos poucos e fazer deste espaço, quem sabe, a maior biblioteca virtual sobre direitos fundamentais.

Por isso, quem tiver sugestão de outros textos relevantes dentro dessa temática (direitos fundamentais) fique à vontade para enviar.

Conceito e evolução dos Direitos Fundamentais

1. Vilhena, Oscar. A Gramática dos Direitos Humanos.
















segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Ratinho e Liberdade de Expressão

Veja, logo abaixo, uma interessante notícia extraída do site do STJ. A questão é polêmica e lembra um pouco o caso do "lançamento de anão".
No fundo, concordo com a decisão, embora exista nela o risco da "ladeira escorregadia" (slippery slope). Ou seja, ela é boa se vista isoladamente, mas pode desencadear uma série de argumentos perigosos, capazes de, quem sabe, fazer ressurgir teses em favor da censura em outras áreas. E isso não é bom.
Por isso, ela deve ser analisada com os olhos pró-dignidade da pessoa humana. Ele se justifica na medida em que tentou concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana que é um valor acima de qualquer outro, até mesmo da liberdade de expressão. E certamente ela colocará em xeque outros programas do gênero (Pânico na TV, entre outros).

Pádua Ribeiro mantém decisão que proibiu Ratinho de exibir cenas que atentam contra a dignidade humana
Por entender que, ao contrário do alegado pelo apresentador Carlos Roberto Massa, o “Ratinho”, não ocorreu, no caso, qualquer ato de censura, mas sim atendimento ao princípio da dignidade da pessoa humana, o ministro Antônio de Pádua Ribeiro, da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), negou a subida do recurso especial com o qual o apresentador pretendia reverter decisão da Justiça paulista. A medida proibiu Ratinho de exibir cenas de confrontos físicos e exibição de deficiências físicas como atrações do seu programa, com propósito sensacionalista. A pedido do Ministério Público Federal, a Justiça de São Paulo proibiu o programa do apresentador de exibir e expor cenas de confronto físico e de discussão entre as pessoas que ali se apresentam, bem como de exibir pessoas portadoras de deficiência ou de deformidade física, toda vez que essa deficiência represente a própria atração do quadro. Tanto a sentença do juiz estadual quanto o acórdão da Oitava Câmara de Direito Privado do TJ/SP, que manteve a decisão de primeiro grau, rejeitaram o pedido de danos morais de R$ 35 mil que o Ministério Público pretendia aplicar, em conjunto, ao apresentador e ao Canal de TV SBT. Daí o recurso especial do apresentador para o STJ, alegando que não possui e nunca possuiu qualquer tipo de ingerência na produção dos programas que apresenta, já que o faz na condição de simples funcionário do SBT. Argumentou ainda que o Ministério Público estaria, por vias transversas, tentando uma forma oblíqua de censura, formalmente proibida pela Constituição Federal. Como o recurso acabou indeferido na origem, “Ratinho” ingressou com agravo regimental, para tentar fazer subir ao exame do STJ sua inconformidade com a decisão. Mas, ao rejeitar o agravo, o ministro Antônio de Pádua Ribeiro argumentou que na decisão não existe nenhum vício a ser sanado nem mesmo omissão, contradição ou obscuridade, como afirmou o apresentador, tendo em vista que o Tribunal paulista se manifestou acerca de todas as questões relevantes que importavam para a solução da questão. Para o relator, a controvérsia inteira está reduzida ao reexame do conjunto de provas juntado no processo, sendo que todas elas já foram devidamente apreciadas por ocasião do julgamento do tema, não sendo viável a interposição do especial para análise de matéria fática, em face do que dispõe a Súmula 7 do STJ.

Direito de greve e mandado de injunção

Sempre gostei dos votos do Min. Celso de Mello. Mas no voto sobre o mandado de injunção em que se discutia o direito de greve dos servidores públicos, ele se superou. Realmente, muito bem escrito. Clique aqui e veja na íntegra.
Um trecho merece destaque:

"A jurisprudência que se formou no Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento do MI 107/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES (RTJ 133/11), fixou-se no sentido de proclamar que a finalidade, a ser alcançada pela via do mandado de injunção, resume-se à mera declaração, pelo Poder Judiciário, da ocorrência de omissão inconstitucional, a ser meramente comunicada ao órgão estatal inadimplente, para que este promova a integração normativa do dispositivo constitucional invocado como fundamento do direito titularizado pelo impetrante do “writ”.
Esse entendimento restritivo não mais pode prevalecer, sob pena de se esterilizar a importantíssima função político-jurídica para a qual foi concebido, pelo constituinte, o mandado de injunção, que deve ser visto e qualificado como instrumento de concretização das cláusulas constitucionais frustradas, em sua eficácia, pela inaceitável omissão do Congresso Nacional, impedindo-se, desse modo, que se degrade a Constituição à inadmissível condição subalterna de um estatuto subordinado à vontade ordinária do legislador comum".
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Desde que entrei na faculdade (lá pelos idos de 1995), pensava a mesma coisa...

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Ampla defesa no processo administrativo - súmula do STJ

O STJ, recentemente, sumulou o seguinte:
Súmula 343:
é obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar”.
Particularmente, não concordo com a súmula.
Primeiro, porque viola a Lei do Processo Administrativo (Lei 9.784/98), que diz o seguinte:
"Art. 3o O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados: (...)
IV - fazer-se assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando obrigatória a representação, por força de lei".
Segundo, porque deu uma dimensão ao direito à ampla defesa maior do que a Constituição lhe confere. É um formalismo muito grande exigir que o servidor esteja sempre acompanhado de um advogado, mesmo nos processos disciplinares mais banais e mesmo quando ele próprio prefira fazer a sua defesa.
Considero que o direito à defesa técnica é uma faculdade e não uma obrigação. Se o servidor quiser, a Administração não pode lhe negar o direito de estar assistido por um advogado. Ou seja, na minha opinião, é obrigatória não a presença em si do advogado, mas sim a chance de o servidor ser assistido por um, se esse for seu interesse. Se ele não quiser um advogado, ele próprio pode fazer sua defesa.
E outra: afinal, quem vai pagar esse advogado? O servidor ou a Administração?
Se o servidor tiver condições de contratar um advogado, parece óbvio que será ele quem tem que arcar com os custos de sua defesa. Mas se ele não quiser um advogado? Mesmo assim vai ser obrigado a contratar?
Por isso, penso que a súmula merece ser revista. Ou pelo menos melhorada. Por exemplo, poderia ser assim: "é obrigatória a presença do advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar que possa resultar em demissão do servidor".

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Ainda sobre a prisão provisória e o princípio da presunção de inocência...

Recebi, através da Lista-ajufe, a seguinte mensagem do colega juiz federal André Lenart sobre o instituto da prisão provisória na Alemanha:
"Tenho me dedicado no último ano à elaboração de um estudo sobre a sistemática da prisão preventiva. Se Deus ajudar, algum dia publicarei. Minha conclusão é que essa dimensão superlativa que o "princípio" da presunção de não-culpa assumiu no Brasil constitui verdadeira aberração, sinal ímpar da desordem e da decadência técnica da nossa jurisprudência.

