quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Os bons costumes podem limitar direitos Fundamentais? - Parte II

Dando continuidade ao post “os bons costumes podem limitar os direitos fundamentais?”, passo a formular meus comentários sobre o assunto. Como sempre, não tenho a pretensão da verdade e – eu próprio – tenho certeza de que minhas idéias ainda não estão completamente amadurecidas.

Mesmo assim, vamos tentar apresentar uma solução com base na teoria dos direitos fundamentais...

Inicialmente, uma análise sobre a legitimidade de medidas que limitam os direitos fundamentais não pode ser baseada em “achômetros”. É preciso buscar na Constituição a resposta para qualquer problema envolvendo direitos fundamentais.

Leia de cabo a rabo o texto constitucional e certamente você não encontrará nada que fale em bons costumes (melhor: faça uma pesquisa pelo mecanismo de busca do Word). Definitivamente, a Constituição não colocou os bons costumes como um valor a ser preservado, ao contrário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, por exemplo, que reconhece, em seu art. 29, que os direitos ali estabelecidos são relativos, já que podem ser limitados no intuito de promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática. Vale ressaltar que a DUDH, apesar de ser um poderoso instrumento em favor dos direitos humanos/fundamentais, não tem força normativa, sendo apenas uma recomendação política para os países que a subscreveram.

Há, contudo, na CF/88, na parte relativa à Comunicação Social, alguns artigos que sugerem a limitação da liberdade de comunicação em favor de valores morais conservadores. Dê uma lida no artigo 221 e comprove. Lá você verá que a Comunicação Social tem como princípio, entre outros, o “respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família”.

Inicialmente, descarto qualquer interpretação restritiva do artigo constitucional no sentido de que só se aplica à comunicação social. Sempre fui contra argumentos baseados na interpretação “ao pé da letra”. Os princípios elencados no artigo 221 são diretrizes ético-jurídicas que incidem em qualquer situação, sobretudo na Comunicação Social. Seria até meio sem lógica se pudesse haver a limitação de horário para exibição de filmes que contenham cenas de sexo e, ao mesmo tempo, qualquer pessoa pudesse fazer sexo em público em qualquer lugar a qualquer hora.

Ainda assim, não vejo como justificar a restrição à liberdade com base exclusivamente nesse tal de “bom costume”, sobretudo em matéria sexual. A Constituição não protege um único comportamento sexual. Pelo contrário. A CF/88 protege o pluralismo e o respeito às diferenças. Portanto, na minha ótica, não há base constitucional para punir comportamentos, sexuais ou não, com fundamento unicamente no conservadorismo moral.

As únicas restrições que podem ser admitidas são as realizadas para proteger outros valores constitucionais. Proibir um outdoor que estampe a foto de uma mulher nua é, talvez, proporcional, pois a medida visa proteger as crianças de terem contato precoce com apelos sexuais. Do mesmo modo, é proporcional obrigar que as revistas voltadas para o público masculino cubram as capas expostas em bancas de revistas, a fim de impedir que crianças vejam pessoas sem roupas.

Se a mesma mulher do exemplo do topless resolver ficar nua em uma Igreja, certamente estará ferindo o direito daqueles que freqüentam o lugar e, portanto, está violando outros direitos fundamentais. O exemplo da praia é totalmente diferente, já que existe, naturalmente, menos pudor entre os presentes. Mais uma vez a solução vai depender das informações fornecidas pelo caso concreto, tendo sempre como base o teste da proporcionalidade (especificamente a proporcionalidade em sentido estrito – ponderação).
Um caso que ilustra esse aspecto foi o do Diretor de Teatro Gerald Thomas, que foi denunciado pelo crime de ato obsceno após mostrar a bunda em público e simular uma masturbação como reação às vaias do público. O STF entendeu, em habeas corpus, que o ato não poderia ser punido, pois estaria inserido no contexto da liberdade artística. O ato foi praticado dentro de um teatro, às duas horas da manhã, no Rio de Janeiro. O público que presenciou a cena era adulto. A própria peça de teatro continha cenas de nudez e simulação sexual. Portanto, a "moral e os bons costumes" não foi suficiente, naquele caso concreto, para justificar a limitação ao direito fundamental à liberdade artística.
Seria diferente se fosse uma peça infantil, numa manhã de domingo e a cena fosse presenciada por crianças. Aí sim, na minha ótica, estaria plenamente justificada a limitação à liberdade artística, tendo em vista a necessidade de proteger as crianças contra estímulos sexuais precoces.
O caso hipotético de uma suposta lei proibindo que casais homossexuais troquem carícias em público quando houver crianças presentes é extremamente interessante do ponto de vista da teoria dos direitos fundamentais, pois envolve um conflito muito mais complexo de valores constitucionais.

De cara, entendo que a lei é inconstitucional, pois ela visa a um fim constitucionalmente ilegítimo. Ela não passaria pelo primeiro critério da proporcionalidade que é a adequação.

Vale ressaltar que adequação não exige somente a relação de pertinência/coerência entre meio e fim, mas também exige que uma medida restritiva de direitos fundamentais, para ser válida, seja idônea para o atendimento de uma finalidade constitucionalmente legítima. Se o objetivo visado pela medida buscar uma finalidade que não seja compatível com a Constituição, ela não será válida.

No caso da hipotética lei em questão, entendo que seria nitidamente inconstitucional, pois o fim buscado por ela é preconceituoso, e a Constituição veda a discriminação por razões sexuais.

O problema é que ainda não há, no seio da sociedade, uma completa aceitação do homossexualismo. A maioria das pessoas ainda não aceita (e talvez eu me inclua nessa relação) presenciar casais de pessoas do mesmo sexo trocando carícias em público. No entanto, esse tipo de preconceito, embora se justifique por razões culturais, não tem base constitucional. A Constituição não deve ser apenas um espelho da sociedade, mas também deve moldar comportamentos. No caso específico, a Constituição prospectivamente, com olhos voltados para o futuro, pretendeu claramente construir uma sociedade solidária, pluralista e sem preconceitos. Logo, nesse ponto, é a sociedade que deve se adequar aos valores constitucionais e não o inverso, já que os valores sociais estão descompassados com a idéia de dignidade da pessoa humana (que, em última análise, significa respeitar o outro, independentemente de quem seja o outro).

Portanto, como síntese a tudo o que foi exposto, concluo:
a) não há na Constituição, de forma expressa, qualquer proteção aos bons costumes;
b) há, contudo, uma proteção “aos valores éticos da pessoa e da família” (art. 221);
c) a limitação a direitos fundamentais, com base nos “valores éticos da pessoa e da família”, somente se justificará se atender ao critério da proporcionalidade;
d) é justificável a limitação de direitos fundamentais no intuito de impedir o contato do público infantil com estímulos sexuais precoces;
e) a limitação deverá buscar atingir valores constitucionalmente aceitos e não se pautar por preconceitos e discriminações descompassadas com o espírito de tolerância e respeito às diferenças positivado na Constituição.

PS. Como vocês devem ter percebido, os comentários apresentados no primeiro post sobre o assunto foram bastante importantes para a formação do meu convencimento. Acho que é essa a grande vantagem do blog: a possibilidade de interagir com os leitores e aprender com eles.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Análise Econômica dos Direitos Fundamentais

Para não passar a semana em branco, apresento um texto que acabei de escrever em menos de uma hora. As idéias estavam na minha cabeça já há algum tempo e resolvi colocá-los no papel. Não é um texto acabado. São apenas algumas idéias ainda meio soltas sobre a chamada análise econômica do direito, com os olhos voltados para a teoria dos direitos fundamentais.
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Análise Econômica dos Direitos Fundamentais

Minha primeira impressão sobre a chamada “Análise Econômica do Direito” (AED) foi a pior possível. Também pudera: o livro que me introduziu às idéias da AED era o best-seller “Freakonomics”, que, apesar de ter entre seus autores um doutor da prestigiada Faculdade de Economia do MIT, não é um livro “sério” do ponto de vista acadêmico.

