sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Traz o saco!


Conforme a notícia abaixo, o Presidente Bush defendeu abertamente a utilização, em caso de terrorismo, da técnica de interrogatório chamada "waterboarding", que consiste basicamente em pendurar o prisioneiro de cabeça para baixo e descê-lo até o pescoço em um recipciente com água, causando a sensação de sufocamento. O argumento é que não se trata de tortura, mas uma simples técnica de obtenção da verdade utilizado no intuito de salvar vidas humanas.



Por incrível que pareça, não se trata de um posicionamento isolado.



A Alta Corte de Justiça de Israel já decidiu algo parecido: não constitui tortura a colocação de sacos na cabeça durante o interrogatório de presos acusados de terrorismo, a submissão a sons elevados, a privação de sono, comida e bebida e outros procedimentos igualmente cruéis. Sobre isso, clique aqui.




A Corte Européia de Direitos Humanos (CEDH) também julgou no mesmo sentido, considerando válidas algumas técnicas bastante rígidas utilizadas pela polícia britânica para interrogar pessoas suspeitas de envolvimento com o IRA. A CEDH afirmou que não são todos os tipos de maus-tratos que violam a proibição de tortura, mas apenas aqueles que atingem certo nível de gravidade e de sofrimento infligido, de modo que as técnicas de interrogatório como as descritas acima não poderiam ser consideradas como tortura. Veja aqui.




Por enquanto, não quero entrar na discussão sobre se a proibição de tortura é uma regra ou um princípio, ou seja, se pode ou não ser ponderada.




O certo é que, nos casos acima, foi feita uma clara ponderação (relativização), onde a tortura foi aceita em caso de terrorismo, especialmente quando os torturados teriam ciência do planejamento de ataques a serem implementados em um futuro próximo. Os juízes quiseram camuflar a decisão dizendo que aquilo não era tortura, mas não dá para concordar com isso. É claro que fazer um ser humano sofrer para obter informações é tortura.




O conceito de “tortura” adotado pela Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes é o seguinte:




“o termo ‘tortura’ designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimento são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos conseqüência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram” (artigo 1º)

No artigo 2, a mesma Convenção é bem clara: “em nenhum caso poderão invocar-se circunstâncias excepcionais tais como ameaça ou estado de guerra, instabilidade política interna ou qualquer outra emergência como justificação para tortura” (art. 2º).


Logo, o que houve, nos casos acima, foi uma clara ponderação de valores, onde a vedação de tortura cedeu em favor da salvação de vidas humanas ameaçadas por ataques terroristas. Do contrário, caso se entenda que essas técnicas odiosas de interrogatório não são tortura, então vale para qualquer situação e não apenas em caso de terrorismo, o que é um flagrante absurdo.

Seria muito mais simples - e menos perigoso - dizer que, em situações bastante peculiares e extremamente excepcionais em que a tortura fosse a única solução possível para salvar concretamente vidas humanas, seria possível cogitar em relativizar essa garantia, embora, particularmente, não tenho simpatias, de plano, por essa idéia.



Na verdade, não concordo com as soluções acima, embora reconheça que o discurso anti-terror seduz, especialmente para aqueles que sentiram na pele os malefícios de um ataque terrorista, tal como os norte-americanos (em relação à Al Khaeda), os ingleses (em relação ao IRA) e os israelenses (em relação ao Hezbollah).


O problema é que a proibição de tortura protege um valor tão importante que qualquer argumento em favor da sua relativização seria complicado e poderia levar ao problema da “ladeira escorregadia” (“slippery slope”), ou seja, poderia desencadear uma série de conseqüências perigosas capazes de, no final das contas, justificar a prática da tortura até em situações banais, até porque quem executaria a tortura seria um ser humano e não um santo. Ou seja, quem defende a tortura parte do princípio de que ela será aplicada por seres humanos escrupulosos, com bom senso, que conhecem seus limites e possuem um alto grau de senso de humanidade circulando em suas veias. Na prática, porém, o que se observa é que quem aplica a tortura já foi mordido pela mosca da "banalidade do mal" e faz aquele trabalho com um prazer mórbido totalmente alheio à dignidade humana.



Por isso, sem me comprometer intelectualmente com a tese, entendo que a proibição de tortura é uma regra (imponderável) até prova em contrário. Se alguém conseguir fornecer um exemplo em que a tortura seria justificável, posso até mudar meu ponto de vista. Mas por enquanto prefiro a solução mais cômoda: não existe justificativa para a tortura.