Tomemos a Alemanha como primeira referência. O Código de Processo Penal germânico prevê 5 fundamentos (Haftgründe) materiais para a prisão preventiva (Untersuchungshaft). Três se destinam inequivocamente à segurança do processo - e como medidas "cautelares" são encarados por toda a literatura. São eles: a fuga (Flucht), o perigo de fuga (Fluchtgefahr) e o perigo de "ocultação" de fontes de prova (Verdunkelungsgefahr - palavra de difícil tradução). De acordo com a literatura de referência, de cada 10 prisões preventivas decretadas, 8 o são com apoio no risco de fuga. Na prática forense, há uma espécie de inversão do "ônus": o réu é que tem de demonstrar a ausência de intenção de fuga. E quanto mais provável a imposição de pena elevada, mais rigor há nessa regra. Apesar do repúdio dos advogados, é desse modo que agem os juízes. O tal do Cacciola estaria encarcerado lá até hoje...

O quarto fundamento fica no meio termo: é a gravidade do fato (Schwere der Tat). Pela lei, bastaria a forte suspeita (dringender Tatverdacht) da prática de um crime capital (Kapitaldelikt) para escorar a ordem de prisão. Os crimes capitais são exaustivamente listados e correspondem mais ou menos à nossa categoria de crimes hediondos e equiparados. Apesar das acesas críticas de parte substancial da doutrina, que vê nesse fundamento uma nova roupagem para o "clamor público" (die Erregung der Bevölkerung) nacional-socialista, o Tribunal Federal Constitucional (Bundesverfassungsgericht) não o deu como incompatível com a presunção constitucional de não-culpa (Unschuldsvermutung). Limitou-se a aplicar um interpretação conforme (verfassungskonforme Auslegung) ao § 112 III, exigindo que além da gravidade do fato, estivesse presente a possibilidade de perigo de fuga ou de interferência nas fontes de prova (BVerGE 19, 342). Notem: basta a possibilidade de perigo, não havendo necessidade de prova concreta. Isso na prática significa o seguinte: se o juiz não tiver elementos nos autos para afastar a possibilidade de risco, está livre para decretar a prisão. Dureza...

O quinto fundamento, introduzido em 1964, é o perigo de repetição (Wiederholungsgefahr) ou prosseguimento no cometimento de certos crimes graves - também encartados em rol fechado. Aqui há unanimidade: trata-se de medida visando ao resguardo da incolumidade pública, não à boa condução do processo. Fala-se em natureza preventivo-policial (präventiv-polizeilicher Natur). O BVerfGE, contudo, reconheceu-lhe a idoneidade, considerando que o Estado tem o dever de proteger a sociedade da prática de possíveis novos delitos (35, 85). No mesmo sentido, o art. 5 I S. 2 lit c) da Convenção Européia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais prevê expressamente esse fundamento com apto a embasar o decreto de constrição.

Pelo que se pode observar das obras de referência, o grosso dos processos criminais referentes a crimes de média ou elevada gravidade tramita não no juízo monocrático de primeiro grau (Amtsgericht), mas no Tribunal do Estado (Landgericht). (Existe uma distribuição da competência, pela quantidade de pena cominada, entre as várias instâncias). Lembrando que cada Estado ainda conta com um Tribunal Superior (Oberlandesgericht) e que, acima de todos, paira o Bundesgerichthof (BGH - similar ao nosso STJ) - igualmente providos de competências originárias. Pois bem, vou citar para que não digam que estou exagerando. Diz o professor Kindhäuser, à fl. 114 de "Strafprozessrecht", 1ª Edição, 2006:

"Como a prisão preventiva é uma intervenção extremamente grave nos direitos do acusado, o legislador estabeleceu para sua imposição exigências solenes. Com isso, deve assegurar-se que a prisão preventiva só será ordenada em casos excepcionais limitados, levando-se em conta assim o princípio da proporcionalidade (Grundsatz der Verhältnismässigkeit). Na realidade, contudo, não sobrou muito do caráter excepcional da prisão preventiva (Ausnahmecharakter der Untersuchungshaft): nos processo realizados na primeira instância perante o Landgericht, a prisão preventiva é ordenada em mais de 80% dos casos".

Essa estatística é reafirmada nos outros livros que consultei. E, pelo que tenho visto - embora não possa afirmá-lo com certeza -, os Tribunais revisores só relaxam a prisão em caso de excesso de prazo - 6 meses, em regra; 1 ano, no caso de perigo de repetição. Mas já vi gente presa por crimes financeiro, há 3 anos! HC, não tem.

Para quem quiser conferir, vai a minha relação de livros consultados: Claus Roxin, Strafverfahrensrecht, 24. Auflage (1995) - existe versão mais atual; Urs Kindhäuser, Strafprozessrecht (2006); Münchhalffen/Gatzweiler, Das Recht der Untersuchungshaft, 2. Auflage (2002), Schlothauer/Weider, Untersuchungshaft, 3. Auflage (2001); Lutz Meyer-Gossner (ex-presidente aposentado do BGH), Strafprozessordnung, 49. Auflage (2006); Gerd Pfeiffer (presidente do BGH), Strafprozessordung, 5. Auflage (2005)".

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Dá pra entender?

