segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Ratinho e Liberdade de Expressão

Veja, logo abaixo, uma interessante notícia extraída do site do STJ. A questão é polêmica e lembra um pouco o caso do "lançamento de anão".
No fundo, concordo com a decisão, embora exista nela o risco da "ladeira escorregadia" (slippery slope). Ou seja, ela é boa se vista isoladamente, mas pode desencadear uma série de argumentos perigosos, capazes de, quem sabe, fazer ressurgir teses em favor da censura em outras áreas. E isso não é bom.
Por isso, ela deve ser analisada com os olhos pró-dignidade da pessoa humana. Ele se justifica na medida em que tentou concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana que é um valor acima de qualquer outro, até mesmo da liberdade de expressão. E certamente ela colocará em xeque outros programas do gênero (Pânico na TV, entre outros).

Pádua Ribeiro mantém decisão que proibiu Ratinho de exibir cenas que atentam contra a dignidade humana
Por entender que, ao contrário do alegado pelo apresentador Carlos Roberto Massa, o “Ratinho”, não ocorreu, no caso, qualquer ato de censura, mas sim atendimento ao princípio da dignidade da pessoa humana, o ministro Antônio de Pádua Ribeiro, da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), negou a subida do recurso especial com o qual o apresentador pretendia reverter decisão da Justiça paulista. A medida proibiu Ratinho de exibir cenas de confrontos físicos e exibição de deficiências físicas como atrações do seu programa, com propósito sensacionalista. A pedido do Ministério Público Federal, a Justiça de São Paulo proibiu o programa do apresentador de exibir e expor cenas de confronto físico e de discussão entre as pessoas que ali se apresentam, bem como de exibir pessoas portadoras de deficiência ou de deformidade física, toda vez que essa deficiência represente a própria atração do quadro. Tanto a sentença do juiz estadual quanto o acórdão da Oitava Câmara de Direito Privado do TJ/SP, que manteve a decisão de primeiro grau, rejeitaram o pedido de danos morais de R$ 35 mil que o Ministério Público pretendia aplicar, em conjunto, ao apresentador e ao Canal de TV SBT. Daí o recurso especial do apresentador para o STJ, alegando que não possui e nunca possuiu qualquer tipo de ingerência na produção dos programas que apresenta, já que o faz na condição de simples funcionário do SBT. Argumentou ainda que o Ministério Público estaria, por vias transversas, tentando uma forma oblíqua de censura, formalmente proibida pela Constituição Federal. Como o recurso acabou indeferido na origem, “Ratinho” ingressou com agravo regimental, para tentar fazer subir ao exame do STJ sua inconformidade com a decisão. Mas, ao rejeitar o agravo, o ministro Antônio de Pádua Ribeiro argumentou que na decisão não existe nenhum vício a ser sanado nem mesmo omissão, contradição ou obscuridade, como afirmou o apresentador, tendo em vista que o Tribunal paulista se manifestou acerca de todas as questões relevantes que importavam para a solução da questão. Para o relator, a controvérsia inteira está reduzida ao reexame do conjunto de provas juntado no processo, sendo que todas elas já foram devidamente apreciadas por ocasião do julgamento do tema, não sendo viável a interposição do especial para análise de matéria fática, em face do que dispõe a Súmula 7 do STJ.

3 comentários:

Anônimo disse...

Dr. George,

Na verdade, não por questões jurídicas, mas por razões sociais, o programa do Ratinho poderia ter grande parte de seu conteúdo (se não todo!) impedido de ser veiculado, pelo menos no horário em que exibido. Isso não causaria nenhum prejuízo à população brasileira.
No caso comentado por V. Exa. vejo um exagero do direito de liberdade de imprensa ou de expressão, ato ofensivo à sociedade e, sem dúvida, à dignidade da pesssoa humana. Por isso, também concordo plenamente com a decisão, inclusive sem o medo revelado de eventual risco da "ladeira escorregadia", pois situações dessa natureza, a meu sentir, são injurídicas, merecendo o controle jurisdicional corajoso feito pelo STJ.
Não é demais lembrar que a imprensa brasileira, de papel importantíssimo para a consolidação da democracia no país, costumeiramente ofende diversos direitos fundamentais das pessoas, sobretudo quando consegue, de maneira discutível, trechos de conversas obtidas por meio de interceptações telefônicas, divulgados com após a famosa "edição", muitas vezes antes de que a autoridade responsável pela quebra do sigilo tenha acesso às conversas. Tal conduta, como é consabido, causa inúmeros prejuízos ao investigado e à própria investigação.
Portanto, no que toca à imprescindível imprensa, penso que também deve valer o entendimento de que não existe direito fundamental absoluto, devendo os excessos por ela cometidos serem devidamente restringidos por quem de direito, no caso o Poder Judiciário.

Edmilson Júnior

Anônimo disse...

Edmilson,
realmente, não há dúvida de que a liberdade de expressão pode ser limitada. O problema é definir que limites são esses.
No caso "Ratinho", a lógica utilizada pelo STJ foi a seguinte: premissa 1: a liberdade de expressão pode ser limitada quando coloca em risco outros valores constitucionais; premissa 2: a dignidade da pessoa humana é um valor constitucional; conclusão: logo, a liberdade de expressão pode ser limitada para proteger a dignidade humana.
Agora, vamos à "ladeira escorregadia": premissa 1: a liberdade de expressão pode ser limitada quando se choca com outros valores constitucionais; premissa 2: a estabilidade política é um valor constitucional de suma importância para a democracia; conclusão: logo, a liberdade de expressão pode ser limitada para garantir a estabilidade política.
Percebeu o perigo dessa lógica?
Ela pode levar a argumentos pró-censura política.
Por isso, a decisão no caso "Ratinho" é sim perigosa, embora correta.
Ela é correta, pois protegeu o valor maior, que é a dignidade da pessoa humana. Mas não deve servir, em princípio, para justificar a limitação da liberdade de expressão em outras situações. É o que penso.
Nesse ponto, sou meio influenciado pelos norte-americanos. Acho que a liberdade de expressão é um valor fundamental que deve ser limitado em casos extremos.

George Marmelstein

Anônimo disse...

Perfeito. O caso "Ratinho" é um caso extremo, a justificar, como feito no caso, a limitação dessa liberdade.
Perfeita também a sua explicação e a sua compreensão da questão. O perigo está justamente no uso indevido da lógica utilizada no caso específico, sob o enfoque de proteção dos valores constitucionais em jogo, colocando em risco o próprio regime democrático.
Realmente, é preciso atenção com esse tipo de situação.
Mais uma vez obrigado pelas lições.

Edmilson