Eis a matéria que justificou meus comentários acima:

Bush justifica uso de técnica de interrogatório com suspeitos terroristas:Londres, 15 fev (EFE).-

O presidente dos EstadosUnidos, George W. Bush, se referiu aos atentados deLondres de 7 de julho de 2005 para justificar umatécnica de interrogatório de suspeitos terroristas,conhecida como "waterboarding" (afogamentosimulado),em entrevista concedida à "BBC".Bush disse que a informação obtida de supostosterroristas ajudou a salvar vidas e considerou que osfamiliares das vítimas daqueles ataques o entenderão.O método, que causou grande polêmica já que é vistocomo uma forma de tortura, consiste em pendurar oprisioneiro de cabeça para baixo e descê-lo até opescoço em um recipiente com água, causando a sensaçãode sufocamento.No entanto, o presidente americano disse na entrevistaexibida na madrugada de hoje na "BBC World NewsAmerica", que o "waterboarding" não é tortura eameaçou vetar o projeto do Congresso que o proibiria.Acrescentou que seu país atua em virtude da lei parainterrogar e obter informação que permita proteger osEUA e outros países."Os EUA atuarão dentro da lei. Asseguraremo-nos de queos profissionais têm os instrumentos necessários parafazer seu trabalho dentro da lei", afirmou Bush."Alguns dirão que estes terroristas já não são umameaça real contra os EUA. Eu não estou absolutamentede acordo", disse Bush.Nos atentados de 7 de julho de 2005 contra três trensdo metrô de Londres e um ônibus urbano, 56 pessoasmorreram - quatro delas terroristas suicidas - e cercade 700 ficaram feridas.Por outro lado, Bush disse que pretende assistir aosJogos Olímpicos de Pequim, em agosto, e admitiu quemantém contatos regulares com o presidente da China,Hu Jintao, para pedi-lo que faça um esforço maior emrelação à tragédia humanitária de Darfur, no Sudão."Vejo os Jogos Olímpicos como um evento esportivo",esclareceu o presidente.Nos últimos dias, o cineasta Steven Spielberg, váriosganhadores do prêmio Nobel da Paz, atores, esportistase parlamentares criticaram a China por sua política deapoio ao Governo do Sudão.

25 comentários:

Anônimo disse...

Li um livro que expunha um caso bem polêmico:

Um general conseguiu prender um terrorista e já se sabe que ele implantou uma bomba em algum ponto bastante movimentado da cidade, mas n se sabe qual. O general fica então num dilema: torturar o general e salvar centenas de vidas ou não torutrá-lo e condenar várias pessoas à morte. Se ele optasse pela segunda opção n estaria "lavando as mãos" para a situação? Não agindo para não sujar suas proprias mãos?
Práticas de tortura n deveriam ser simplesmente permitidas ou camufladas com outros nomes como ocorreu no caso Bush, mas tb não podemos excluir completamente a possibilidade de tortura em alguns casos simplesmente pq é mais fácil. Deveria haver um sério debate, estudo, ou sei lá o que, que prevesse as situações em que ele pudesse ser utilizada e tb um rigido controle para que essas situações n se banalizassem
=)

E então? Será que a tortura deve ser aceita nesses casos? Realmente, torturar em um caso "justo" abre precedentes para barbaridades, porém, considerando o outro lado, essa omissão não gera culpa pro Estado?

Unknown disse...

Caro Dr. George,

Gostaria de saber por qual editora o seu livro será editado e se já há previsão para chegada do mesmo as livrarias.
Obrigado,

Hélio Morais

Anônimo disse...

Isso é direito penal do inimigo, e não deve subsistir sob nenhuma justificativa.

Anônimo disse...

Eh o que os pos-positvistas tem que ajudar a resolver! Nao parar a pesquisa, como os autores dos manuelecos, com a diferenca imbecil entre normas-regras e normas-principios. Por que nao avancar um pouco mais e informar-nos sobre os criterios para a solucao dos conflitos entre regras e principios.

Pensando bem, melhor eh pararem onde estao! Se se conplicam ateh na distincao entre as aclamadas especies de normas: regras e principios; quanto mais num conflito entre essas.