Há algumas coisas que simplesmente eu não consigo entender. Direito de fugir? Que história é essa?
Veja a matéria abaixo, extraída do Consultor Jurídico, e tire a as suas próprias conclusões:
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Direito natural
Marco Aurélio defende direito de acusado fugir
por Maria Fernanda Erdelyi
Sem sentença condenatória, o acusado tem o direito de fugir para não sofrer censura precipitada. A opinião é do ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal. Ele comentava nesta segunda-feira (17/9) a recente prisão do ex-banqueiro Salvatore Cacciola. Marco Aurélio concedeu o Habeas Corpus que suspendeu a prisão preventiva do ex-banqueiro em 2000. Alguns dias depois de conseguir o Habeas Corpus, Cacciola fugiu.
“Enquanto a culpa não está formada, mediante um título do qual não caiba mais recurso, o acusado tem o direito — que eu aponto como natural — que é o direito de fugir para evitar uma glosa que seria precipitada”, disse o ministro. Para Marco Aurélio, o risco de fuga não é suficiente para manter uma prisão. “É preciso um dado concreto quanto à periculosidade, quanto à tentativa de influenciar para obstaculizar a aplicação da lei penal, mas sempre com um dado concreto”, argumentou.
Marco Aurélio ressaltou que na ocasião em que concedeu o Habeas Corpus para Cacciola, ele ainda era um acusado. O ministro garante que teria tomado a mesma decisão ainda que já houvesse sentença condenatória pendente de recurso. "O que temos que considerar é que a liminar foi deferida quando ele era um simples acusado, não havendo ainda a sentença condenatória. Mas eu mesmo sustento que a sentença condenatória ainda sujeita a reforma não enseja a execução da pena, a prisão", disse.
Depois de sete anos foragido, Salvatore Cacciola foi preso em Mônaco na manhã de sábado (15/9). Em 2005, ele foi condenado a 13 anos de prisão por desvio de dinheiro público e gestão fraudulenta, sob a acusação de ter se beneficiado de informações sigilosas sobre a desvalorização do real em relação ao dólar, em 1999, quando era dono do Banco Marka. Segundo a acusação, o golpe gerou um prejuízo de U$ 1,5 bilhão aos cofres públicos.
Para a Justiça de Mônaco, ele deve ser mantido preso até que as autoridades do Brasil e do principado cheguem a um acordo sobre a possível extradição. Os dois países não têm acordo formal nessa área, mas podem criar um acordo específico para este caso. As autoridades do Brasil precisam informar a Justiça de Mônaco dos crimes cometidos pelo ex-banqueiro, além de convencê-la da culpa e pena que Cacciola deve cumprir.
"Não temos tratado com Mônaco mas há um instituto que supre a inexistência do tratado que é a reciprocidade, a promessa de reciprocidade. Se o Brasil prometer a Mônaco extraditar alguém que Mônaco tem interesse na persecução criminal, considerado o processo em andamento em Mônaco evidentemente, a tendência é ter-se o deferimento da extradição", explicou o ministro Marco Aurélio.
Histórico
O ex-dono do Banco Marka foi envolvido em um escândalo em janeiro de 1999, quando o real sofreu uma maxidesvalorização em relação ao dólar: o Banco Central elevou o teto da cotação do dólar de R$ 1,22 para R$ 1,32.
Com muitas dívidas assumidas em dólar, Cacciola teria pedido ajuda ao então presidente do BC, Francisco Lopes, que vendeu dólares por um preço mais barato do que o do mercado. A operação resultou num prejuízo de R$ 1,5 bilhão aos cofres públicos. Na época do episódio, Francisco Lopes alegou que o dinheiro foi emprestado ao Marka e ao FonteCindam para evitar uma crise que abalaria todo o sistema financeiro nacional.
Em outubro de 2001, a Justiça determinou a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico e a indisponibilidade de bens de alguns dos envolvidos no caso: Salvatore Cacciola, Francisco Lopes, ex-diretores de BC Cláudio Mauch e Demósthenes Madureira de Pinho Neto e a diretora de Fiscalização do BC, Tereza Grossi. Na mesma ocasião, Teresa foi afastada do cargo.
Em 2005, a juíza Ana Paula Vieira de Carvalho, da 6ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, condenou Francisco Lopes a dez anos de prisão por peculato, crime em que um funcionário público usa o cargo para apropriar-se de dinheiro ou beneficiar outros ilegalmente. Na mesma sentença, foram condenados a ex-diretora do BC, Tereza Grossi e Cacciola.
Revista Consultor Jurídico, 17 de setembro de 2007
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Um breve comentário: daqui a pouco, o juiz será obrigado a colocar na sentença condenatória os seguintes dizeres: "meu bom acusado, você foi condenado a 30 anos de prisão em regime fechado, mas tem o direito de responder em liberdade. Caso não tenha dinheiro para a fuga, o Estado providenciará uma assistência gratuita para que você possa sair do país com tranqüilidade..."

domingo, 16 de setembro de 2007

Legal

Particularmente, nem conheço a Faculdade de Direito que bolou a propaganda abaixo. Mas como o vídeo é muito legal, faço questão de divulgá-lo aqui também:

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Um tapinha dói ou não dói? A Censura na Música após a Constituição de 88 – Limites à Liberdade de Expressão Musical

Como este post está um pouco longo, recomenda-se a sua leitura ao som da música "Cálice", de Chico Buarque e Milton Nascimento, um hino contra a censura.
Ou, se preferir algo mais moderno, clique aqui para ouvir a bela música "Um tapinha não dói", do Furacão 2000. (Infelizmente, se você escolher essa opção, terá que sair do blog, pois aqui não toca música ruim).


Afinal, um tapinha dói ou não dói?


Será que ainda existe censura musical no Brasil? A resposta fornecida pela mais importante lei do país, que é a Constituição, é bastante clara: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. E mais: “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.


A realidade, porém, demonstra que a solução não é tão simples assim. É possível encontrar diversos exemplos de composições musicais que foram, de algum modo, censuradas (proibidas), inclusive com o aval do Poder Judiciário, mesmo depois da democratização do país, simbolizada com a Constituição Federal de 5 de outubro de 1988.


O que os exemplos abaixo demonstram é que as instituições brasileiras, especialmente o Poder Judiciário, não consideram que a liberdade de expressão seja um valor absoluto, sem freios ou limites (aliás, nenhum direito fundamental é absoluto). Pela leitura das decisões abaixo conclui-se que devem existir limites ao direito de se manifestar artisticamente. E esses limites, curiosamente, também estão previstos na própria Constituição Federal, assim como o próprio direito à liberdade artística!


Veja um exemplo: a Constituição, ao mesmo tempo em que garante a liberdade de expressão, condena o preconceito e o racismo. Então, será que algum artista poderia, em nome da liberdade de expressão, compor uma música contendo idéias preconceituosas ou pregando o ódio racial?


Este é o dilema: qual dos dois valores em jogo é o mais importante? A liberdade artística ou o combate ao preconceito?


A resposta nem sempre é simples.


Certamente, é fácil concordar com uma decisão (ver abaixo) como a do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao condenar a Banda Zurzir, que nitidamente utiliza a música para disseminar idéias preconceituosas de cunho nazista. Letras musicais que elogiam Hitler e defendem o extermínio de judeus certamente não estão protegidas pela liberdade artística.


Por outro lado, bem mais difícil é aceitar uma decisão como a do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que condenou a música “Veja os cabelos dela”, do Tiririca, que, apesar do mau gosto musical, nada mais é do que uma manifestação tosca do típico humor brasileiro (ou pelo menos, do humor cearense).

Como meio termo, muito mais complexo é definir se a música “E por que não?” da banda gaúcha Bidê e Balde deve ser proibida. Ela insinua o incesto e a pedofilia (por sinal, a letra é de extremo mau gosto, embora a melodia seja até legal). Até que ponto a sociedade, em nome da democracia e da liberdade de expressão, deve tolerar esse tipo de manifestação artística? É difícil responder, sobretudo pelo fato de ainda sermos muito imaturos em matéria de liberdade de expressão.


Justamente por conta de nossa imaturidade democrática, defendo que, por enquanto, é melhor ousar em favor da liberdade de expressão, podando-se apenas os extremos (como no caso da Banda Zurzir).


Imagine um pêndulo onde, de um lado, esteja a censura e do outro a liberdade de expressão. Durante praticamente trinta anos, o pêndulo esteve do lado da censura em razão do regime militar. Será que não é hora de jogar o pêndulo para o outro lado com toda a força? Se, desde já, tentarmos buscar o equilíbrio certamente o pêndulo ainda continuará do lado da censura. Especificamente no caso das músicas de protesto (300 Picaretas - Paralamas do Sucesso, Vossa Excelência - Titãs), não vejo qualquer razão para proibi-las. Esse tipo de manifestação artística é perfeitamente compatível com a democracia. Elas não violam qualquer valor constitucional. Pelo contrário: a democracia ganha pontos ao respeitar esse tipo de manifestação de pensamento. A democracia funciona assim mesmo. É da essência da democracia que o cidadão tenha o direito de falar mal dos políticos e das autoridades.

Além disso, há um argumento pragmático em favor da liberdade de expressão: é praticamente impossível aplicar a censura diante de um ambiente tecnológico como a internet. Basta um conhecimento elementar em informática para conseguir baixar, com relativa facilidade, pelos programas e sites de compartilhamento (especialmente, os chamados P2P – usuário para usuário), as músicas que foram proibidas pelo Judiciário. Qualquer pessoa, hoje, pode ouvir, sem maiores problemas, as músicas nazistas da Banda Zuzir, os funks “proibidões” do Rio de Janeiro que elogiam o crime organizado, a "música" "proibida" do Tiririca e do Bidê ou Balde etc...