No livro, os autores fizeram uma análise bastante curiosa, tentando demonstrar que a redução da criminalidade nos EUA, durante os anos 90, foi resultado da liberalização do aborto ocorrida no julgamento do caso “Roe vs. Wade” de 1973. A idéia básica era a seguinte: os criminosos de hoje foram abortados há vinte anos. Aquelas mulheres que engravidaram sem planejamento e resolveram abortar certamente conceberiam a crianças problemáticas que se tornariam potenciais criminosos no futuro.

Na minha pesquisa durante o mestrado, do mesmo modo, tive oportunidade de conhecer as idéias de Thomas Malthus, que também possuem um inegável viés econômico. Malthus defendia as epidemias, as guerras e o infanticídio e era intransigentemente contra os atos de caridade, já que, para ele, havia pouca comida para muita gente e, portanto, era melhor que deixassem os pobres em paz para morrerem sossegadamente nas ruas sobrando mais comida para o restante da população.

Foi esse tipo de raciocínio que gerou em mim uma barreira em relação à AED – Análise Econômica do Direito. Na minha ótica, o pensamento ético-jurídico não deveria funcionar desse modo. O argumento econômico seria capaz de justificar as maiores barbaridades, como a pena de morte, a eutanásia eugênica, o experimento médico com seres humanos e até mesmo o extermínio de indivíduos indesejados. Não teria sido isso que os nazistas fizeram?

Por isso, preferi não me envolver com esse tipo de análise econômica. Os economistas pensam em como conseguir mais eficácia com vistas à maximização das riquezas. É totalmente diferente do pensamento ético e jurídico. Pensar eticamente, na minha ótica, é pensar no outro, independentemente de quem seja o outro e independentemente das vantagens que trará para nós mesmos.

Ocorre que fui convidado para proferir uma aula sobre “Direito e Economia” e tive que tentar assimilar com um pouco mais de profundidade as idéias da “Análise Econômica do Direito” para não ensinar nada de forma distorcida.

Confesso que não li muita coisa, até porque não houve tempo. Li somente o essencial sobre Richard Posner, Ronald Coase, Douglas North, entre outros teóricos da chamada AED. Mesmo sim, me surpreendi positivamente com as idéias básicas da AED e percebi que há muita coisa que pode ser útil para a teoria dos direitos fundamentais, que é a minha atual área de pesquisa.

Não pretendo aqui desenvolver nenhuma idéia revolucionária ou mesmo científica. A minha pretensão é tão somente compartilhar as minhas impressões (ainda imaturas) sobre a AED e sobre as possibilidades de sua utilização em favor dos direitos fundamentais.

Em primeiro lugar, chamou-me a atenção o conhecido Teorema de Pareto, bastante utilizado entre os economistas e que está na base do raciocínio econômico. Uma situação econômica é ótima no sentido de Pareto se ao menos um indivíduo melhora de situação, sem que o outro piore. Uma idéia simples, mas extremamente valiosa.

Assim que li sobre o Teorema de Pareto lembrei-me imediatamente do problema da colisão de direitos fundamentais.

O princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais exige que o intérprete sempre tente fazer com que o direito fundamental atinja a sua realização plena. O ideal é que, ao realizar essa tarefa de concretização, nenhum outro direito fundamental seja afetado de modo negativo. Ou seja, a situação perfeita é conseguir maximizar a efetividade de um dado direito fundamental sem prejudicar a situação jurídica de outras pessoas. Percebeu a ligação dessa idéia com o Teorema de Pareto?

Ocorre que, muitas vezes, essa meta não poderá ser atingida. Havendo colisão de direitos, certamente haverá pelo menos um deles que será atingido de forma negativa, ainda que parcialmente. Sendo assim, surge outra preocupação para o intérprete: tentar dar a máxima efetividade ao direito fundamental, restringido o mínimo possível o outro valor constitucional colidente.

É nesse sentido que aparece o princípio da concordância prática.

O princípio da concordância prática, de acordo com o Tribunal Constitucional alemão, “determina que nenhuma das posições jurídicas conflitantes será favorecida ou afirmada em sua plenitude, mas que todas elas, o quanto possível, serão reciprocamente poupadas e compensadas”. Trata-se, portanto, de uma tentativa de equilibrar (ou balancear) os valores conflitantes, de modo que todos eles sejam preservados pelo menos em alguma medida na solução adotada.

Também no princípio da concordância prática há uma preocupação de buscar a “eficiência no sentido de Pareto”, de modo que o direito fundamental afetado seja sacrificado o mínimo possível.

Intuitivamente, eu sabia que essa ligação que fiz entre o Teorema de Pareto e o fenômeno da Colisão de Direitos Fundamentais não era original. Algo me dizia que alguém já havia pensado nisso antes. Assim, consultei o oráculo (Google) e descobri pelo menos um texto em língua portuguesa que fez essa relação: “Direitos Fundamentais, Balanceamento e Racionalidade”, de ninguém menos do que Robert Alexy. Estou em ótima companhia (vale ressaltar que a análise de Alexy sobre o teorema de Pareto não é, nesse texto, tão profunda).

Há, ainda, diversos princípios dentro da teoria dos direitos fundamentais que são uma manifestação clara, ainda que inconsciente, das idéias econômicas. O tão alardeado princípio da “reserva do possível” é exemplo disso. Por esse princípio, os direitos fundamentais cuja realização implique em gastos financeiros (como o direito à saúde, por exemplo) somente podem ser efetivados na via judicial se estiverem dentro do financeiramente razoável ou proporcional.

O raciocínio que inspira o princípio da reserva do possível é inegavelmente econômico: implementar um direito a prestação exige a alocação de recursos, em maior ou menor quantidade, conforme o caso concreto, e, vale ressaltar, não apenas recursos financeiros, mas também recursos não-monetários, como pessoal especializado e equipamentos. No entanto, há menos recursos do que o necessário para o atendimento de todas as demandas. As decisões que visam concretizar um dado direito podem, muitas vezes, gerar novas formas de ameaças, privando outros potenciais beneficiários da fruição dos bens ou serviços a que também teriam direito. Logo, o Judiciário, quando for julgar demandas que importem em alocação de recursos, deverá levar em conta que sua decisão poderá interferir na realização de outros direitos, de modo que somente deve agir se estiver seguro que não causará um mal maior.

É lógico que, muitas vezes, o aspecto econômico não será tão relevante ao ponto de impedir a concretização de um direito fundamental. Afinal, conforme entendimento do STF, manifestado em voto do Min. Celso de Mello, “entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, caput e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humana” (Pet. 1.246-SC).

Outra conseqüência da Análise Econômica do Direito, dentro da teoria dos direitos fundamentais, envolve a chamada aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas (eficácia horizontal).

Os direitos fundamentais foram concebidos, originariamente, como instrumentos de proteção dos indivíduos contra a opressão estatal. O particular era, portanto, o titular dos direitos e nunca o sujeito passivo. É o que se pode chamar de eficácia vertical dos direitos fundamentais, simbolizando uma relação de poder em que o Estado se coloca em uma posição superior em relação ao indivíduo.

