segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Proibição de Venda de Bebidas Alcoólicas nas Margens de Rodovias

Está havendo uma interessante discussão jurídica envolvendo a constitucionalidade da medida provisória que proibiu a venda de bebida alcoólica às margens das rodovias.

Há inúmeros argumentos tanto de um lado quanto de outro. Não pretendo esgotar o tema, mas apenas analisar a questão sob a ótica da teoria dos direitos fundamentais. Por isso, não entrarei na questão da urgência e relevância da medida, mas apenas nos aspectos materiais da discussão.

A liberdade econômica é, sem dúvida, um direito fundamental. O Brasil, por imposição constitucional, está inserido em uma economia de mercado. Daí a consagração da livre iniciativa, da proteção à propriedade privada e da liberdade profissional.

Por outro lado, a Constituição brasileira também estabeleceu várias restrições ao sistema de mercado, com vistas à proteção dos trabalhadores, do meio-ambiente, dos consumidores etc...

Logo, a liberdade econômica pode ser limitada, desde que essa limitação observe o princípio da proporcionalidade.

Como se sabe, a doutrina, inspirada em decisões da Corte Constitucional alemã, tem apontado três dimensões do princípio da proporcionalidade: (a) a adequação, (b) a necessidade ou vedação de excesso e de insuficiência e (c) a proporcionalidade em sentido estrito. Esses elementos devem ser analisados sucessivamente. Será possível uma limitação a um direito fundamental se estiverem presentes na medida limitadora todos esses aspectos.

Esses critérios correspondem, respectivamente, às seguintes perguntas mentais que devem ser feitas para se analisar a validade de uma determinada medida limitadora de direito fundamental: (a) o meio escolhido foi adequado e pertinente para atingir o resultado almejado?; (b) o meio escolhido foi o ‘mais suave’ ou o menos oneroso entre as opções existentes e, ao mesmo tempo, suficiente para proteger o direito fundamental em jogo? (c) o benefício alcançado com a adoção da medida buscou preservar valores mais importantes do que os protegidos pelo direito que a medida limitou?

No caso em questão, a medida tem um objetivo claro: reduzir os acidentes no trânsito e, como conseqüência, diminuir o número de mortes nas estradas.
A grande dúvida é saber se a medida é adequada e necessária, já que a proporcionalidade em sentido estrito aparentemente é nítida (salvar vidas humanas é mais importante do que proteger o direito de consumir bebidas alcoólicas).

Algumas vezes, a prova da inadequação/desnecessidade da medida é relativamente fácil de ser demonstrada através de uma análise objetiva da situação. Na maioria das vezes, contudo, a comprovação da falta de liame racional entre meio e fim exigirá uma verificação complexa de inúmeros fatores que nem sempre estarão presentes naquele momento. Nessas hipóteses, que ocorrem com bastante freqüência, “só o tempo dirá” se a medida surtirá os efeitos desejados. Em situações assim, o melhor é conferir o “benefício da dúvida” ao legislador num primeiro momento, mantendo a escolha estatal enquanto não for demonstrado, concretamente, que ela não atingiu os resultados pretendidos. Por exemplo, quando o legislador estipulou a obrigatoriedade de uso do cinto de segurança no intuito de diminuir as mortes de acidentes de trânsito, ninguém sabia ao certo se a medida seria eficaz. Hoje, já existem dados suficientes que demonstram que o objetivo do legislador foi alcançado, sendo, portanto, adequada a medida.

É nesse contexto, a meu ver, que se insire a proibição de venda e consumo de bebidas alcoólicas nas proximidades de rodovias. É difícil dizer se a medida conseguirá resolver o problema a que se propõe. Por isso, ainda não há como afirmar com precisão se é adequada/necessária ou não. No futuro, com base em estatísticas confiáveis, aí sim será possível verificar se a finalidade legal foi atingida. Se ficar demonstrada ineficácia da medida, o Judiciário poderá certamente reconhecer a sua inconstitucionalidade, por desobediência ao princípio da proporcionalidade.

Por enquanto, penso que o melhor é esperar mais um pouco, antes de declarar a inconstitucionalidade material da norma.

4 comentários:

Unknown disse...

A minha dúvida neste caso é com relação à venda de bebida nos trechos da BR que estão inseridas em perímetro urbano.

Não sei como são as coisas no resto do país, mas em Natal e João Pessoa existem shoppings centers, macros, carrefours e etc na BR. Este tipo de estabelecimento foi excepcionado?

Porque não acho que tenha cabimento proibir a venda de bebida no Midway ou no Natal Shopping, por exemplo.

Anônimo disse...

Dr, George
Adoro o seu blog e acompanho quando ainda era outra página. Parabéns pela iniciativa de postar textos a mesmos tempo tão simples ,mas com o conteúdo execepcional. Não vejo a hora do seu livro ser publicado e tenho certeza que será uma obra singular.
Acho essa medida provisória bem discutivel. De um lado há a liberdade econômica, do outro lado existe uma possível vítima que pode ser atingida em decorrência de um motorista que ingeriu bebida alcoólica.
Foi esquecido que muitas vezes o motorista não compra sua bebida em um estabelecimento na margem de uma Br,mas em outros lugares. E como comprovar isso na prática?
Só o tempo dirá se a tal "proporcionalidade adotada" resolverá a diminuição de vítimas de acidente de trânsito.

Anônimo disse...

Dr, George
Adoro o seu blog e acompanho quando ainda era outra página. Parabéns pela iniciativa de postar textos a mesmos tempo tão simples ,mas com o conteúdo execepcional. Não vejo a hora do seu livro ser publicado e tenho certeza que será uma obra singular.
Acho essa medida provisória bem discutivel. De um lado há a liberdade econômica, do outro lado existe uma possível vítima que pode ser atingida em decorrência de um motorista que ingeriu bebida alcoólica.
Foi esquecido que muitas vezes o motorista não compra sua bebida em um estabelecimento na margem de uma Br,mas em outros lugares. E como comprovar isso na prática?
Só o tempo dirá se a tal "proporcionalidade adotada" resolverá a diminuição de vítimas de acidente de trânsito.

George Marmelstein disse...

Professor Manuel,
você tem razão. Também concordo que, em algumas situações, a inconstitucionalidade é imediata.
Como já afirmei em outra oportunidade, o fato de a norma ser abstratamente constitucional não impede que, na casuística, ela seja inconstitucional http://georgemlima.blogspot.com/2008/02/ponderao-em-abstrato-versus-ponderao-em.html

George Marmelstein