quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Jurisprudenciando - Interrogatório por Vídeo-Conferência

Como já foi amplamente divulgado, a Segunda Turma do STF, por unanimidade, decidiu que o interrogatório por vídeo-conferência viola o devido processo legal (especialmente, o direito à ampla defesa), sendo, portanto, inconstitucional. Veja o voto do relator (Min. Cezar Peluso).
Quando li a notícia, tomei dois sustos: primeiro, pela decisão em si, pois sempre defendi (e ainda defendo) a constitucionalidade do interrogatório por vídeo-conferência ou tele-conferência. Depois, pela unanimidade alcançada. Como é que um tema tão polêmico consegue essa unanimidade?
Ao ler o voto do relator, percebi que a unanimidade não foi por acaso.
Nesse caso específico, o Min. Cezar Peluso escolheu a dedo um processo para conseguir a unanimidade.
Na verdade, pelo que pude perceber, o acusado foi preso em flagrante e, antes de ser citado, já foi levado para interrogatório através da vídeo-conferência. Ou seja, ele não teve tempo de ler a acusação, nem de constituir advogado, nem de se preparar para o ato. Foi pego totalmente de surpresa. E a vídeo-conferência foi apenas a cereja do bolo. O interrogatório, aparentemente, já seria nulo independentemente de ter sido utilizada essa nova tecnologia.
Mas o certo é que o Min. Cézar Peluso, na sua fundamentação, defendeu com veemência a inconstitucionalidade da vídeo-conferência e foi seguido pelos demais ministros que participaram da votação. Os argumentos foram basicamente dois: primeiro, por ausência de lei regulamentando o procedimento da vídeo-conferência (nesse ponto, a decisão foi por unanimidade); segundo, por violar a ampla defesa (nesse ponto, o Min. Gilmar Mendes preferiu não se comprometer com a tese).
Embora a decisão não tenha sido plenária, certamente ela ainda vai dar muito o que falar, pois já sinalizou o posicionamento de membros influentes do STF.
Particularmente, não vejo qualquer inconstitucionalidade na vídeo-conferência se realizada corretamente (garantindo-se ao acusado o direito de falar reservadamente com seu defensor, garantindo-se que o acusado não está sofrendo qualquer pressão, gravando-se tudo sem interrupções etc.).
Não acredito que seja necessária uma lei específica para regulamentar o ato (o melhor é que tenha, mas não vejo isso como fundamental).
A propósito, tive a oportunidade de conhecer, em 2005, o sistema de vídeo-conferência adotado pelo Judiciário norte-americano (especificamente, o da Filadélfia). Lá, a vídeo-conferência é utilizada como regra, tratando-se de réu preso. Mesmo nos julgamentos pelo júri (que são bem freqüentes), o réu pode ser interrogado por vídeo-conferência e assiste ao julgamento do presídio. Não sei se o modelo deles é o melhor (até porque os EUA não são o melhor exemplo em respeitar os direitos humanos), mas já que a gente copia deles tudo que é "pró-réu", por que não copiar de vez em quando algo que seja melhor para a efetividade do processo penal?
E finalizando, só pra constar, aqui vai a nota da AJUFE - Associação dos Juízes Federais sobre o assunto:
NOTA
A ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL - AJUFE vem a público manifestar sua preocupação em relação à decisão proferida pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal que, no julgamento do HC nº 88.914/SP, considerou que o interrogatório realizado por videoconferência viola os princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa.
Não há ofensa aos princípios da ampla defesa e do contraditório, uma vez que o sistema de audiência por videoconferência (teleaudiência) permite o contato privativo - em linha exclusiva e criptografada - entre o acusado e seu defensor. Além disso, o defensor não fica em n enhum momento impedido de contatar o preso, no presídio, antes da audiência.
A teleaudiência - exatamente porque permite a gravação das imagens do ato processual - opera em favor e não contrariamente ao acusado, pois permite que no momento de valoração das provas, o depoimento do réu seja recuperado na sua mais ampla extensão, consubstanciando-se, por isso mesmo, em um importante instrumento para o julgamento da causa, especialmente quando o magistrado responsável pela decisão não tenha tido participação nos atos de instrução, situação essa que ocorre amiúde.
É de se notar, outrossim, que o sistema de audiência por videoconferência restringe-se aos casos de presos de maior periculosidade, cujo transporte pelas vias das cidades traz insegurança à sociedade, devido ao risco de fuga por tentativa de resgate. Além disso, é relevante lembrar o alto custo do transporte desses presos de alta periculosidade, que, não raro, são levados para presídios de segurança máxima, localizados em local afastado dos grandes centros urbanos e, em determinados casos, em outros estados, como nos de presos sujeitos à jurisdição federal.
Não é raro, ainda, que dificuldades burocráticas na disponibilização dos presos ou a falta de contingente para a escolta levem a adiamentos das audiências com réus presos, atrasando significativamente a resolução dos seus processos.
Nações democráticas da Europa já adotam o interrogatório por videoconferência sem qualquer lesão a direitos individuais dos acusados.
Por isso, é preciso mudar a mentalidade para que o Poder Judiciário possa aprimorar a prestação da jurisdicional atividade jurisdicional, compassada com os novos tempos, valendo-se dos necessários avanços tecnológicos.
A AJUFE, enfim, manifesta sua preocupação de que esse entendimento, se adotado, venha a gerar a declaração da nulidade de inúmeros processos relativos a réus presos de alta periculosidade.
Brasília, 15 de agosto de 2007.
WALTER NUNES DA SILVA JÚNIOR
Presidente da AJUFE

4 comentários:

Unknown disse...

Adorei seu Blog. Posts críticos e bem humorados. Estarei sempre visitando. Ante o exposto, deixo aqui o meu abraço.

Anthony Fortesque.
Curitiba. (lord.iceman@gmail.com)

George Marmelstein disse...

Obrigado, Anthony. É bom saber que alguém de tão longe (Curitiba - linda cidade) está acompanhando o blog.
George

Anônimo disse...

George,
Parabéns pelo blog. Está muito interessante. Siga em frente!
Abração,
Roberto Jorge Feitosa

CíceroDlima disse...

Dr. George Marmelstein, indubitavelmente, seu blog é de imensa grandiosidade, oferecendo a nós, estudiosos da ciência forente, informaçoes e pontos de vistas, que antes nao eram abordados. Relmente, inicie minhas leituras essa semana, mas já li vários artigos, comentarios e decisoes suas. Parabens! Uma excelente iniciativa, mostrando assim que juízes nao sao seres intocaveis, como tanto se dissemina por ai. Abraço! Cicero, ah vale lembrar, um leitor do Estado do Acre.