No entanto, atualmente, tem-se reconhecido que os valores contidos nos direitos fundamentais irradiam-se também nas relações entre particulares, até porque os agentes privados – especialmente aqueles detentores de poder social e econômico – são potencialmente capazes de causar danos efetivos aos princípios constitucionais e podem oprimir tanto ou até mais do que o Estado. É o que se pode chamar de eficácia horizontal (ou irradiante) dos direitos fundamentais.
A eficácia horizontal dos direitos fundamentais poderá ter forte influência no mercado econômico, afetando, inclusive, os chamados “custos de transação” dos negócios, já que limitará, eventualmente, a liberdade contratual em favor de outros direitos fundamentais.

O exemplo mais ilustrativo disso ocorre com o direito à moradia, que, por força do artigo 6º da Constituição Federal de 1988, é, no Brasil, um verdadeiro direito fundamental.

Em razão do direito à moradia, os juízes brasileiros tendem a adotar uma postura de proteção em relação aos mutuários e inquilinos de imóveis. Numa relação entre um banco financiador e o mutuário que adquiriu um imóvel com dinheiro emprestado, há uma tendência judicial de se proteger a parte mais fraca da relação (o mutuário), em detrimento, eventualmente, daquilo que ficou pactuado no contrato de financiamento habitacional. Numa disputa judicial envolvendo um inquilino e o dono do imóvel, os juízes são reticentes em forçar o inquilino inadimplente a sair do imóvel, prejudicando o proprietário que nem recebe os aluguéis nem pode alugar o seu bem para outra pessoa que esteja disposta a pagar.

A “Análise Econômica do Direito” critica ferrenhamente essa postura protetiva do Judiciário brasileiro. Confira, a esse respeito, o seguinte argumento apresentado por Armando Castelar Pinheiro, um dos principais expoentes da AED aqui no Brasil:

“a maioria dos magistrados acredita que os juízes têm um papel social (redistributivista) a desempenhar, e que o objetivo de proteger a parte mais fraca na disputa justifica a violação de contratos. Este posicionamento reduz a segurança jurídica com que se desenrola a atividade econômica, e pode fazer com que determinados mercados não se desenvolvam, possivelmente prejudicando exatamente os grupos sociais que os juízes buscam beneficiar. A quase inexistência de um mercado de crédito imobiliário, notadamente para as famílias de mais baixa renda, é um exemplo ilustrativo de como uma boa intenção pode terminar tendo o efeito oposto ao originalmente buscado” (Judiciário, Reforma e Economia: a visão dos magistrados).

Trata-se, sem dúvida, de uma idéia que exige uma reflexão, sobretudo por um magistrado como eu que acredita que “os juízes têm um papel social (redistributivista) a desempenhar”.

O argumento é, efetivamente, forte e está correto em grande parte. O problema é que levar a “proteção ao contrato” ao extremo significa, muitas vezes, compactuar com iniqüidades. Afinal, conforme já dizia o Abade Lacoirdaire há dois séculos, “entre o grande e o pequeno, entre o forte e o fraco, a liberdade escraviza, o direito liberta” (cf. COSTA, Adriano Pessoa da. Direitos Fundamentais entre Particulares na Ordem Jurídica Constitucional Brasileira. Dissertação de mestrado).

Por outro lado, o desrespeito aos contratos também não pode ser a regra. Há que haver um meio termo entre a proteção aos contratos (que, em última análise, significa respeitar a autonomia privada, que também é um direito fundamental) e a proteção ao sistema de valores que emana dos direitos fundamentais.

Nesse ponto, a teoria dos direitos fundamentais fornece um princípio bastante interessante que, apesar de ser uma ferramenta importantíssima, tem sido pouco utilizado pelos juízes: o princípio da proibição de abuso de direitos fundamentais. Os direitos fundamentais não devem servir para acobertar práticas ilícitas. Trazendo esse raciocínio para os direitos sociais, pode-se dizer que os direitos sociais não podem servir de desculpa para a prática de atos moralmente injustificáveis ou para burlar a lei.

Sobre o assunto, já tive a oportunidade de julgar um processo em que consignei o seguinte: “O direito fundamental à habitação, cujos fundamentos são tão nobres, não pode servir de escudo ao locupletamento sem causa, nem pode ser invocado ao ponto de garantir o direito de se morar em prédio de ótima localização sem que se pague nada por isso. Atitudes como a da ré somente fazem aumentar a crise do Sistema Financeiro da Habitação, pois retira a oportunidade de pessoas de boa-fé habitarem no imóvel”.

Para finalizar esse despretensioso artigo, merece ser feita uma breve análise do caso da (im)penhorabilidade do bem de família do fiador, um julgamento do STF que se baseou essencialmente na análise econômica do direito.

Por força da Lei 8.009/90, o imóvel residencial do casal ou da entidade familiar (bem de família) passou a ser considerado impenhorável. Ocorre que a Lei 8.245, de 18.10.91, acrescentou o inciso VII à Lei 8.009/90, para ressalvar a penhora “por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação”. Em razão disso, o imóvel residencial daquele que assumiu o encargo de fiador tornou-se passível de penhora.

Em um primeiro momento, no STF entendeu que seria inconstitucional a referida lei, por violar o artigo 6º da Constituição que reconhece o direito à moradia como um direito fundamental (art. 6º).

Eis a ementa: “CONSTITUCIONAL. CIVIL. FIADOR: BEM DE FAMÍLIA: IMÓVEL RESIDENCIAL DO CASAL OU DE ENTIDADE FAMILIAR: IMPENHORABILIDADE. Lei nº 8.009/90, arts. 1º e 3º. Lei 8.245, de 1991, que acrescentou o inciso VII, ao art. 3º, ressalvando a penhora “por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação”: sua não-recepção pelo art. 6º, C.F., com a redação da EC 26/2000. Aplicabilidade do princípio isonômico e do princípio de hermenêutica: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. Recurso extraordinário conhecido e provido” (STF, RE 352490, rel. Min. Carlos Velloso, j. 25 de abril de 2005).

Contudo, menos de um ano depois, o STF modificou seu posicionamento, passando a entender que seria possível a penhora do único imóvel de uma pessoa que assuma a condição de fiador em contrato de aluguel. Na ementa, ficou assentado que “a penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do artigo 3º, inc. VII, da Lei 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da República.

O argumento central apresentado no voto do Min. Cezar Peluso, que foi o grande artífice da virada jurisprudencial no caso da penhora do bem de família do fiador, foi de índole econômica. A lógica foi a seguinte: não aceitar a penhora do bem de família do fiador tornará o contrato de aluguel menos atrativo para os proprietários de imóveis. Logo, o contrato se tornará mais caro. O contrato mais caro irá impedir ou dificultar o acesso à moradia para muitas pessoas menos abastadas. Portanto, ao invés de prejudicar o direito à habitação, a norma que autoriza a penhora do bem de família do fiador, na verdade, possibilita que mais pessoas tenham acesso à moradia, por um preço menor. Em outras palavras, “a norma, abrindo a exceção à inexpropriabilidade do bem de família, é uma das modalidades de conformação do direito de moradia por via normativa, porque permite que uma grande classe de pessoas tenha acesso à locação”.

Particularmente, não concordo com a conclusão do STF, embora reconheça que o argumento econômico foi bem interessante. Na minha visão, a solução poderia ser outra tanto com base na teoria dos direitos fundamentais quanto na própria análise econômica da questão.