Repito: Os pos-positivistas anunciam apenas o problema, criticam os metodos classicos de solucao de conflitos, afirmando que sao imprestaveis para a solucao dos problemas juridicos na nova era dos principios; no entanto, nao oferecem metodo novo.

Como podemos venerar uma corrente que soh se presta a criticar seus antecessores? Que tragam algo de produtivo, senao vamos ficar sempre com a mesma conversa mole:

O caso eh dos mais complicados, no entanto o juiz, atento aos principios da dignidade humana, havera de ponderar num caso concreto... Se o problema tem que ser resolvido na pratica, entao, pra que teorizaR?
ONDE JAH SE VIU uma Teoria que admite ser a pratica sua verdadeira teoria? Tem-se aih uma baita contradicao! Agindo assim, os pos-positivistas mostram-se tao uteis como os "enxugadores de gelo". No final do servico, enquanto o gelo ainda continua a derreter, os pos-positivistas nao chegaram a nenhuma conclusao. Mas a linguica, essa sim ja foi enchida a contento!

A par das diferencas sutis entre os adeptos de tal movimento "revolucionario", EH bem facil reconhece-los:
O final de seus textos muito se parece com os textos de meninos do primario. Esperancosos que sao, nunca falta uma alfinetada nos novos juristas para que se atentem ao novo tempo dos "principios". O direito nao eh somente a norma... afirmam. Suas conclusoes sao tao evasivas quanto as de qualquer leigo que se aventure nos problemas que apresentam: EH... complicado eim?

EH SOH LER o fim do presente texto. A qual conclusao chegou seu autor apos uma clara tomada de posicao contra a tortura?

Nenhuma, a nao ser da necessidade de que a tortura nao seja relativizada...Forcar o principio virar regra. Algo nao ponderavel, como queira. De seus nobres valores, vem sua conclusao. Agora basta rechear num bom texto uma meia duzia de filosofos e historiadores para forcar o leitor a acreditar que essa eh uma otima posicao, mas o juiz, nas especificidades do caso concreto...

Em perspectiva oposta, o positivista quer apenas conhecer a realidade: a norma. Apresentando um juizo de fato com a finalidade unica de informar sua constatacao. Diferentes dos pos-positivistas que exercem juizo de valor, com uma clara tomada de posicao frente a realidade, visto que sua formulacao possui a finalidade nao de informar, mas de influir sobre o outro, isto eh, de fazer com que o outro realize uma escolha igual a sua e, eventualmente, siga certas prescricoes...( Bobbio)

Por obvio, os pos-positivistas nao se reunem em uma escondida sala e afirmam: Vamos dominar todos os operadores do direito com nossas novas ideias. Nao! O conflito entre dominantes e dominados nao existe, nao da forma simplista como pregam: como partes num litisconsorcio necessario, ativo e passivo. Ha sim, ao reves, varios dominadores e dominados, de forma que aquele que exerce poder sobre outrem, simultaneamente, tem sua conduta prescrita por outrem, de um escalao superior, que obedece cordeiramente. Assim, O poder nao mais eh exercido de cima a baixo, como em outros tempos. Eh exercido , inclusive, com a colaboracao dos dominadores-dominados.
Assim, temos 3 especies de homens:
1- Os dominadores. Nao usam coroa, nao precisam evidenciar a todo tempo que realmente sao eles que mandam em todos. Nem de cadeira precisam, pois exercem o poder fora da instituicao, a qual, no entanto, eh formada com base em suas propria s ideias.
2- Os dominados. Esses nao pensam, vivem para comer. Dominar, ser dominado, pouco importa! Como passa m o dia com vontade de comer, isso eh o bastante para sufocar qualquer necessidade que nao seja a fisiologica.
3-Dominados-dominadores: Essa classe eh a maioria. Nessa estao incluidos juizes, estudantes de direito, parlamentares; salvo os donos do dinheiro -dominadores- e os estritamente dominados - descamisados.
Que o descamisado suporte ser dominado por um prato de comida eh bem aceitavel. Mas por que razao os dominados-dominadores aceitam a submissao tao cordeiramente?
Porque pensam, resignadamente, no dia em que aumentarao sua parcela de poder. Para tanto, eh preciso acatar, como o melhor empregado, as ordens do patrao das ideias, que, em verdade, nem manda tanto assim.

Joao Paulo

Anônimo disse...

