segunda-feira, 17 de março de 2008

Ainda os Tratados versus a Constituição

Essa briga entre tratado versus Constituição é meio sem sentido. Só há um exemplo que costuma ser citado, que é o caso da prisão civil do depositário infiel. E esse exemplo não é muito útil, pois, mesmo que se considere que o Pacto de San Jose é lei ordinária, ele teria a força de revogar a legislação infraconstitucional anterior e, por isso, independentemente da força normativa dos tratados, a prisão civil do depositário infiel poderia ser afastada.

Pois bem. Com muito esforço, consegui bolar outro exemplo, também não muito útil, conforme se verá. Mesmo assim, como exercício de lógica, é interessante.

A CF/88 autoriza a pena de morte em caso de guerra sem estabelecer qualquer restrição subjetiva. Em tese, qualquer pessoa, desde que cometa, durante uma guerra declarada pelo Presidente da República, um crime punido com a pena de morte, pode ser condenado à pena capital, por fuzilamento, conforme prevê o Código Penal Militar.

O Pacto de San Jose da Costa Rica, por sua vez, estabelece que “não se deve impor a pena de morte a pessoa que, no momento da perpetração do delito, for menor de dezoito anos, ou maior de setenta, nem aplicá-la a mulher em estado de gravidez” (art. 4º, §5º).

Digamos que o Brasil entrou numa guerra, e um senhor de 71 anos de idade pratique um crime de traição à pátria e seja condenado à morte. Essa pena é válida? O Pacto não proíbe?

O que vocês acham?


6 comentários:

Rafxel disse...

É interessante, com certeza satisfará quem concorda na supraconstuticionalidade dos tratados sobre direitos humanos.

Eu, por outro lado, custo a aceitar. Acredito que no atual estado das coisas o instrumento jurídico mais apto a resguardar direitos é a constituição e não os tratados, por mais benéficos que estes últimos sejam a sua condição de validade dentro de um determinado Estado deve ser a primeira.

Sob esse aspecto, direitos fundamentais previstos em tratados, mesmo considerada sua recepção como emenda constitucional, não fogem ao princípio da proporcionalidade, devendo se ajustar aos demais preceitos constitucionais.

Julgo, quanto ao exemplo, que a possibilidade de morte de um traidor da pátria em uma guerra é um direito fundamental da coletividade, que não pode ver sua segurança posta em risco pela sobrevivência de tal indivíduo.

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Acho, George, que a questão por você imaginada se resolve com o uso do critério da especialidade.
A menos que a lei brasileira diga expressamente que a aplicação da pena "independe da idade, do fato de estar grávida etc.", o tratado prevalece - ainda que de igual hierarquia à lei ordinária - por ser norma mais específica.
Agora, mesmo que assim não fosse, ou mesmo que a lei brasileira dissesse de forma expressa ser aplicável a pena aos maiores de 70, ou às grávidas, entendo que o tratado deveria prevalecer.
Primeiro, pelo que dispõe o art. 5., parágrafo segundo.
Segundo, pelo fato de ter hierarquia superior à de toda a legislação infraconstitucional.
A tese "dualista" segundo a qual existiriam duas "ordens jurídicas" separadas, a interna e a internacional, tendo o tratado de ser "transportado" por um decreto legislativo para a ordem interna é equivocada. Do contrário, o art. 105, III, "a" da CF faria remissão às decisões que contrariassem decretos legislativos... O art. 5 faria remissão a decretos legislativos...

carloseufrasio disse...

Caro Prof. George
Gostaria, inicialmente, de parabenizar-lhe pela iniciativa deste blog, que constitui um grande diferencial a todos que buscam compreender o Direito como instrumento de luta. Sou professor do Curso de Direito da UNIFOR e da P�s gradua�o em Direito Ambietnal da UECE, atuando ainda como consultor jur�dico ambiental. Os temas por voc� permita-me cham�-lo assim, s�o deveras relevantes, mormente em um Estado como o nosso em que os direitos fundamentais permanecem ainda no mundo do DEVER SER. Encontrar profissionais com seu perfil, abra�ando ainda o magist�rio, � motivo de alegria a todos que sonham por uma sociedade mais justa e solid�ria. PARAB�NS... E AGUARDAMOS A PUBLICA��O DE SUA OBRA COM ANSIEDADE...Fa�o minhas as palavras do grande mestre:�� FUGAZ A VIDA QUE P�E SUA ESPERAN�A
NO TERMO DA PR�PRIA EXIST�NCIA
E BALIZA SEU PROJETO HUMANO NOS MUROS DE SUA CASA.
� ETERNA A VIDA DE QUEM � CAPAZ DE SE INSERIR
NA HIST�RIA HUMANA, NA CAMINHADA DO POVO,
NA LUTA PELA SUA LIBERTA��O.
EM TERMOS INDIVIDUAIS, UMA OP��O DEVE SER FEITA!�


(Jo�o Batista Herkenhoff)

Parab�ns pelo trabalho realizado.
AVANTE.
PAZ E BEM
Prof. Carlos Eufrasio
eufrasio@unifor.br

Rafxel disse...

Como antevisto, satisfaz quem defende a supraconstitucionalidade.

O problema em ver uma ordem jurídica única é que a realidade constantemente a rejeita e demonstra que a muito custo o que existe são os rudimentos de uma "comunidade internacional", esta que apesar de possuir regras de conduta não possui efetivamente uma ordem jurídica.

Ordem jurídica única é um potencial, um anseio, atualmente é inexistente e não há de se esperar dessa virtualidade o que não se consegue da concretude da ordem jurídica interna.

George Marmelstein disse...

Essa questão é facilmente resolvida sem precisar invocar a natureza "supralegal" ou mesmo constitucional dos tratados.

E é aí onde quero chegar. Essa discussão é inútil. Se o tratado tivesse a força de lei ordinária, já seria grande coisa. Até então, o Pacto de San Jose não valia nem isso, pois não tinha a força de revogar as leis ordinárias que previam a prisão civil do depositário infiel.

A questão da pena de morte é muito mais simples. A CF/88 não obriga o legislador a punir os crimes cometidos em tempo de guerra com a pena de morte. Apenas faculta. Se o legislador quiser, pode, através de lei ordinária, revogar todas as hipóteses de pena de morte previstas no Código Penal Militar.

Aliás, penso até que o CPM não foi recepcionado pela CF/88, pois não prevê a individualização da pena. Para a maioria dos crimes praticados em tempo de guerra a pena é uma só: a morte. Como individualizar essa pena? Mas isso é outra história.

O que quero dizer é que, muitas vezes, até mesmo a lei ordinária pode valer mais do que a Constituição. Basta que ela seja mais favorável à dignidade da pessoa humana.

Rafxel disse...

Reduzida a questão à sucessão das leis no tempo e admitida a modificação por lei penal posterior (que deverá observar os limites da constituição e não do tratado), sou obrigado a concordar com o último comentário.