Do ponto de vista da teoria dos direitos fundamentais, parece-me que o direito à moradia é um valor mais importante do que o cumprimento do contrato, no caso específico, até porque a obrigação principal foi assumida por terceiro. Além disso, aparentemente, houve violação da isonomia, na medida em que aquele que contraiu a obrigação principal (o inquilino) não poderá perder um eventual imóvel que tenha e o fiador sim.

Mas o importante é o argumento econômico. A idéia levantada pelo Min. Peluso foi a de que a restrição ao direito à moradia do fiador (autorização da penhora do seu bem de família) daria maior garantia aos proprietários de imóveis, reduzindo os custos de inadimplência e, conseqüentemente, baratearia o valor do aluguel, permitindo que mais pessoas pudessem alugar o imóvel. Ou seja, no final das contas, o direito à moradia estaria sendo prestigiado.

Faltou, contudo, demonstrar o acerto do raciocínio com dados mais consistentes. Não há, nos argumentos apresentados, qualquer estudo mais profundo demonstrando que aceitar a penhora do bem de família do fiador irá diminuir o preço das locações ou que não aceitar essa penhora acarretará uma diminuição da oferta de moradias para locação.

Do mesmo modo que o Ministro Peluso estabeleceu uma lógica econômica em favor da sua tese, também é possível, com a mesma lógica (ou seja, sem base empírica), chegar a solução completamente oposta. Vejamos, pois, a questão sob a ótica do fiador para demonstrar que a penhora do bem de família do fiador poderá prejudicar o mercador imobiliário para pessoas de baixa renda.

A partir do momento em que uma pessoa sabe que, assumindo o encargo de fiador, poderá perder seu bem de família, certamente ele pensará duas vezes antes de assinar o contrato. Ou seja, menos pessoas aceitarão ser fiadores de contratos de locação e, conseqüentemente, será mais difícil conseguir alugar um imóvel. É preciso reconhecer que ninguém ganha dinheiro sendo fiador. O encargo é, muitas vezes, resultado de uma relação de confiança e não algo que trará alguma vantagem financeira ao fiador.

Desse modo, como o fiador poderá perder seu imóvel se o inquilino não cumprir com suas obrigações, poucas pessoas aceitarão esse encargo. Logo, os proprietários terão que aceitar alugar seu bem mesmo sem a assinatura de um fiador e, conseqüentemente, terão menos garantias de que o contrato será cumprido. Com menos garantias, os custos de locação aumentarão e, conseqüentemente, o preço de aluguel também irá subir, fazendo com que menos pessoas consigam ter a capacidade econômica para firmar o contrato de inquilinato.

Portanto, até mesmo sob a ótica econômica, a possibilidade de penhora do bem de família do fiador não se justifica. Observe que não tenho qualquer estudo sério capaz de comprovar minha análise econômica da questão, como também o STF não apresentou nada nesse sentido.

Para finalizar, apresento minha conclusão sobre a relação entre direito e economia:

Nem sempre a economia "baterá de frente" com o direito e vice-versa. O pensamento econômico não resulta necessariamente em soluções anti-éticas ou amorais. Aliás, muitas vezes o raciocínio econômico e o ético caminharão juntos, levando aos mesmos resultados, reforçando-se mutuamente na tarefa de convencimento social. Não adianta simplesmente afastar ou deixar de utilizar uma ferramenta que pode ajudar ao invés de atrapalhar a realização de direitos fundamentais.

Além disso, mesmo naqueles pontos em que o direito e a economia "baterão de frente", o importante é ter em conta que esse fenômeno é natural, típico de qualquer disciplina que envolve poder e ideologia. Tanto o direito é pressionado pela economia quanto a economia é pressionada ou limitada pelo direito. Os agentes econômicos sempre procuram moldar as normas jurídicas aos seus interesses econômicos, pressionando o legislador, os juízes e o governo para que as leis sejam úteis aos seus objetivos de maximização das suas riquezas. É a economia pressionando o direito. Por outro lado, o Direito pressiona a economia, limitando o impulso lucrativo dos agentes econômicos, de forma que o capitalismo funcione de maneira mais ética e solidária.

Fortaleza, 12 de dezembro de 2007

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Os bons costumes podem limitar direitos fundamentais?

Aproveitando esta sexta-feira “malemolente”, levanto uma questão muito mais para gerar um debate do que propriamente para dar uma solução. É o seguinte:
Todo mundo sabe que os direitos fundamentais não são direitos absolutos, apesar de estarem na Constituição. Todo mundo sabe que até mesmo a lei pode restringir direitos fundamentais e o faz freqüentemente. Aliás, a lei é, por essência, uma limitação à liberdade. Quando paramos em um semáforo vermelho, nosso direito à liberdade de locomoção está sendo restringido. Se não fosse assim, seria o caos (aliás, se o trânsito já é meio caótico com semáforos, imagine sem). Quando o código penal pune o homicídio, está limitando nossa liberdade de escolha de matar quem a gente quiser. Se não fosse assim, voltaríamos à lei do mais forte. Enfim, limitar direitos fundamentais não é apenas plenamente possível como muitas vezes necessário.
A questão é que não é qualquer limitação aos direitos fundamentais que será válida. Somente será legítima a restrição se for atendido o princípio da proporcionalidade. Não pretendo nesse post discorrer sobre esse princípio. Basta saber que a limitação ao direito fundamental se justifica para preservar outros valores constitucionais de igual ou superior importância. No exemplo do homicídio, a limitação estipulada no código penal é válida, pois a vida, nessa ótica, é mais importante do que a liberdade de matar. No roubo ou no furto, do mesmo modo, considera-se que a proteção ao patrimônio alheio vale mais do que a liberdade de escolha daquele que pratica o crime.
Assim, no intuito de preservar valores tão ou mais importantes, o legislador pode perfeitamente restringir direitos fundamentais.
Agora, finalmente, posso formular meu problema: os “bons costumes”, no sentido de moralidade sexual, é um valor constitucional suficientemente forte para justificar restrições a direitos fundamentais?
Vamos transformar essa questão teórica em algo mais visível: uma mulher, com plena capacidade de discernimento, pode fazer um topless em uma praia freqüentada só por adultos? Seria ato obsceno? A sua liberdade de escolha pode ser limitada em nome dos bons costumes?
Fica levantada a questão.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Estágio Voluntário - Turma Recursal

Aos estudantes de direito que moram em Fortaleza:
estou precisando de estudantes dispostos a aprenderem para me ajudarem nos processos de competência das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais.
Por isso, estou selecionando alguns alunos que queiram participar de um estágio voluntário a partir de fevereiro de 2008. Apesar de não ser remunerado, garanto que o aprendizado compensará, pois o aluno me ajudará diretamente na pesquisa de jurisprudência e na confecção dos votos a serem encaminhados para o colegiado.
Os interessados devem me enviar um e-mail (georgemlima@yahoo.com.br) com um breve curriculum acadêmico, bem como com uma mensagem de no máximo cinco linhas justificando seu interesse em participar deste estágio. Pretendo selecionar no máximo 6 pessoas.
O estágio será no prédio da Rua João Carvalho, no meu gabinete, apesar de as sessões se realizarem no prédio do Centro. O turno será pela tarde, pelo menos três vezes por semana (quatro horas/dia).
Os curriculuns devem ser enviados até o dia 20 de janeiro de 2008.
George Marmelstein - Juiz Federal da 9a Vara/Ce e Presidente da Turma Recursal dos JEFs/Ce

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Novos slides

Novos slides foram acrescentados em Slides das Aulas.