Se isso é bom ou ruim, também não sei dizer. O que posso dizer com toda certeza é que, em matéria de censura, a internet dá um banho no Direito. E se o Judiciário pensa que pode controlar todas as condutas sociais, é melhor mudar seus conceitos. Aliás, foi isso que reconheceu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul na decisão do Caso “Bidê ou Balde”. É só conferir logo abaixo.

Músicas Censuradas


E Por Que Não? – Bidê ou Balde
(Autores: Carlinhos Carneiro e Rossato)
“E por que não? / Eu estou amando a minha menina / E como eu adoro suas pernas fininhas / Eu estou cantando pra minha menina / Pra ver se eu convenço ela a entrar na minha.
E por que não? / Teu sangue é igual ao meu, é igual ao meu / Teu nome fui eu quem deu / Te conheço desde que nasceu.
E por que não? / Eu estou adorando / Ver a minha menina / Com algumas colegas / Dela da escolinha / Eu estou apaixonado / Pela minha menina / O jeito que ela fala, olha, / O jeito que ela caminha”.


A referida música foi alvo de ação judicial, tendo a Banda Bidê ou Balde sido acusada de apologia à pedofilia. A Banda, em nota oficial, protestou contra a acusação. O certo é que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em grau de recurso, decidiu o seguinte:

“Inegável que a letra da música ‘E por que não?’, da banda ‘Bidê ou Balde’, materializa apologia ao incesto e à pedofilia, sendo impossível, material e constitucionalmente, a pura e simples extirpação do material do universo social, já entranhada nos lares e à disposição em centenas de ‘sites’ na Internet. Hipótese de reconhecimento judicial da ofensa, com minimização de seus efeitos, com aplicação de multa, por veiculação e decorrente de parcela dos lucros, em benefício de órgão estadual de bem estar do menor”.

Na minha ótica, a decisão foi razoável. Na verdade, o TJRS não proibiu a música, apenas aplicou uma multa pesadíssima toda vez que a música for veiculada. A Banda Bidê ou Balde preferiu não pagar pra ver (ou melhor, tocar), fazendo um acordo com o ministério público se comprometendo a não mais executar a música nos seus shows.

Veja a decisão na íntegra.
Para demonstrar que censura não combina com internet, o clipe da música pode ser visto facilmente no Youtube: http://www.youtube.com/watch?v=oEn71o4fkjI



Banda Zurzir

Também é do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a decisão que condenou a Banda Zurzir, que pregava idéias nazistas (como é que ainda existe gente assim?).

Eis a ementa do acórdão:

“PRECONCEITO DE RAÇA. ORNAMENTOS. QUE UTILIZA A CRUZ SUÁSTICA. Se de um lado a constituição exaltou a liberdade de pensamento como um dos direitos fundamentais, ficou preservada também a dignidade humana, com repúdio à discriminação ou preconceito. Comprovada conduta preconceituosa, divulgação de música de apologia ao líder nazista, é de ser mantida a condenação. APELO IMPROVIDO”.

Veja a decisão na íntegra.

Uma das músicas citadas na decisão é chamada 88 Heil Hitler, cuja letra é a seguinte:


“SOBERANO GUERREIRO, COM SEUS PUNHOS DE AÇO TENTOU LIVRAR O MUNDO DA SINISTRA IRMANDADE
O TRIUNFO DA VONTADE GUIOU O IMPÉRIO
E A SERPENTE DESTILOU EM SEU VENENO MISTÉRIOS
88 HEIL HITLER, 88 HEIL HITLER, 88 HEIL HITLER (duas vezes)
A FERRO E FOGO SUPORTOU AS MENTIRAS SIONISTAS
CONDENADO PELO MUNDO A PAGAR SEM RAZÃO
O NOBRE FUHRER FOI CALADO E SEU IMPÉRIO VENCIDO
PERDEU-SE UM GRANDE HERÓI. JAMAIS SERÁ ESQUECIDO
88 HEIL HITLER, 88 HEIL HITLER, 88 HEIL HITLER (duas vezes)”


Lamentável... (a música, não a decisão).



Bonde da Chatuba – Funk Proibidão – Mc Frank

Os funks do Rio de Janeiro já se auto-proclamam “Proibidões”, utilizando a censura como instrumento de marketing. As suas letras visam chocar a sociedade, seja pela pornografia explícita, seja pelo elogio ao crime organizado (Comando Vermelho, Terceiro Comando da Capital etc.).
Curiosamente, são poucos os casos que foram parar na Justiça, até porque essas músicas não costumam ser comercializadas oficialmente. É tudo meio clandestino. Mesmo assim, pelo menos uma canção foi alvo de processo judicial e chegou até o Supremo Tribunal Federal. É a chamada “Bonde da Chatuba”, do Mc Frank, cuja letra diz o seguinte:



Bonde do 157

Não se mexe, não se mexe
Na Chatuba é 157
Não tira a mão do volante
Não me olha e não se mexe
É o Bonde da Chatuba
Do artigo 157
Vai, desce do carro,
Olha pro chão, não se move
Me dá seu importado
que o seguro te devolve
Se liga na minha letra
Olha nós aí de novo
É o Bonde da Chatuba
Só menor periculoso.

Audi, Civic, Honda,
Citröen e o Corolla
Mas se tentar fugir
Pá! Pum!
Tirão na bola
Na Chatuba é 157.

Aê, parado, ninguém se mexe...

Nosso bonde é preparado,
Mano, puta que pariu
Terror da Linha Amarela
E da Avenida Brasil
Nosso bonde é preparado
Não tô de sacanagem
Um monte de homem-bomba
No estilo Osama Bin Laden.



A referida música faz, claramente, uma alusão ao crime de roubo, tipificado no artigo 157 do Código Penal. Em razão disso, Mc Frank foi acusado de apologia ao crime. Não conformado, o funkeiro ingressou com habeas corpus perante o STF tentando barrar a ação penal. O Min. Marco Aurélio indeferiu o pedido, alegando que havia realmente indícios da prática da apologia ao crime. (Obs: os argumentos apresentados pelos advogados do cantor são bem interessantes. Agora, querer comparar a letra de "Pivete", de Chico Buarque, com esse funk é meio forçar a barra, não é mesmo?).

Confira a decisão na íntegra.


Tiririca


Em um de seus momentos mais criativos, o poeta e compositor Tiririca brindou a humanidade com a seguinte canção:



Veja os cabelos dela


Alô, gente, aqui quem fala é o Tiririca
Eu também estou na onda do Axé Music

Quero ver os meus colegas dançando

Veja, veja, veja os cabelos dela!

Parece bombril de arear panela

Quando ela passa, me chama atenção

Mas seus cabelos não têm jeito, não

A sua catinga quase me desmaiou

Olha, eu não agüento o seu grande fedor

Veja, veja os cabelos dela!

Parece bombril de arear panela

Eu já mandei ela se lavar

Mas ela teimou e não quis me escutar

Essa nega fede!

Fede de lascar

Bicha fedorenta, fede mais que um gambá

Veja, veja, veja os cabelos dela

Como é que é?