Peco lincenca para disponibilizar o video, em que, segundo um leitor do blog, o jornalista Jorge Kajuru teria cometido uma grave ofensa aos direitos fundamentais. Pra mim, houve absolutamente o contrario:

http://br.youtube.com/watch?v=NhB_9kOFoSY&feature=related

Rinaldson

Anônimo disse...

Prof. George,

O Sr. poderia tirar-me uma dúvida que tenho: "´positivista" não é diferente de "legalista"? O primeiro é uma atitude científica; o segundo, um apelo exacerbado à lei na aplicaç~çao do direito. Por que o blog usa positivista para querer significar legalista?

Obrigado.

Anônimo disse...

Prof. George,

O Sr. poderia tirar-me uma dúvida que tenho: "´positivista" não é diferente de "legalista"? O primeiro é uma atitude científica; o segundo, um apelo exacerbado à lei na aplicaç~çao do direito. Por que o blog usa positivista para querer significar legalista?

Obrigado.

George Marmelstein disse...

Prezado,
em que texto do blog você viu a palavra "positivista" sendo utilizada como sinônimo de legalista. Confesso que não encontrei.
Caso eu tenha utilizado, foi uma falha minha, pois realmente o positivismo não é um mero legalismo, embora o legalismo seja uma forma exarcebada de positivismo.

George

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Caro George,

A questão, acho, não é saber se a proibição de tortura "está positivada como" regra ou princípio. Isso porque texto e norma não se confundem, sendo esta o sentido daquele, só obtido - isso é óbvio - no caso concreto. Um conjunto de símbolos não tem sendido "em si mesmo", mas o sentido que um ser racional que o lê lhe atribui.
Então, todo texto pode, a depender do caso, justificar a (re)construção, pelo intérprete, de uma regra ou de um princípio.
A questão, no caso da tortura, na qual concordo inteiramente com você, é a de que NUNCA será adequado, necessário e proporcional realizar a tortura.

Duas pessoas tratam desse assunto muitíssimo bem.
Uma é ELIO GASPARI, no "A Ditadura Escancarada" (o segundo livro da série sobre o golpe de 1964, de cor vermelha). A outra é RONALD DWORKIN, no "Is Democracy Possible Here?".
Ambos dizem uma verdade:
As pessoas que fazem esse tipo de "teorização" partem de premissa falsa, mas que é curiosamente aceita, sem contestação, pela maior parte de seus opositores: "suponhamos que existe uma bomba e a autoridade 'já sabe' que existe e 'já sabe' que o 'terrorista' fulano 'sabe' onde ela está e como desarmá-la..."
Quantas suposições, não? Mesmo que a tortura fosse aceitável nesse caso - não é - uma situção assim seriade impossível verificação prática.
Quem disse que tem mesmo uma bomba?
Quem disse que o torturado sabe onde está?
Como saber se a autoridade sabe mesmo disso?

Ah...

E mais. A partir daí, GASPARI e DWORKIN usam argumentos diferentes.

GASPARI afirma que os torturadores dificilmente assumem a responsabilidade pelos seus atos. Ninguém assume que torturou. No caso de um avião cheio de criancinhas com uma bomba que só o terrorista a ser torturado sabe onde está, e como desarmar,o pai de qualquer dessas criancinhas torturaria o tal cara ASSUMINDO AS CONSEQUENCIAS DISSO, o que policial ou autoridade alguma assume.

E,em seguida, as ponderações de DWORKIN, a meu ver ainda mais decisivas:

"Bush's attorney general, Alberto Gonzales, argued in his confirmation hearings that coercitive interrogation, wich may include various levels of torture, is a particularly effective means of discovering the information we need to save American's lives. That claim is controversial: many experts on interrogation believe that information obtained through torture is almost always useless.
But we must nevertheless ask whether torture will violate human rights even if Gonzales is right. Yes, it would, because torture's object is precisely not just to damage but to destroy a human being's power to decide for himself what his loyalty and convictions permit him to do. Offering inducements such as a reduced sentence to an accused criminal in exchange for information, however objectionable this might seem on other grounds, leaves a prisoner's ability to weight costs and consequences intact. Torture is designed to extinguish that power, to reduce its victim to a screaming animal for whom decision is no longer possible - the most profound insult to his humanity, the most profound outrage of his human rights." (pp. 38 e 39)


Uma situação assim é de

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Continuando...

O livro que referi,George, do Dworkin, é quase que uma réplica dele a todas essas loucuras que a administração Bush andou fazendo.