Tive que tirar as imagens para diminuir o tamanho dos arquivos. Mas o que importa é o conteúdo.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

O Cinema e os Direitos Fundamentais

Prezado,
alguns alunos me pediram dicas de filmes sobre direitos fundamentais. Achei interessante a idéia e escrevi o texto abaixo que lista alguns filmes interessantes. Caso você tenha alguma sugestão a acrescentar, é só colocar nos comentários.
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O Cinema e os Direitos Fundamentais
Estudar direitos fundamentais é tão agradável que, às vezes, não é preciso nem muito esforço. Basta ligar a televisão e curtir um filminho.
Há, realmente, muitos filmes que exploram temáticas interessantes para a teoria dos direitos fundamentais. Aliás, alguns foram citados ao longo deste Curso.
Assim, no intuito de estimular um estudo paralelo, apresento uma lista de filmes que tratam, ainda que indiretamente, dos direitos fundamentais.
Sugiro que comece assistindo aos filmes ligados aos julgamentos de Nuremberg. Há vários filmes sobre esse tema. Recomendo, em especial, o filme “Julgamento em Nuremberg” (“Judgement at Nuremberg”), de Stanley Krammer, lançado em 1961, citado no início deste Curso.
Existem muitos outros no mesmo sentido. Pode-se citar, por exemplo, um filme mais recente, cujo título é “O Julgamento de Nuremberg”, com Alec Baldwin fazendo o papel de acusador.
Um interessante filme sobre a liberdade de expressão é “O Povo contra Larry Flynt” (“The People Versus Larry Flynt”), com Woody Harrelson fazendo o papel do produtor de uma revista pornô (Hustler) que enfrentou vários processos na justiça norte-americana em razão das matérias nada sutis que publicava.
Sobre o direito à igualdade entre homens e mulheres, vale conferir o filme “Questão de Honra” (“A Few Good Man”), com a atriz Demi Moore fazendo o papel de uma militar que deseja ingressar na tropa de elite do exército norte-americano.
O filme Filadélfia (“Philadelfia”) com Tom Hanks é um clássico sobre o preconceito contra homossexuais e portadores do vírus HIV.
Dentro da temática “eutanásia”, há dois filmes excelentes: “Mar Adentro”, filme espanhol que ganhou o Oscar de Melhor Filmes Estrangeiro em 2005 e “Menina de Ouro” (“Million Dollar Baby”), com Hillary Swank e Clint Eastwood, que concorreu a sete Oscar em 2005.
A respeito da pena de morte, merece ser mencionado o filme “A Vida de David Gale” (“The Life of David Gale”), com Kevin Spacey.
O filme “Crash”, que venceu o Oscar de Melhor Filme, explora criticamente o sentimento de (in)tolerância étnica e cultural que vigora hoje nos Estados Unidos.

domingo, 18 de novembro de 2007

Concretizando o artigo sexto da Constituição

Afinal, o lazer também é um direito fundamental!

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Sentença: Ato de Vingança ou de Amor?

Upgrade: o Mário Jambo me mandou a referida sentença. Para ver na íntegra, basta clicar aqui.
A sentença mencionada na notícia abaixo é certamente polêmica. Ainda não sei se concordo ou não com o seu mérito.
O Juiz Mário Jambo, que a proferiu, foi meu colega durante o MBA em Poder Judiciário (FGV-RIO). Tenho certeza de que ele sabe o que está fazendo. É uma pessoa extremamente ponderada e com uma energia positiva impressionante. Portanto, deve ter ouvido com cuidado a acusada e se convenceu de que ela mereceria uma segunda chance.
Por isso, faço questão de reproduzir a notícia aqui, parabenizando-o de ter proferido uma decisão tão corajosa e humana.

14/11/2007 - 10:52 Estudante presa por tráfico internacional de drogas no RN é condenada a penas alternativas

As penas de reclusão para o crime de tráfico de droga podem ser substituídas pelas "restritivas de direito", as chamadas penas alternativas. O entendimento é do Juiz Federal Mário de Azevedo Jambo, da 2ª Vara Federal do Rio Grande do Norte.
No julgamento da estudante Estela Taques, 21 anos, presa em flagrante por tráfico internacional de drogas, o juiz substituiu a prisão de dois anos e seis meses por prestação de serviço a comunidade.
Na decisão o Juiz Federal analisou que o crime de tráfico de drogas, apesar da extrema gravidade, não poder ter o mesmo tratamento de um homicídio praticado por grupo de extermínio ou extorsão qualificada pela morte.
Com essa decisão, o Juiz Federal Mário Jambo declarou a inconstitucionalidade do parágrafo 4º do artigo 33 da lei 11.343/06, a Lei de Drogas, que proíbe a substituição da pena restritiva de liberdade em restritiva de direito para os crimes.
Segundo o magistrado, esse trecho da lei vai de encontro a Constituição por não permitir que “se levem em conta as particularidades de cada indivíduo, a sua capacidade de reintegração social e os esforços envidados com vistas à ressocialização”.
Ao invés de ficar reclusa em uma penitenciária, a estudante Estela Taques, que foi presa em flagrante em maio de 2007 no Aeroporto Internacional Augusto Severo quando transportava Ecstasy e maconha trazidos da Holanda, passará dois anos e seis meses prestando serviço. Ela atuará em duas atividades: trabalhará por uma hora diariamente, durante o período em que deveria ficar presa, em uma entidade pública de tratamento e recuperação de dependentes de drogas. A pena do magistrado para Estela Taques também obriga a continuidade dos estudos universitários.
Ela deverá apresentar semestralmente à Justiça a assiduidade e o aproveitamento no curso. A ré ainda pagará uma multa de R$ 2.533, que será paga parcelada.
Nesse item da sentença o Juiz Federal Mário Jambo trouxe um entendimento de incentivo aos estudos da jovem. O pagamento da multa será “em parcelas correspondentes à soma das médias finais dos dois primeiros semestres freqüentados na universidade após a condenação”.
Na sentença, proferida três meses após o Ministério Público Federal apresentar a denúncia, o Juiz destacou: “Deixo claro, com tranqüilidade e firmeza, a minha indignação e contrariedade com soluções legislativas que, longe dos olhos de quem vai ser condenado, colocam o Direito Penal como principal fator para a redução da criminalidade”.
O Juiz Mário Jambo ponderou ainda para a importância do magistrado analisar a pena estritamente necessária para o acusado. “Com todas minhas limitações, não abro mão da responsabilidade que me foi imposta pela Constituição da República em buscar no caso concreto, para cada acusado e dentro da lei, a pena estritamente necessária e suficiente para a prevenção reprovação do delito cometido, buscando, principalmente, a recuperação do apenado e a restauração e reversão, na sociedade, dos fatores facilitadores da reincidência”, escreveu na sentença.
E o magistrado foi ainda mais além: “Não defendo aqui a impunidade, mas a pena estabelecida após a análise das particularidades de cada caso concreto dentro dos limites que o Legislador fixar. O que se rejeita aqui são as fórmulas legislativas rígidas que impeçam as ‘calibragens’ necessárias para uma verdadeira individualização da pena”.
O Juiz Mário Jambo observou ainda que a sentença não é um ato de vingança, mas de amor, que pune quando necessário, sem perder o foco da suficiência e da necessidade. “Em tempos de “tolerância zero” e “lei e ordem” e, principalmente, após o polêmico e magnífico filme “Tropa de Elite”, que por ser polêmico e estimular o debate nada tem de fascista, não tenho como deixar de reafirmar a minha crença inabalável de que uma vara criminal é, antes de tudo, um terreno das garantias fundamentais e instrumento da solidariedade humana. Aqui a sentença penal não é ato de vingança, mas ato de amor, de um amor equilibrado, que pune quando necessário, mas sem perder o foco preciso da suficiência e da necessidade”, ressaltou na sentença.
Fonte: Assessoria da JFRN