A galera toda aí

Com as mãozinhas pra cima

Veja, veja, os cabelos dela

Bonito, bonito!Aí, morena, você, garotona

Veja, veja, veja os cabelos dela



A beleza poética da letra é tão inspiradora quanto a melodia da música. Vale conferir. Logicamente, Tiririca não pretendia ganhar nenhum “Grammy” por essa canção. Sua intenção era tão somente fazer humor. Aliás, ele chegou a afirmar que a música foi feita em "homenagem" à sua esposa. Mas não foi isso que algumas entidades entenderam. Para alguns, a música representaria um desrespeito à mulher negra e, por isso, deveria ser proibida. O caso foi parar na Justiça. No âmbito penal, Tiririca foi inocentado da acusação de racismo, a meu ver corretamente, já que o intuito da música era fazer humor. Na esfera cível, porém, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que julgou o caso em grau de apelação, condenou a Sony Music a pagar uma indenização de trezentos mil reais. Veja a íntegra da decisão.

Comentário particular: para ser sincero, acho que o TJRJ exagerou um pouco. Acho que aqui caberia os mesmos argumentos da sentença do Mandarino, no caso Diogo Mainardi. Ou seja, entre tolerar pequenas ofensas e limitar a liberdade de expressão, é preferível a tolerância em nome da liberdade.

Afinal, como diz outra belíssima canção popular, um tapinha não dói...

Outras músicas ou bandas que tiveram problemas com a Justiça

As músicas acima foram inegavelmente censuradas, na medida em que tiveram sua veiculação total ou parcialmente proibida.
Houve inúmeras outras músicas e bandas que também tiveram problemas com a Justiça, como por exemplo:

Legalize Já - Planet Hemp – Os membros da Banda Planet Hemp chegaram a ser presos no Distrito Federal, sob a acusação de fazer apologia ao consumo de drogas, por cantarem músicas como "Legalize Já". Felizmente, o Poder Judiciário reconheceu que a atividade artística dos músicos estava, no caso, protegida pela liberdade de expressão. Veja a decisão.

Comentário pessoal: acredito que defender a legalização do uso da droga é diferente de defender o consumo da droga. No caso da Banda Planet Hemp, acredito que eles defendem uma idéia que, a rigor, não está proibida pela Constituição, que é a legalização da maconha.

Além disso, há diversas música que, de algum modo, se referem às drogas. De cabeça, me recordo das seguintes: Malandragem dá um tempo – Bezerra da Silva, A Feira – O Rappa, Cachimbo da Paz – Gabriel, o Pensador.

Não creio que qualquer dessas músicas faça apologia ao uso de drogas, embora, em quase todos os casos, exista um elogio indisfarçado às pessoas que consomem maconha. Apesar disso, considero que seria um exagero tentar qualquer forma de censura em relação a essas músicas.


300 Picaretas - Paralamas do Sucesso – Inspirados em uma frase bombástica do então sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, os Paralamas do Sucesso fizeram uma música “homenageando” os “300 Picaretas” que faziam parte do parlamento brasileiro (otimistas, não? Afinal, só 300?). Houve, na época, uma tentativa de proibição da música por parte da Procuradoria do Congresso Nacional. Felizmente, o processo judicial não deu em nada.
Se, em uma democracia, ninguém puder falar mal dos governantes, parlamentares, juízes etc., então certamente não se trata de uma democracia.

Vossa Excelência – Titãs – Na mesma linha da música dos Paralamas, os Titãs fizeram, em 2006, uma música criticando o Poder Judiciário (e o poder público de um modo geral), chamada Vossa Excelência. Confira abaixo um clipe bem interessante da música extraído do Youtube.

Ao contrário dos congressistas, que tentaram proibir a música “300 Picaretas”, os juízes brasileiros (pelo menos, os federais) não se sentiram “menores” por conta da música dos Titãs. Pelo contrário. Naquele mesmo ano, os Titãs foram convidados a participarem do encerramento do “Encontro Nacional dos Juízes Federais”, que ocorreu em São Paulo. Por cautela, os Titãs preferiram não incluir a música “Vossa Excelência” no repertório do show, já que a platéia estaria lotada de magistrados. Em vão, pois os juízes e familiares ali presentes clamaram pela música. Os gritos de “Vossa Excelência, Vossa Excelência” não deixaram alternativa para os Titãs senão tocar a música. Antes de tocar, um temeroso Tony Belotto ainda perguntou para a platéia: “vocês sabem mesmo o que estão pedindo?”
No final, os aplausos foram emocionantes.
É por essas e outras que tenho orgulho de fazer parte da magistratura federal!

Para finalizar o post, presto uma pequena homenagem ao Senado Federal, que hoje absolveu o Senador Renan Calheiros. Assim, nesse clima de indignação, curta o clipe da música Vossa Excelência direto do Youtube:

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Roteiro de Estudo – Direito Constitucional

Muita gente continua pedindo dicas de livros e artigos para concursos públicos, em especial para a magistratura, para o ministério público e para advocacia pública. Resolvi fazer um apanhado geral dos temas que mais costumam cair em concursos e fornecer a bibliografia básica para estudar esses temas. Como não estou muito por dentro dos concursos mais recentes, me baseei nos que fiz, ou seja, não confiem muito nas minhas indicações, pois já podem existir artigos ou livros mais atualizados e temas mais importantes a serem estudados.
O roteiro proposto, embora não seja suficiente, pode servir como início de estudo. Na medida em que for progredindo, os próprios textos indicam outras obras que merecem ser lida e aí seu estudo ganhará vida própria.
O interessante no estudo do direito é se envolver com o tema que se está estudando; é criar uma intimidade “intelectual” com os autores, cujas obras você mais gostou de ler; é saber qual será o próximo passo do estudo não porque alguém indicou uma determinada obra, mas porque você está curioso para ler.
Não basta estudar apenas para passar. Certamente, o objetivo principal é ser aprovado. No entanto, mais importante do que isso é gostar do direito, já que esse será seu dia a dia pelo resto da sua vida. Sem gostar do direito, não vale a pena estudar para a magistratura, para o ministério público ou para a advocacia pública.
Não pense que seguindo à risca o roteiro abaixo você irá fechar a prova de direito constitucional. Na verdade, aí estão apenas os passos iniciais. Passar em concurso exige não apenas estudo, mas gosto pelo direito, sorte, tranqüilidade, paciência, persistência, fé e confiança.
Antes de passar para o roteiro propriamente dito, aqui vai uma ligeira observação. Atualmente, a concorrência está sufocante. Tem muita gente fazendo concursos. E mais: tem muita gente estudando para concurso. Logo, na minha opinião, de nada adiante ficar apenas com os livros básicos (resumos, esquemas, roteiros etc.). É preciso ir além. Talvez seja útil começar com os básicos. Assim, você se iguala com a concorrência. Mas se você quiser dar o passo seguinte e levar vantagem na hora do concurso, aprofunde.