Nas páginas 50 e 51, em trecho mais longo que não vou aqui transcrever,ele usa o mesmo argumento de GASPARI, de que nunca as situações nas quais a tortura é usada e para as quais se procura justificativa na "relatividade" dos direitos fundamentais CHEGAM SEQUER PERTO dos exemplos extremados de uma bomba que todos sabem que foi o terrorista "x" que armou e todos sabem que ele sabe onde está e todos sabem que ele sabe onde desarmar. Depois de reconstruir o "exemplo" usado pelos "relativizadores" da proibição da tortura, ele diz: "None of that is true about our policy of imprisonment without charge or trial in Guantánamo..." (p. 50).
Por outro lado - e esse também é um aspecto por ele bastante questionado - por que não se usa o mesmo método contra americanos que cometem crimes "internos", serial killers, traficantes de drogas, estupradores e etc.? Seriam os árabes acusados de terrorismo "menos humanos" que os próprios americanos ou israelenses? Ah.... Aí está o grande problema... Duas classes de seres humanos, alguns com mais direitos fundamentais do que outros, tal como no período da escravidão. Isso é um estímulo fora de série, diz Dworkin, para que os "menos gente" não tenham estímulo algum para respeitar o ordenamento jurídico que não os respeita.

Anônimo disse...

Caro Dr. George,

há um pequeno, porém importante erro fatual em sua análise.

O Waterboading em questão consistem em deitar o preso em uma prancha inclinada, com a cabeça virada para a parte mais baixa.

Em seguida o torturador coloca uma toalha molhada no rosto, e joga água sobre a boca e nariz...

É a mesma sensação de afogamento sem o afogamento em si.

Pode não ser o afogamento como o da ilustração, mas não deixa de ser uma tortura cruel...

Anônimo disse...

O capitao nascimento disse bem:

Juizes em seus escritorios, policiais nas ruas. Por isso os primeiros sao tao ingenuos, falam do dever ser, e nao do ser, pois nao o conhecem.

George Marmelstein disse...

Realmente, pelas fotos que pesquisei sobre o "waterboarding" no 'google image", a técnica é um pouco menos desumana do que a da foto acima. O problema é que me baseei na notícia, que descreve o método como o descrito na foto.
Mas acho que você tem razão. Acho que o que o Bush defendeu foi a técnica "mais humana".

George Marmelstein disse...

Hugo,
Relendo meu texto com mais calma, diante das suas observações, percebi que cometi um erro básico que foi “pular” os critérios da proporcionalidade – adequação e necessidade – e partir direto para a proporcionalidade em sentido estrito (ponderação). Daí a minha incerteza quanto à relatividade ou não da tortura.
De fato, é muito fácil o discurso de que “a vida de cem crianças vale mais do que a integridade física de um terrorista”. Ou seja, a tortura consegue ser proporcional em sentido estrito!
Porém, como você disse, dificilmente ela será adequada ou necessária.
Melhor dizendo: ela talvez, em algumas situações, seja até mesmo adequada e necessária, mas isso somente será comprovado depois de ser praticada. Ou seja, haverá uma restrição de um direito fundamental básico (integridade física e moral do indivíduo) “no escuro”, sem ter a certeza de que a medida será eficiente (adequada) e necessária. É um risco muito alto para um benefício incerto.
Mas aí pode ser apresentado um contra-argumento: várias restrições a direitos também são baseadas em um juízo de probabilidade e não de certeza absoluta de sua adequação e necessidade. Quando um juiz autoriza uma busca e apreensão ou a quebra do sigilo telefônico também não tem certeza de que a medida será eficiente.
Sei não, mas acho que estou caminhando em círculos. Tenho que estudar melhor o assunto.

George Marmelstein

George Marmelstein disse...

João Paulo,

que tal mudar o discurso?
Seu disco arrranhado tá parecendo as técnicas de interrogatório utilizadas pela Corte de Israel.

George Marmelstein

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Não sei, George, se a situação na tortura é a mesma da escuta telefônica. É que na escuta, a "restrição" se justifica, a priori, só pelo indício. Vale dizer, mesmo que depois se apure que o cara era inocente, os indícios justificaram a restrição ao seu direito ao sigilo telefônico. Não há problema em se ter ouvido conversa dele (desde que com prévia autorização judicial, naturalmente).