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

"Easy Case"

Os constitucionalistas “metidos a besta” ( :-) gostam muito da expressão “hard cases” para se referir àqueles casos de difícil solução, geralmente envolvendo grandes questões políticas e filosóficas. Nunca gostei muito da classificação, pois há casos que são aparentemente simples, mas, no fundo, são mais complexos do que qualquer “hard case”. Quem atua em juizados especiais sabe do que estou falando...
De qualquer modo, semana passada, durante meu trabalho escravo, digo, plantão, me deparei com um caso que, na minha ótica, foi um dos mais fáceis de decidir.
É só ler e conferir.
Por ter sido proferido na pressa do plantão, não houve, naturalmente, nenhuma “maquiagem” doutrinária, nem mesmo jurisprudencial.
Eis o caso:


PROCEDIMENTO CRIMINAL DIVERSO
INQUERITO N.º 1517/2007
INDICIADA: MARIA

Comunicação de Prisão em flagrante referente ao IPL n.º 1517/2007 e Pedido de relaxamento de prisão recebidos em regime de plantão.

DECISÃO

Trata-se de pedido de relaxamento de prisão em flagrante, movido pela Defensoria Pública da União em favor da mulher de nome MARIA, sobre a qual não se tem maiores dados para qualificação, presa em flagrante delito em razão da suposta prática do ilícito previsto no art. 163, inciso III do Código Penal, que prevê pena de detenção de no mínimo de 06 meses e no máximo de 03 anos, e multa.

Narra o auto de prisão em flagrante que, no dia 31 de outubro de 2007, após denúncia de populares, uma viatura da Guarda Municipal dirigiu-se ao prédio do DNOCs, 2ª DR, na rua dos Tabajaras, n.º 11, flagrando uma mulher que, segundo informações, teria danificado torneira de uma fonte localizada na área frontal daquele prédio para tomar banho. A referida mulher, identificando-se apenas como MARIA e afirmando ser moradora de rua, não possuía quaisquer documentos e tendo oferecido resistência no momento da abordagem dos policiais da Guarda, foi algemada e encaminhada à Superintendência Regional da Policia Federal, onde até então encontra-se recolhida.

A Defensoria Pública, em contundente exordial, pontua pela ilegalidade da prisão em flagrante, ante a ausência de delito se considerada for a insignificância do dano patrimonial. Postula assim o relaxamento da prisão de MARIA, com a expedição de alvará de soltura.

Eis um breve relatório, passo a decidir.
Em primeiro lugar, a fundamentação utilizada pela autoridade policial para não arbitrar a fiança, ou seja, a ausência de residência fixa, por ser a acusada moradora de rua, não me parece correta, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana.
No caso, o fato de ela ser moradora de rua e, portanto, não ter residência fixa não é motivo suficiente para negar-lhe o direito à liberdade, já que ela está nessa condição, não por vontade própria, mas em razão de o Poder Público não lhe permitir gozar dos mais básicos direitos para uma vida digna, como por exemplo o direito à moradia.

Além disso, mesmo que se dissesse que a Senhora Maria, por não ter residência fixa, não teria direito à liberdade, ainda assim ela deveria ser solta, pois não há justificativa para a instauração de inquérito policial.

Analisando os fatos narrados na comunicação de prisão em flagrante, bem como da argumentação trazida na peça formulada pela Defensoria Pública, é inegável que razão assiste ao defensor público. Submeter a todo um procedimento criminal uma pessoa, inegavelmente desassistida pelo Poder Público e totalmente desprovida de condições mínimas de higiene e saúde, simplesmente pelo dano causado a uma torneira plástica de um órgão como o DNOCS, foge a qualquer parâmetro do razoável, ainda mais se considerarmos que MARIA, a moradora de rua em questão, somente assim procedeu com o intuito de tomar um simples banho. Dessa forma, a conduta de MARIA é totalmente atípica, uma vez que o bem jurídico ora violado (patrimônio publico) o foi de maneira tão insignificante que não justificaria assim a prisão em flagrante procedida pela autoridade policial, nem sequer a instauração de inquérito para apuração de fato.

A Constituição Federal garante ao Magistrado a possibilidade de conceder a ordem de habeas corpus, de oficio, ante a ilegalidade de prisão, conforme se observa nos incisos transcritos a seguir:

“Art. 5º. (...)
LXVII – conceder-se-á hábeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofre violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder.”

Além disso, indiscutível a consagração do principio da insignificância à jurisprudência pátria, referendada em inúmeras decisões do Supremo Tribunal Federal, dentre as quais faço menção a colacionada pela Defensoria Pública em sua peça, que destaca muito bem a atipicidade do “crime de bagatela”, em face da insignificância jurídica do ato, em clara aplicação do referido principio.

Assim, pelos argumentos acima expostos, entendo por ilegal a prisão em flagrante realizada pela Autoridade Policial, CONCEDENDO ORDEM DE HABEAS CORPUS no sentido de que se proceda ao trancamento do inquérito policial n.º 1517/2007, e consequentemente que seja expedido alvará de soltura para a imediata liberação da requerente qualificada como MARIA, presa e indiciada no referido IPL. Oficie-se.

Oportunamente, vista ao representante do Ministério Público Federal. Expedientes necessários e urgentes.

Fortaleza, 1 de novembro de 2007.

GEORGE MARMELSTEIN LIMA
Juiz Federal Plantonista.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Uma rápida viagem...

Pessoal,
estou cheio de dilemas na estrutura do Curso, que não vem ao caso.... Por isso, a demora em postar novos capítulos (que já estão praticamente escritos, só falta concatenar as idéias).
De qualquer modo, envio um texto que escrevi durante minhas últimas férias, que estou pensando em colocar no livro, não sei ainda...
É uma rápida viagem. Aqui vai:


Princípio Antrópico: uma justificativa científica para a dignidade humana
“O Homem é a medida de todas as coisas” - Protágoras


O presente texto não é propriamente “jurídico”. Na verdade, não tem nada de jurídico. Ele contém apenas algumas inquietações “filosóficas” de um jurista que também gosta de temas como a criação do universo e da vida. Por isso, ele não é uma peça essencial deste Curso de Direitos Fundamentais, embora tenha uma conexão com o princípio dignidade da pessoa humana. Se você preferir “pular” essa análise do princípio antrópico fique à vontade. Do contrário, caso prefira continuar essa “viagem”, sugiro que mantenha os pés no chão e a cabeça nas nuvens, ou melhor, nas estrelas.

Em princípio, pode parecer meio sem sentido tentar fazer alguma ligação entre as descobertas científicas e a dignidade da pessoa humana. Afinal, o que é que o modelo do “big bang” ou a física quântica teriam a acrescentar à concepção jurídica de dignidade humana?
Na verdade, elas modificam bastante os fundamentos filosóficos que alicerçam a dignidade do homem.

Como se sabe, a noção original de dignidade da pessoa humana foi moldada e construída a partir da concepção de que o “homem é a medida de todas as coisas”. Feitos à imagem e semelhança de Deus, os homens seriam criaturas divinas especiais ocupando um lugar de destaque no universo, até porque o Planeta Terra seria o centro de tudo.

De repente, a ciência conseguiu destruir cada uma dessas cômodas concepções de mundo, que nos fazia viver melhor, já que fornecia algum sentido especial para nossa existência.