Roteiro de Estudo - Direito Constitucional

O Direito Constitucional é, sem dúvida, a matéria mais importante em concursos públicos voltados para a área jurídica. Vale a pena estudar a fundo essa disciplina, até porque ela também é útil para entender quase todas as outras. Estudando direito constitucional, automaticamente se estuda para tributário, administrativo, previdenciário etc.
Pois bem. E como estudar?
Primeiramente, uma leitura básica da Constituição Federal.
Sei que é bastante cansativo ler os inúmeros dispositivos da nossa "Carta Cidadã", mas o esforço valerá a pena. Há, inclusive, a Constituição Federal em áudio, disponibilizada pela Câmara dos Deputados.
Algumas partes da Constituição devem ser lidas mais de uma vez. Por exemplo, o artigo quinto, a distribuição de competências, a parte referente à Administração Pública, o Sistema Tributário Nacional e a parte referente à organização dos poderes.
Vale a pena dar uma olhada nas alterações (emendas constitucionais) mais recentes. É bastante comum cobrarem justamente as mudanças.
Para a prova objetiva, vale a pena ler a Constituição mais de uma vez. Não é preciso decorar todos os artigos tim-tim por tim-tim, nem se desesperar por pensar que você não fixou quase nada. É natural que, nas primeiras leituras, as idéias estejam ainda muito difusas. Só com o tempo é que se conseguirá “se acostumar” com os textos. A resolução de provas objetivas de concursos passados também é útil para fixar o conteúdo da Constituição.
Depois que tiver lido a Constituição, um ponto fundamental é estudar controle de constitucionalidade. Muitas questões, subjetivas e objetivas, versam sobre a fiscalização de constitucionalidade das leis e dos atos normativos.
Fundamental é ler a Lei 9.868/99 (Lei da Adin/ADC) e a Lei 9.882/99 (Lei da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental).
Outro texto básico é o livro do Alexandre de Moraes (“Direito Constitucional”, ed. Atlas). Para começar, vale a pena ler apenas a parte sobre controle de constitucionalidade, pois traz o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que sempre é cobrado. A propósito, sempre esteja atualizado com a jurisprudência do STF, através da leitura dos seus informativos. Do mesmo modo, o próprio STF editou uma interessante Constituição comentada pelo STF, que ajuda bastante.
Lido todo esse material, você terá uma noção básica de controle de constitucionalidade e estará habilitado a resolver as questões objetivas sem grandes problemas, especialmente se responder algumas provas de concursos passados. Porém, se quiser se aprofundar mais e se preparar logo para a prova subjetiva, vale a leitura de livros mais avançados, que tratem especificamente de controle de constitucionalidade. O "Curso de Direito Constitucional", de Gilmar Mendes, Inocêncio Coelho e Paulo Branco (ed. Saraiva) é muito bom.
Após estudar o controle de constitucionalidade, vale dar uma olhada nos princípios constitucionais. É importante ler sobre a teoria dos princípios, pois é um tema recente e que vem revolucionando o direito constitucional.
Há alguns livros bons sobre o assunto. A título de exemplo, indico: SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2000; BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais – o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
No mesmo embalo, vale estudar Hermenêutica Constitucional. Aqui, o livro “Interpretação e Aplicação da Constituição”, ed. Saraiva, de Luís Roberto Barroso, é excelente. Sua leitura dará uma ótima visão do direito constitucional. Considero esse livro um texto fundamental e indispensável para a compreensão do direito constitucional moderno. Na verdade, foi o livro que me despertou para o direito constitucional.
Outra questão que é cobrada em quase todos os concursos versa sobre a teoria da aplicabilidade das normas constitucionais. O livro “Aplicabilidade das Normas Constitucionais”, ed. Malheiros, de José Afonso da Silva, é sempre mencionado, pois foi ele quem desenvolveu a classificação das normas constitucionais que costuma ser adotada (normas de aplicabilidade plena, limitada e contida). Não sei se vale a pena ler esse livro já para a prova objetiva. Talvez seja melhor apenas entender a classificação. Para isso, basta ler, por exemplo, o um texto que escrevi apresentando “críticas à teoria da aplicação das normas constitucionais de José Afonso da Silva”.

Outro tema de direito constitucional importante para ser estudado são os Direitos Fundamentais. Sou suspeito para falar sobre o assunto, pois sou apaixonado pela matéria. Por isso, vou me controlar e tentar aconselhar apenas o be-a-bá.

Com um aperto no coração, indico o livro “Direito Constitucional”, ed. Atlas do Alexandre de Morais, no capítulo que fala sobre direitos humanos fundamentais. Esse autor também possui um livro especificamente sobre “Direitos Humanos Fundamentais” (ed. Atlas), que praticamente repete o “Direito Constitucional”. Esse livro está longe de ser o melhor sobre os direitos fundamentais, pois deixa de abordar pontos importantes, mas, para concurso, quebra o galho, pois traz o posicionamento do STF.
Se quiser fugir do básico, recomendo o “Curso de Direito Constitucional” (ed. Malheiros) do Prof. Paulo Bonavides, a “Eficácia dos Direitos Fundamentais” (ed. Livraria do Advogado) de Ingo Wolfgang Sarlet, os livros do Daniel Sarmento e “Teoria Geral dos Direitos Fundamentais” (ed. RT), de DIMOULIS, Dimitri & MARTINS, Leonardo.
Dentro da temática dos direitos fundamentais, aconselho o estudo da colisão de direitos fundamentais e da limitação de direitos fundamentais. Sobre o assunto, já em nível de aprofundamento, vale a leitura de PEREIRA, Jane Reis Golçaves. Interpretação Constitucional e Direitos Fundamentais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
É importante também conhecer a fundo o princípio da proporcionalidade, sobretudo para a prova subjetiva. Nesse ponto, vale a leitura do livro “O princípio da proporcionalidade” (ed. Brasília Jurídica), de Suzana de Toledo Barros, bem como um artigo de Gilmar Ferreira Mendes intitulado “Os Direitos Fundamentais e suas limitações: breves reflexões”, disponível no livro “Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais” (ed. Brasília Jurídica), por sinal, um bom livro.
Quase ia me esquecendo. Não custa também ler alguns artigos e livros de minha autoria sobre direitos fundamentais que estão no blog, especialmente a monografia “Proteção Judicial dos Direitos Fundamentais” (e, em breve, o Curso de Direitos Fundamentais).
Também não se esqueça de estudar as súmulas editadas pelo STF, especialmente as mais recentes.
Há, ainda, alguns temas ligados ao direito constitucional que tem íntima ligação com outras disciplinas. É interessante estudar a fundo esses temas, pois eles podem ser cobradas em mais de uma matéria. Por exemplo, o tema "Responsabilidade Civil do Estado" pode ser cobrado em direito constitucional, direito administrativo e até mesmo direito civil. Desapropriação costuma cair em direito constitucional, direito administrativo e direito processual civil. E apor aí vai.

Desse modo, sugiro o estudo - mais aprofundado - dos seguintes temas:

a) Ações Constitucionais;
b) Princípios constitucionais tributários;
c) Princípios constitucionais do processo;
d) Garantias constitucionais;
e) Responsabilidade civil do Estado;
f) Desapropriação;
g) Competência constitucional (dos órgãos judiciais).


Chegando até aqui, já se considere um expert em direito constitucional. Você verá que as outras disciplinas serão bem melhor compreendidas quando analisadas numa ótica constitucional.


Era isso...
Em breve, mais dicas.

Código da Vida


Aproveitei o feriadão (e uma pequena insolação decorrente do excesso de praia e de kitesurf), para ler o livro "Código da Vida", do advogado Saulo Ramos (ed. Planeta).

É uma boa leitura, embora nem sempre seja possível saber ao certo o que é verdade e o que é mentira nas estórias contadas. Saulo Ramos, que participou ativamente de diversos momentos da história política do país, mistura fofocas da vida política e jurídica do país no mínimo curiosas. Ele fornece a sua versão da história. Uma versão nem sempre imparcial, mas, de qualquer modo, digna de merecer alguma atenção (ainda que com o pé sempre atrás).