No caso da tortura é diferente. Seus defensores usam o caso extremo (e imaginário) de uma tortura que se sabe previamente eficaz para tentar mostrar a proporcionalidade em sentido estrito da medida, quando esse extremo quase nunca estará presente. Ora, é a própria tese de defesa da tortura, usada "a contrario senso", que a reprova e condena em tais casos (que parecem ser todos) de ausência da premissa.

Anônimo disse...

Seriam os veneradores dos direitos fundamentais matematicos frustrados?

Por nao entenderem a matematica, caminharam pela estrada do Direito. Nessa, tentam transformar o facil em dificil, mostrar aos leigos que aqui 2 + 2 dao 5, 6 ou 7.

jOAO Paulo

Anônimo disse...

Dr. George,

Não à toa o famoso seriado "24 Horas" é hoje disciplina de diversas faculdades de direito Ianques. O seriado aborda uma questão muito parecida, onde, invariavelmente, o protagonista, Jack Bauer, um agente de uma agência contra-terrorista norte-americana se vê diante desse impasse, onde ele "sabe" que o terrorista tem conhecimento da bomba (ou algo análogo) e, para conseguir esta informação, utiliza de diversos meios de tortura. Como você mesmo disse, o princípio da proporcionalidade, pelos seus subprincípios, pode até vir a fundamentar uma decisão pela relativização da proibição da tortura. No entanto, apenas saberíamos se aquele determinado cidadão torturado realmente podia "salvar a vida de cem crianças" depois da tortura, ou seja, depois do direito fundamental violado. No entanto, acho que outro ponto pode ser ponderado: a questão da "legítima defesa de direitos fundamentais". O indivíduo não poderia alegar a violação a m dir. fundamental seu para praticar lesão a direitos fundamentais de outrem (em casos como este, de uma coletividade). Embora eu ainda não tenha uma idéia fixa acerca disso, confesso que estou mais para "o seu lado", de achar abominável tal decisão até provas e argumentos irrefutáveis em contrário. Mas ressalto: na minha visão, a proporcionalidade, que se apresenta como o sustentáculo do constitucionalismo moderno, não me parece suficiente para resolver esta dificílima questão.
Abraços

Anônimo disse...

19 comentarios e aih? nenhuma conclusao ainda? Por essas e outras nao piso mais o pe aqui.

Edmundo

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Conclusão é uma coisa e unanimidade é outra bem diferente.
Quem diz que nos comentários acima ninguém chega a conclusão alguma revela que não os leu ou, pior, leu e não entendeu nada.
Se as questões jurídicas admitissem soluções assim tão fáceis, e certas, os tribunais não seriam colegiados, fato que pressupõe a saudável divergência, e não haveria decisões por maioria.
Voltando à questão da tortura, Dworkin propõe ainda uma outra ponderação: da (suposta) proteção à segurança com a honra. Estariam os EUA tão amedrontados com a ameaça terrorista que se acovardariam e mandariam para o espaço a democracia e os direitos fundamentais pelos quais tanto lutaram?
E mais: sempre um criminoso pode ser um potencial causador de novos crimes, pode saber onde estão outros criminosos e quais crimes pretendem praticar. Assim, TODA tortura seria defensável, e legítima, pois com ela se poderiam combater outros crimes. Afinal, qual a diferença entre salvar 30 crianças dentro de uma escola (supostamente) com uma bomba que o (supostamente) terrorista (supostamente) sabe onde está e como desarmar, e salvar 30 mulheres que serão (supostamente) assassinadas por um (supostamente) serial killer (supostamente) conhecido por uma testemunha que, se torturada, (supostamente) revelará sua localização e seus planos para novos crimes?
E o traficante que (supostamente) planeja motim no presídio onde vários presos serão mortos?
E o (supostamente) pedófilo que (supostamente) atacará ainda outras crianças?
Enfim, o combate a todo (suposto) criminoso PREVINE, pelo menos em tese, a prática de novos crimes e, com isso, a violação a direitos fundamentais de outras pessoas. Assim, a tortura seria sempre, ou quase sempre, legítima!! E a regra seria não só "ponderada", mas "estiolada", e completamente.
Não dá. E isso é uma conclusão. Se nem todos concordam com ela (os assessores de Bush, por exemplo, não concordariam, se lessem), é uma outra questão.