Primeiro, vieram Copérnico, Kepler, Galileu, entre outros, que demonstraram que a terra gira em torno do sol e não o contrário. Logo, se existisse um centro para o universo, esse centro seria ocupado pelo sol e não pela Terra.

Depois, vieram os astrônomos com seus poderosos telescópios que demonstraram que a Via Láctea é apenas mais uma entre bilhões de outras galáxias que compõem o universo (cerca de 140 bilhões), muitas delas bem maiores do que a nossa.

Portanto, como explica o físico brasileiro Marcelo Gleiser, “nossa galáxia, a Via Láctea, é apenas uma entre bilhões de outras, sendo sua posição perfeitamente irrelevante. Nosso planeta não ocupa uma posição especial no sistema solar, nosso Sol não ocupa uma posição especial em nossa galáxia, e nossa galáxia não ocupa uma posição especial no Universo”[1].

Além disso, dentro da linha temporal do universo, ainda somos apenas bebês. A Terra tem cerca de 4,6 bilhões de anos, enquanto os homens existem há apenas alguns milhares de anos. Se a história do universo fosse representada como uma linha do tempo esticada entre as mãos na extremidade de dois braços estendidos, então uma lixa de unha poderia apagar toda a existência humana com um único aparar de unhas[2]. “Nós fazemos parte de apenas cerca de 0,0001% da história da terra”[3].

Em um contexto menos cosmológico, Charles Darwin apresentou provas convincentes de que os homens seriam apenas uma evolução natural dos primatas, que, na luta pela vida (“struggle for life”), conseguiram desenvolver algumas habilidades diferenciadoras, como a capacidade de raciocinar.

Um século depois de Darwin, com a descoberta do DNA e com o mapeamento do genoma humano, ficou efetivamente demonstrado que não somos muito diferentes, em essência biológica, do que os nossos ancestrais primatas:

“Por mais complexa que seja, no nível químico a vida é curiosamente trivial: carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio, um pouco de cálcio, uma pitada de enxofre, umas partículas de outros elementos bem comuns – nada que você não encontre na farmácia próxima -, e isso é tudo de que você precisa. A única coisa especial nos átomos que o constituem é constituírem você”[4].

Será que somos mesmo apenas “filhos do carbono e do amoníaco”, como defendia pessimistamente o poeta Augusto dos Anjos? Somos apenas “lixo nuclear” ou “refugos estrelares”, como dizem os astrofísicos mais realistas?

Não é bem assim. Na verdade, a própria ciência, responsável pela destruição dos mitos da criação, cuidou de encontrar respostas para tornar mais relevante nosso papel no universo. Como defende Simon Singh, parece as forças que controlam a evolução do universo foram ajustadas cuidadosamente para que existíssemos[5]. O princípio antrópico – prossegue Singh – declara que qualquer teoria cosmológica deve levar em conta o fato de que o universo evoluiu para nos conter[6].

No mesmo sentido, Bryson explica:

“Para estar aqui agora, vivo no século XXI e suficientemente inteligente para saber disso, você também teve de ser o beneficiário de uma cadeia extraordinária de boa sorte biológica. A sobrevivência na Terra é um negócio extremamente difícil. Das bilhões e bilhões de espécies de seres vivos que existiram desde a aurora do tempo, a maioria – 99,99% - não está mais aqui” [7].

Outra imagem bastante ilustrativa sobre a mágica da vida humana é a seguinte: imagine uma caixa bem grande contendo todas as peças de um Boing 777 desmontadas. Imagine agora que um furacão igualmente grande passou bem no local onde estava a caixa e a balançou bem muito. Depois que o furacão passar, você abre a caixa e vê o Boing todo montadinho, bonitinho, pronto para decolar. Essa é a mesma probabilidade para você está aqui hoje, vivo e pensando nessas coisas.

Seguindo essa mesma linha de reflexão, Marcelo Gleiser chega à conclusão de que:

“somos mesmo raros, que a vida é um privilégio e que a inteligência é uma centelha do divino que carregamos conosco. Com o poder vem a responsabilidade: se somos raros, devemos fazer todo o possível para preservar o que temos, para preservar nossa casa, nosso maravilhoso planeta, que nos permitiu chegar até aqui. Temos o dever não só de preservar a vida aqui, mas de criar uma ética cósmica, de espalhá-la pela galáxia, de fazer do cosmo uma entidade humana. Talvez seja esse o nosso destino: povoar o universo de vida, celebrando a cada dia sua criatividade inigualável. Se as estrelas nos deram a poeira da qual somos feitos, e o Sol a energia para animá-la com vida, cabe a nós louvá-la. Disso depende o futuro de nossa espécie e, talvez, da vida no universo”[8].

Provavelmente, mais importante do que a capacidade de pensar e de se maravilhar com o mundo à nossa volta seja a capacidade de pensar eticamente. Fazer o bem não por instinto, mas por consciência de que isso é certo é, provavelmente, o que distingue os seres humanos dos outros seres. “Como seres humanos somos duplamente sortudos, é claro. Desfrutamos não só do privilégio da existência, mas também da capacidade singular de apreciá-la e até, de inúmeras maneiras, torná-la melhor” [9].

Para finalizar, faço questão de reproduzir as proféticas palavras de Pico Della Miràndola, que, no longínquo ano de 1486, escreveu um livro justamente sobre “A Dignidade do Homem” (o título original é “Oratio de Hominis Dignitate”), onde prenunciou:

“o homem, na verdade, é reconhecido e consagrado, com plenitude de direitos, por ser, efetivamente, um milagre”[10].

Agora podemos pousar.
[1] GLEISER, Marcelo. A Dança do Universo – dos mitos de criação ao big-bang. 2ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 353.
[2] SINGH, Simon. Big Bang. São Paulo: Editora RCB, 2006, p. 439.
[3] BRYSON, Bill. Uma Breve História de Quase Tudo. São Paulo: Quetzal Editores, 2004, p. 484. Para ilustrar a dimensão irrisória da participação humana no Planeta Terra, Marcelo Gleiser faz a seguinte ilustração: vamos imaginar que a Terra não tenha 4,6 bilhões de anos, mas apenas 46 anos. Nessa escala, nada podemos afirmar concretamente sobre a vida na primeira década de existência da Terra. A vida surgiu há pelo menos 35 anos, quando a Terra tinha onze anos. Montanhas e oceanos se formaram, e durante muito tempo a vida permaneceu em seu estado primitivo. Seres multicelulares surgiram há vinte anos. A vida floresceu nos oceanos há apenas seis anos, e saiu da água há quatro. Plantas e animais dominaram a superfície há dois anos. Os dinossauros atingiram o auge de sua existência há um ano, e quatro meses depois estavam extintos. Macacos humanóides se transformaram em humanóides macacos na semana passada, e a última Idade do Gelo ocorreu há alguns dias. Nossa espécie – Homo sapiens – surgiu cerca de uma hora atrás. E a renascença, junto com nossos heróis, Copérnico, Galileu, Kepler e Newton, aconteceu há apenas três minutos! (GLEISER, Marcelo. Poeira das Estrelas. Rio de Janeiro: editora Globo, 2006, p. 224/225).
[4] BRYSON, Bill. Uma Breve História de Quase Tudo. São Paulo: Quetzal Editores, 2004, p. 12.
[5] SINGH, Simon. Big Bang. São Paulo: Editora RCB, 2006, p. 451.
[6] SINGH, Simon. Big Bang. São Paulo: Editora RCB, 2006, p. 451. O filósofo canadense John Leslie imaginou o cenário do pelotão de fuzilamento para elucidar o princípio antrópico. Imagine que você foi acusado de traição e está esperando para ser executado diante de um pelotão de vinte soldados. Você ouve a ordem para disparar, vê os vinte fuzis atirararem e então percebe que nenhuma bala o atingiu. A lei diz que você pode ir embora, livre, em tal situação, mas, à medida que caminha para liberdade, começa a se perguntar por que ainda está vivo. Será que todas as balas erraram por acaso? Será que esse tipo de coisa acontece uma vez a cada 10 mil execuções, ou você apenas teve muita sorte? Ou haveria um motivo por trás de sua sobrevivência? Será que todos os vinte integrantes do pelotão de fuzilamento erraram deliberadamente porque acreditavam na sua inocência? Ou será que, quando as miras dos fuzis foram calibradas na noite anterior houve um erro de alinhamento, de modo que todos os fuzis dispararam dez graus para a direita do alvo? Você pode passar o resto da sua vida presumindo que a execução fracassada foi produto apenas acaso, mas será difícil não associar algum significado mais profundo à sua sobrevivência. p. 451/2
[7] BRYSON, Bill. Uma Breve História de Quase Tudo. São Paulo: Quetzal Editores, 2004, p. 12.
[8] GLEISER, Marcelo. Poeira das Estrelas. Rio de Janeiro: editora Globo, 2006, p. 275.
[9] BRYSON, Bill. Uma Breve História de Quase Tudo. São Paulo: Quetzal Editores, 2004, p. 484.
[10] MIRÀNDOLA, Pico Della. A Dignidade do Homem. Ed. Escala: São Paulo, 2002, p. 38.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Mais uma da série "decisões politicamente incorretas"