Algumas partes que me chamaram a atenção:

* a parte em que Saulo Ramos mandou o Min. Celso de Mello, do STF, ir à merda;

* o singelo parecer, no caso do comando constitucional que limitava os juros reais a 12%, que teve a força de simplesmente suspender a efetitivade de uma norma constitucional recém aprovada!

* a sua versão do "Caso Herzog" (não do caso em si, mas da sentença judicial condenando a União a pagar uma indenização em favor dos herdeiros do jornalista assassinado pela ditadura militar);

*as manobras engendradas pela Assembléia Constituinte, comandadas pelo então Deputado Federal FHC;

* a completa falta de modéstia (e, algumas vezes, de ética) do autor.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Jurisprudenciando: ADPF 54 - Aborto - Fetos Anencefálicos


Finalmente, o Supremo Tribunal Federal publicou o acórdão analisando o pedido de liminar na Argüição de Descumprimento a Preceito Fundamental n. 54/2004, aquela em que se discute a possibilidade de realização de aborto (interrupção da gravidez) em casos de fetos anencefálicos.

Ainda não tive tempo de ler a decisão na íntegra (são 220 páginas!). Por isso, não posso comentá-la ainda.

No entanto, para que este post tenha algum sentido, disponibilizo a decisão:

Veja bem: ainda não é o mérito da ação. Por enquanto, o STF apenas analisou a concessão da liminar e o cabimento formal (adequação processual) da ADPF. Aliás, o julgamento ocorreu em 27/4/2005. O julgamento do mérito deverá ocorrer em breve.
Upgrade:
apenas para contribuiur para o debate, clique aqui para obter a íntegra da petição inicial elaborada por Luís Roberto Barroso, na citada ADPF 54/2004 (extraída do Conjur).

Petições Alagoanas

Em 2000, tive a honra de integrar a Procuradoria do Estado de Alagoas. Foi uma advocacia de altíssimo nível, apesar de todas as dificuldades estruturais que a PGE-AL enfrentava na época.
Obtivemos vitórias importantes junto ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça.
Tive a oportunidade de atuar em casos relevantíssimos para o Estado, que ainda hoje me orgulham. Sem modéstia, digo que fico admirado em relação à qualidade do trabalho que realizei, junto com os demais colegas procuradores. Nesse sentido, faço questão de disponibilizar algumas petições que redigi ou ajudei a redigir naquele período, quando eu tinha pouco mais de um ano de formado:
Agravo de Instrumento - Letras Financeiras do Tesouro Estadual: uma das causas mais complicadas que já tive a oportunidade de enfrentar, seja como procurador, seja como juiz. A discussão envolvia cifras bilionárias (algo em torno de dois bilhões de reais). A petição ora disponibilizada é um agravo de instrumento contra decisão que antecipou a tutela reconhecendo a validade dos referidos títulos públicos.
Apelação - Ação Popular - Letras Financeiras do Tesouro Estadual: uma petição curiosíssima. O Estado era réu em uma ação popular que pretendia anular as tais Letras. Por orientação do governo anterior, a PGE contestou a ação popular, defendendo a validade das Letras. O juiz da causa houve por bem extinguir o processo sem julgamento do mérito. Em tese, portanto, o Estado ganhou a ação, pois ele era réu e o processo foi extinto. No entanto, a atual orientação da PGE se inclinava pela nulidade das Letras, ou seja, agora o Estado pretendia ajudar o autor da ação popular. Assim, em uma preliminar mirabolante, conseguimos modificar a posição do Estado na relação processual (de réu para autor) e recorremos da sentença. Por incrível que pareça, o Tribunal de Justiça de Alagoas aceitou nossos argumentos e anulou a sentença. Fantástico.
ADIn - Consumidor - Etiquetas em Supermercados: na PGE, tive a oportunidade fazer algumas Ações Diretas de Inconstitucionalidade. Talvez essa tenha sido a mais relevante. A Assembléia Legislativa de Alagoas, curvando-se ao lobby dos supermercados, editou uma lei desobrigando os supermercados a colocarem os preços nas mercadorias, considerando suficiente para garantir a informação ao consumidor a existência do código de barras. Na referida ADIn, defendi a inconstitucionalidade da referida lei estadual.
Agravo Regimental em "Execução Especial": esse foi um dos processos mais bizarros e vergonhosos que já vi. O Estado foi obrigado a pagar, a título de honorários advocatícios, mais de dois milhões de reais por um único mandado de segurança, inspirado em contrato firmado com a Assembléia Legislativa no mínimo suspeito. Fico indignado só de lembrar. Basta ler os doze argumentos utilizados para demonstrar a ilegalidade cometida.
Impeachment do Governador do Estado: tive a oportunidade, na qualidade de procurador, de elaborar um interessante parecer sobre o processo de impeachment do Governador do Estado. Analisei o problema da legitimidade ativa, quorum, procedimento. Um trabalho e tanto, especialmente se for levado em conta que foi elaborado em menos de vinte dias.

Jurisprudenciando: Prostituição e discriminação

Vejam que decisão interessante do TRF5:

Decisão da Quarta Turma combate discriminação

No julgamento da apelação (ACR 5157-PE), M. F. L, residente em Porto de Galinhas (litoral Sul de Pernambuco), foi beneficiada, nesta terça-feira (04/09), com a substituição da pena de reclusão de três anos para uma pena alternativa (trabalho social). Presa em flagrante com quatro notas falsificadas de R$ 50 e condenada pela prática do crime de moeda falsa no comércio local, a acusada afirmou que recebeu o dinheiro de um italiano de identidade desconhecida, fato normal na atividade do meretrício. Numa decisão unânime, a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) concedeu parcial provimento à apelação da acusada, que teve garantida a substituição da pena.
A desembargadora federal Margarida Cantarelli, relatora do processo, discordou da decisão da 4ª Vara Federal de Pernambuco, que aplicou a pena de reclusão de três anos e não aceitou a conversão para restrição de direitos alegando que a ré não tem profissão definida. A relatora classificou como discriminatória a decisão, considerando o direito à pena alternativa para condenados a menos de quatro anos e como a pena de M.F. L foi inferior a esse período, no caso três anos, não se justifica mantê-la em regime fechado, negando-lhe o benefício da progressão.
Em seu voto, a desembargadora alegou que a prostituição tem, inclusive, “reconhecimento do Ministério do Trabalho, podendo contribuir para a Previdência Social. A prática da prostituição não pode servir de prejuízo ou demérito ao homem ou mulher que dela sobrevivem, até porque a conduta é lícita, apesar de historicamente mal vista por todas as sociedades. Isso não pode induzir à conclusão de que a meretriz está mais sujeita ao crime”, lembrou Margarida Cantarelli.
A modificação da sentença foi acompanhada pelos demais componentes da Quarta Turma do TRF da 5ª Região, que seguiram o voto da relatora considerando que a discriminação fere a Constituição do Brasil. Participaram desta sessão os desembargadores federais Lázaro Guimarães (Presidente), Marcelo Navarro e Margarida Cantarelli.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Direitos Fundamentais, Jurisdição Constitucional e Opinião Pública

