terça-feira, 18 de setembro de 2007

Dá pra entender?

Há algumas coisas que simplesmente eu não consigo entender. Direito de fugir? Que história é essa?
Veja a matéria abaixo, extraída do Consultor Jurídico, e tire a as suas próprias conclusões:
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Direito natural
Marco Aurélio defende direito de acusado fugir
por Maria Fernanda Erdelyi
Sem sentença condenatória, o acusado tem o direito de fugir para não sofrer censura precipitada. A opinião é do ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal. Ele comentava nesta segunda-feira (17/9) a recente prisão do ex-banqueiro Salvatore Cacciola. Marco Aurélio concedeu o Habeas Corpus que suspendeu a prisão preventiva do ex-banqueiro em 2000. Alguns dias depois de conseguir o Habeas Corpus, Cacciola fugiu.
“Enquanto a culpa não está formada, mediante um título do qual não caiba mais recurso, o acusado tem o direito — que eu aponto como natural — que é o direito de fugir para evitar uma glosa que seria precipitada”, disse o ministro. Para Marco Aurélio, o risco de fuga não é suficiente para manter uma prisão. “É preciso um dado concreto quanto à periculosidade, quanto à tentativa de influenciar para obstaculizar a aplicação da lei penal, mas sempre com um dado concreto”, argumentou.
Marco Aurélio ressaltou que na ocasião em que concedeu o Habeas Corpus para Cacciola, ele ainda era um acusado. O ministro garante que teria tomado a mesma decisão ainda que já houvesse sentença condenatória pendente de recurso. "O que temos que considerar é que a liminar foi deferida quando ele era um simples acusado, não havendo ainda a sentença condenatória. Mas eu mesmo sustento que a sentença condenatória ainda sujeita a reforma não enseja a execução da pena, a prisão", disse.
Depois de sete anos foragido, Salvatore Cacciola foi preso em Mônaco na manhã de sábado (15/9). Em 2005, ele foi condenado a 13 anos de prisão por desvio de dinheiro público e gestão fraudulenta, sob a acusação de ter se beneficiado de informações sigilosas sobre a desvalorização do real em relação ao dólar, em 1999, quando era dono do Banco Marka. Segundo a acusação, o golpe gerou um prejuízo de U$ 1,5 bilhão aos cofres públicos.
Para a Justiça de Mônaco, ele deve ser mantido preso até que as autoridades do Brasil e do principado cheguem a um acordo sobre a possível extradição. Os dois países não têm acordo formal nessa área, mas podem criar um acordo específico para este caso. As autoridades do Brasil precisam informar a Justiça de Mônaco dos crimes cometidos pelo ex-banqueiro, além de convencê-la da culpa e pena que Cacciola deve cumprir.
"Não temos tratado com Mônaco mas há um instituto que supre a inexistência do tratado que é a reciprocidade, a promessa de reciprocidade. Se o Brasil prometer a Mônaco extraditar alguém que Mônaco tem interesse na persecução criminal, considerado o processo em andamento em Mônaco evidentemente, a tendência é ter-se o deferimento da extradição", explicou o ministro Marco Aurélio.
Histórico
O ex-dono do Banco Marka foi envolvido em um escândalo em janeiro de 1999, quando o real sofreu uma maxidesvalorização em relação ao dólar: o Banco Central elevou o teto da cotação do dólar de R$ 1,22 para R$ 1,32.
Com muitas dívidas assumidas em dólar, Cacciola teria pedido ajuda ao então presidente do BC, Francisco Lopes, que vendeu dólares por um preço mais barato do que o do mercado. A operação resultou num prejuízo de R$ 1,5 bilhão aos cofres públicos. Na época do episódio, Francisco Lopes alegou que o dinheiro foi emprestado ao Marka e ao FonteCindam para evitar uma crise que abalaria todo o sistema financeiro nacional.
Em outubro de 2001, a Justiça determinou a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico e a indisponibilidade de bens de alguns dos envolvidos no caso: Salvatore Cacciola, Francisco Lopes, ex-diretores de BC Cláudio Mauch e Demósthenes Madureira de Pinho Neto e a diretora de Fiscalização do BC, Tereza Grossi. Na mesma ocasião, Teresa foi afastada do cargo.
Em 2005, a juíza Ana Paula Vieira de Carvalho, da 6ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, condenou Francisco Lopes a dez anos de prisão por peculato, crime em que um funcionário público usa o cargo para apropriar-se de dinheiro ou beneficiar outros ilegalmente. Na mesma sentença, foram condenados a ex-diretora do BC, Tereza Grossi e Cacciola.
Revista Consultor Jurídico, 17 de setembro de 2007
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Um breve comentário: daqui a pouco, o juiz será obrigado a colocar na sentença condenatória os seguintes dizeres: "meu bom acusado, você foi condenado a 30 anos de prisão em regime fechado, mas tem o direito de responder em liberdade. Caso não tenha dinheiro para a fuga, o Estado providenciará uma assistência gratuita para que você possa sair do país com tranqüilidade..."