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

E isso vale para qualquer outra garantia constitucional processual.
Essas garantias, não é demais lembrar, existem por pressupor exatamente a falibilidade dos acusadores e julgadores.
Poderíamos - continuando com a fantasia de que JÁ SABEMOS que o acusado é culpado mesmo - suprimir também o direito de defesa, ao devido processo legal, aos recursos, à presunção de inocência, à legalidade, à irretroatividade... Onde vamos parar?
O canal FOX, a propósito do 24 horas, é, segundo Dworkin, precisamente aquele mais "pró-bush", mais engajado na tarefa de aterrorizar a população e colocá-la a favor do presidente e contra os direitos humanos (sobretudo quando o "humano" não é "americano").

George Marmelstein disse...

Hugo,

concordo com você quanto à complexidade do tema e à impossibilidade de se chegar a uma solução unânime.
Já pensou se fosse tão fácil assim?
Confesso que tenho sérias dúvidas tanto em admitir a tortura como técnica para salvar vidas humanas (não estou falando da tortura para descobrir um crime, mas para evitar a morte de pessoas) quanto na solução oposta: negar essa possibilidade sob o argumento do “efeito-dominó”. Ambas as soluções possuem bons argumentos a favor e contra.
Vamos a um exemplo bem interessante.
Já que se citou um seriado (24 horas), cito “Lost”, que é bem mais interessante.
Em um dos episódios, da primeira ou segunda temporada, não lembro, a personagem Claire, que está grávida, precisa de um determinado medicamento para a sua sobrevivência. O único que (supostamente) sabe onde está o medicamento é Sawyer, que se nega a entregar o remédio. Lembre-se que o seriado se passa em uma ilha deserta, sem comunicação com o resto do mundo.
No final das contas, todos os habitantes da ilha concordam que Sahid, um ex-soldado iraquiano, deveria utilizar seus conhecimentos militares para torturar Sawyer e assim salvar a vida de Claire e do bebê.
Eis um exemplo interessante, onde em princípio haveria uma justificativa para a tortura. Mas o desfecho da história confirma o que o Hugo disse: no final, depois de ter sido torturado violentamente, chegou-se à conclusão de que Sawyer não sabia onde estavam os medicamentos! Tortura inadequada e desnecessária.
Em outras palavras: melhor considerar a proibição de tortura como uma norma extremamente inflexível.
Mas pergunto para provocar: e o soro da verdade ou o detector de mentiras?

Unknown disse...

A convenção interamericana de direitos humanos, conhecida também como pacto de san josé da costa rica, da qual o brasil é signatário, permite a tortura nos casos de terrorismo.

George Marmelstein disse...

Alexandre,
confesso que não encontrei a referida autorização no PSJCR.
Pelo contrário:

"Artigo 5º - Direito à integridade pessoal

1. Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.

2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano".

E mais:

"Artigo 27 – Suspensão de garantias

1. Em caso de guerra, de perigo público, ou de outra emergência que ameace a independência ou segurança do Estado-parte, este poderá adotar as disposições que, na medida e pelo tempo estritamente limitados às exigências da situação, suspendam as obrigações contraídas em virtude desta Convenção, desde que tais disposições não sejam incompatíveis com as demais obrigações que lhe impõe o Direito Internacional e não encerrem discriminação alguma fundada em motivos de raça, cor, sexo,, idioma, religião ou origem social.

2. A disposição precedente não autoriza a suspensão dos direitos determinados nos seguintes artigos: 3º (direito ao reconhecimento da personalidade jurídica), 4º (direito à vida), 5º (direito à integridade pessoal), 6º (proibição da escravidão e da servidão), 9º (princípio da legalidade e da retroatividade), 12 (liberdade de consciência e religião), 17 (proteção da família), 18 (direito ao nome), 19 (direitos da criança), 20 (direito à nacionalidade) e 23 (direitos políticos), nem das garantias indispensáveis para a proteção de tais direitos.

3. Todo Estado-parte no presente Pacto que fizer uso do direito de suspensão deverá comunicar imediatamente aos outros Estados-partes na presente Convenção, por intermédio do Secretário Geral da Organização dos Estados Americanos, as disposições cuja aplicação haja suspendido, os motivos determinantes da suspensão e a data em que haja dado por determinada tal suspensão".

George Marmelstein disse...

Ou seja, mesmo nas situações excepcionais em que é admitida a suspensão das garantias previtas no Pacto, o direito à integridade pessoal (art. 5) não pode ser suspenso.