Alguns alunos questionaram a seguinte afirmação que escrevi no post sobre "A Faca no Pescoço":
"É óbvio que a imprensa exerce influência sobre o julgamento de temas relevantes. Aliás, até a temperatura do ar-condicionado da sala de audiência influencia no julgamento. E é bom que a opinião pública seja levada em conta pelos juízes ao julgarem processos tão importantes. Está na hora de parar com essa besteira de que 'o que não está nos autos não está no mundo'. O juiz deve sim se preocupar com a opinião pública, embora não deva se guiar exclusivamente por ela. Se a sua consciência lhe indicar que a solução justa é oposta ao que a sociedade pensa, então ele deve seguir sua consciência, justificando a sua decisão sem medo".
Sem querer aumentar a polêmica contida na referida frase, reforço meus argumentos citando uma passagem que encontrei em um artigo escrito por Ernest Benda, que foi membro da Corte Constitucional alemã. No texto, ao se referir ao sentimento de "patriotismo constitucional" vivido pelo povo alemão, o jurista germânico explica:
"Mais significativo ainda é o surgimento, na população, além de toda e qualquer diferença de opinião política cotidiana, de uma consciência do consenso acerca da Constituição. Tal consenso é veiculado sobretudo pela experiência de que os direitos fundamentais não são meras promessas, cujo cumprimento depende, como nos sistemas totalitários, da decisão irrecorrível dos donos do poder, mas que podem, em caso de necessidade, serem impostos também contra os órgãos do Estado. O prestígio extraordinário que o Tribunal Constitucional Federal pôde usufruir durante longos anos indica que a população confia, em um grau elevado, na Lei Fundamental – e no órgão constitucional que é responsável pela sua implementação. Enquanto, e à medida que, existir um consenso generalizado acerca das basilares representações de valores, contidas na Lei Fundamental e sobretudo na sua parte referente aos direitos fundamentais, os seus princípios também serão aceitos pela população. Conforme mostra o desenvolvimento mais recente, um pressuposto importante da eficácia do Tribunal Constitucional Federal está no fato de ele não se afastar demais dos marcos consensuais existentes na população. Isso não pode significar que o tribunal se oriente pelo que a opinião pública espera; decisões não devem correr atrás da popularidade, mas enunciar o que é imperativo na exegese da Constituição. Faz parte da cultura política que os órgãos políticos e a opinião pública suportem tais decisões; ainda que incômodas. No entanto, uma jurisprudência que não encontra a compreensão e, por conseguinte, não é aceita, ameaça os pressupostos fundamentais de sua eficácia. É essa astúcia da razão que limita o poder existente e também necessário da jurisdição constitucional, conduzindo a um balanço adequado dos poderes de Estado" (BENDA, H. C. Ernst. O Espírito da Nossa Lei Fundamental. p. 102. In: CARNEIRO, José Mário Brasiliense & FERREIRA, Ivette Senise (org.). 50 Anos da Lei Fundamental. São Paulo: Edusp, 2001, pp. 91/109).

terça-feira, 4 de setembro de 2007

E por falar em ampla defesa...

O amigo Mairton, Juiz Federal companheiro do IV Concurso do TRF5, no seu blog sobre Direito e Tecnologia, publicou um post muito interessante sobre o uso de novas tecnologias no procedimento da repercussão geral (clique aqui). Basicamente, ele comenta uma possibilidade aberta pelo Regimento Interno do STF que autoriza o julgamento do recurso por meio eletrônico (o relator apresenta seu voto eletronicamente e os outros ministros confirmam ou não o voto, também eletronicamente).

No texto, ele foi além da repercussão geral, levantando a possibilidade de utilizar a técnica para outros julgamentos colegiados. O procedimento seria mais ou menos assim: "após proferir o seu voto, o relator, com um simples clique no mouse, poria o processo em uma área de acesso comum aos demais membros do colegiado correspondente, e cada um desses seria informado eletronicamento da disponibilidade do voto. Os demais membros votariam - também eletronicamente, claro - e, logo que todos houvessem votado, o processo seria encaminhado para publicação do acórdão. No caso de processo físico, apenas o relatório, o voto e algumas peças (inicial, contestação, sentença, razões de recurso e outras que o relator entendesse relevantes) seriam digitalizadas e disponibilizadas para os demais membros do colegiado. O acórdão seria juntado aos autos, juntamete com os votos, em forma similar à prevista no art. 325 do RISTF para as decisões sobre inexistência de repercusão geral nos recursos extraordinários".

Comentários:

A primeira pergunta que vem à mente é saber se essa técnica violaria a ampla defesa e o princípio do contraditório.

Em princípio, penso que não. Não há, na Constituição, qualquer regra dizendo que os membros de colegiados, ao julgarem, estejam fisicamente presentes na sessão de julgamento. O que a Constituição exige é que as sessões sejam públicas; e as decisões, motivadas. Portanto, não vejo qualquer incompatibilidade dessa técnica com as garantias processuais.

Agora, realmente, a técnica "desumaniza" um pouco o processo judicial. Fica tudo meio mecânico (ou melhor, eletrônico), como aquele personagem do Jim Carrey, no filme "Todo Poderoso", que, ao responder aos e-mails enviados a Deus, respondeu "sim para todos", causando um verdadeiro caos no planeta.

Mesmo assim, a idéia é boa e merece ser incentivada. Aliás, eu ainda levanto uma hipótese ainda mais ousada, inspirada nas idéias da democracia direta (a chamada "quarta geração" dos direitos fundamentais, preconizada pelo Professor Paulo Bonavides): e se, no futuro, todo cidadão-eleitor tivesse uma identificação digital (certificação digital) onde pudesse manifestar sua opinião (voto) sobre os mais diversos assuntos com um simples clique no computador? Já pensou o alcance revolucionário desse tipo de democracia, onde cada um do povo, diretamente, é responsável pelas decisões políticas mais relevantes?


PS. A propósito, vale conhecer também o blog "Mundo Cordel" do Mairton. O advogado, o diabo e a bengala encantada é impagável...

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Direitos Fundamentais ou Direitos Fundamentalistas?


Comentários:

Deixa eu ver se entendi: todos os juízes do Brasil estão errados ao utilizarem o instituto da prisão provisória. Todos os Tribunais de Justiça estão errados ao confirmarem as decisões de primeiro grau. Todos os ministros do STJ estão errados ao negarem o habeas corpus. E apenas uns poucos ministros do STF estão corretos?

Será que, na verdade, não está na hora do STF rever seus conceitos?

Confesso que minha atuação na área criminal é bastante limitada. Nunca fui um grande estudioso dessa disciplina (a não ser em alguns pontos ligados aos direitos fundamentais).

Mesmo assim, sempre achei que o STF exagera na dose ao delimitar o conceito de "presunção de inocência", praticamente proibindo a adoção das prisões provisórias (antes da condenação definitiva).

Que eu saiba, em nenhum país civilizado, esse princípio da presunção de inocência é interpretado de forma tão extremada como aqui no Brasil.

Veja o caso do Pimenta Neves, o jornalista que matou sua ex-namorada.

Ele próprio confessou o crime, fato corroborado pelas testemunhas de acusação. Levado a júri, foi considerado culpado. Mesmo assim, conseguiu habeas corpus para garantir o direito de recorrer em liberdade. Afinal, antes da condenação definitiva não pode ser preso. E o princípio da soberania do júri não vale nada? Que presunção de inocência é essa, onde o próprio acusado diz que não é inocente?

A propósito das prisões provisórias, vale a leitura de um estudo bastante interessante do meu colega Ricardo Campos, juiz federal aqui em Fortaleza, que escreveu sobre "As prisões provisórias no direito comparado". O texto pode ser encontrado no Boletim dos Procuradores da República n. 74 (maio/2007).