4 comentários:

Anônimo disse...

Prezado Dr. George, parabenizo o senhor pelo blog, eu era um assíduo frequentador do outro sítio, e este blog veio para satisfazer os orfãos do outro site, categoria que eu naturalmente me incluo.

Quanto a matéria, é notório que a sociedade brasileira precisa debater e melhor discutir esse dogma da "presunção de não culpabilidade", possivelmente os argumentos do Prof. Dr. Alenssandro Barata sobre a negação do princípio da culpabilidade necessite de maiores reflexões, me refiro a passagem do livro "criminologia crítica e crítica do direito penal".

Pois, partindo da premissa de que não existe o princípio da culpabilidade, não existe por conseguinte "presunção de não culpabilidade" S.M.J.!

O Min. Marco Aurélio é bastante criticado pelas posições, muitas vezes polêmicas, que esposa, mas em um (princípio do)colegiado, que é um princípio decorrente do "princípio do Juiz Natural", muitas vezes as posições que antes eram minoritárias e aparentemente contraditórias acabam se tornando o posicionamente dominante.

Dr. George, o que o senhor acha de incluir o caso do HC do Min. Marco Aurélio no seu livro de Direitos Fundamentais? não sei qual será a sistemática adotada para o estudo dos casos, mais o método proposto pelo LandMarkCases (http://www.landmarkcases.org/casestudy.html) me parece interessante, e acho que esse caso específico não é (e não será) tão fácil de se resolver, utilizando o método aciam, ou até mesmo a metódica estruturante apresentada pelo Prof. Canotilho em seu livro Teoria da Constituição e Direito Constitucional.

ATT.

Thiago. Acadêmico do 9º Sem. de Direito do Uniceub (Brasília)

Anônimo disse...

Caro Dr. George,

Não me impressiona a existência de um "direito natural" de fuga do acusado. Isso, aliás, parece consentâneo com o nosso direito constitucional, podendo ser uma espécie de exercício do direito de amplarmente se defender (desesperado, mas não completamente estranho ao instinto do homem), o senhor não acha?
O que não me parece aceitável é o Estado, que tem o dever de punir o criminoso, incentivar tal conduta ou contribuir diretamente para o exercício desse suposto direito natural, concedendo liberdade provisória em deciões que parecem sair do "país das maravilhas", como reiteradamente fazem questão de nos brindar os queridos ministros do STF.
Melhor seria seguir a regra alemã, lembrada pelo seu colega André Lenart, abandonando um pouco da impregnada cultura penalista garantista.
Um abraço e mais uma vez parabéns pelo excelente conteúdo jurídico do seu blog.

Edmilson Júnior - Roraima, por incrível que pareça, Brasil.

George Marmelstein disse...

Edmilson,
que exista um desejo de liberdade, instinto de fuga, vontade de não ser encarcerado, isso até que compreendo.
Mas daí a existir um direito (ainda que natural) de fugir é uma longa distância.
Senão, teríamos que admitir que um pedófilo tem o direito "natural" de molestar crianças ou então que um serial killer tem o direito de matar suas vítimas.
Direito, na minha visão, pressupõe uma proteção estatal (havendo lesão a direito, cabe a intervenção judicial).
Portanto, não considero que existe um direito de fugir, especialmente neste caso do Cacciola. O Min. Marco Aurélio claramente disse que, mesmo sabendo que o acusado iria fugir, concederia novamente o habeas corpus. Aí é de lascar...

Anônimo disse...

É como eu disse: algumas vezes, parece que os ministros do STF vivem em outro mundo. Estou vendo a hora eles mandarem soltar Fernandinho Beira Mar, Elias Maluco etc, sob o argumento da presunção de não-culpabilidade. Não quero polemizar quanto ao "direito natural" de fuga, mas acho que os exemplos de V. Exa. foram um pouco radicais.
No mérito da questão, todavia, concordo plenamente com suas opiniões, que, diga-se de passagem, são sempre muito bem fundamentadas, sou uma espécie de fã seu, pois gosto muito de ler o que você escreve. Estou lendo sua monografia sobre direitos fundamentais (diálogo constitucional entre o Brasil e a Alemanha) e estou gostando muito. Na época desse curso de especialização, eu era Diretor de Secretaria do Juiz Federal Grigório Carlos dos Santos, em Sete Lagoas/MG, e ajudei um pouco para a monografia dele, fazendo algumas anotações sobre o princípio da perpetuatio jurisdicionis nos juizados especiais federais.
Muito obrigado pela atenção e continue fornecendo as importantes informações jurídicas em seu blog.
Um abraço.