Mais uma decisão para se somar ao rol das "Pérolas Jurisprudenciais: senteças politicamente incorretas".
Um Juiz Estadual de Sete Lagoas (MG) considerou a Lei Maria da Penha inconstitucional. Até aí, nada de tão grave. Porém, veja um trecho da fundamentação:
"esta Lei Maria da Penha é, portanto, de uma heresia manifesta. Herética porque é antiética; herética porque fere a lógica de Deus; herética porque é inconstitucional e por tudo isso flagrantemente injusta. Ora! A desgraça humana começou no Éden: por causa da mulher, todos nós sabemos, mas também em virtude da ingenuidade, da tolice e da fragilidade emocional do homem (…) O mundo é masculino! A idéia que temos de Deus é masculina! Jesus foi homem!
Para não se ver eventualmente envolvido nas armadilhas dessa lei absurda, o homem terá de se manter tolo, mole, no sentido de se ver na contingência de ter de ceder facilmente às pressões.
A vingar esse conjunto de regras diabólicas, a família estará em perigo, como inclusive já está: desfacelada, os filhos sem regras, porque sem pais; o homem subjugado.
O mundo é masculino... é, não dá para dizer que ele está mentindo. Mas eu imaginei que o papel das instituições fosse modificar isso, não sedimentar".
Upgrade: Eis um trecho um pouco maior, extraído do Consultor Jurídico:

DECISÃO
Autos nº 222.942-8/06 (“Lei Maria da Penha”)
Vistos, etc...
O tema objeto destes autos é a Lei nº 11.340/06, conhecida como “Lei Maria da Penha”. Assim, de plano surge-nos a seguinte indagação: devemos fazer um julgamento apenas jurídico ou podemos nos valer também de um julgamento histórico, filosófico e até mesmo religioso para se saber se esse texto tem ou não autoridade?
No caso dos anencéfalos, lembro-me que Dr. Cláudio Fonteles — então Procurador-Geral da Republica — insistia todo o tempo em deixar claro quesua apreciação sobre o tema (constitucionalidade ou não do aborto dos anencéfalos) baseava-se em dados e em reflexões jurídicas, para, quem sabe, não ser “acusado” de estar fazendo um julgamento ético, moral, e portanto de significativo peso subjetivo.
Ora! Costumamos dizer que assim como o atletismo é o esporte-base, a filosofia é a ciência-base, de forma que temos de nos valer dela, sempre.
Mas querem uma base jurídica inicial? Tome-la então! O preâmbulo de nossa Lei Maior:
“ Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundadas na harmonia social e comprometida na ordem interna e internacional, com solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da Republica Federativa do Brasil.” — grifamos.
Diante destes iniciais argumentos, penso também oportuno — e como se vê juridicamente lícito — nos valer também de um julgamento histórico, filosófico e até mesmo religioso para se saber se esse texto, afinal, tem ou não autoridade. Permitam-me, assim, tecer algumas considerações nesse sentido.
Se, segundo a própria Constituição Federal, é Deus que nos rege — e graças a Deus por isto — Jesus está então no centro destes pilares, posto que, pelo mínimo, nove entre dez brasileiros o têm como Filho Daquele que nos rege. Se isto é verdade, o Evangelho Dele também o é. E se Seu Evangelho — que por via de conseqüência também nos rege — está inserido num Livro que lhe ratifica a autoridade, todo esse Livro é, no mínimo, digno de credibilidade — filosófica, religiosa, ética e hoje inclusive histórica.
Esta “Lei Maria da Penha” — como posta ou editada — é portanto de uma heresia manifesta. Herética porque é anti-ética; herética porque fere a lógica de Deus; herética porque é inconstitucional e por tudo isso flagrantemente injusta.
Ora! A desgraça humana começou no Éden: por causa da mulher — todos nós sabemos — mas também em virtude da ingenuidade, da tolice e da fragilidade emocional do homem.
Deus então, irado, vaticinou, para ambos. E para a mulher, disse:
“(...) o teu desejo será para o teu marido e ele te dominará (...)”
Já estalei diz que aos homens não é dado o direito de “controlar as ações (e) comportamentos (...)” de sua mulher (art. 7º, inciso II). Ora! Que o “dominar” não seja um “você deixa?”, mas ao menos um “o que você acha?”. Isto porque o que parece ser não é o que efetivamente é, não parecia ser. Por causa da maldade do “bicho” Homem, a Verdade foi então por ele interpretada segundo as suas maldades e sobreveio o caos, culminando — na relação entre homem e mulher, que domina o mundo — nesta preconceituosa lei.
Mas à parte dela, e como inclusive já ressaltado, o direito natural, e próprio em cada um destes seres, nos conduz à conclusão bem diversa. Por isso — e na esteira destes raciocínios — dou-me o direito de ir mais longe, e em definitivo! O mundo é masculino! A idéia que temos de Deus é masculina! Jesus foi Homem! Á própria Maria — inobstante a sua santidade, o respeito ao seu sofrimento (que inclusive a credenciou como “advogada” nossa diante do Tribunal Divino) — Jesus ainda assim a advertiu, para que também as coisas fossem postas cada uma em seu devido lugar: “que tenho contigo, mulher!?”.
E certamente por isto a mulher guarda em seus arquétipos inconscientes sua disposição com o homem tolo e emocionalmente frágil, porque foi muito também por isso que tudo isso começou.
A mulher moderna — dita independente, que nem de pai para seus filhos precisa mais, a não ser dos espermatozóides — assim só o é porque se frustrou como mulher, como ser feminino. Tanto isto é verdade — respeitosamente — que aquela que encontrar o homem de sua vida, aquele que a complete por inteiro, que a satisfaça como ser e principalmente como ser sensual, esta mulher tenderá a abrir mão de tudo (ou de muito), no sentido dessa “igualdade” que hipocritamente e demagogicamente se está a lhe conferir. Isto porque a mulher quer ser amada. Só isso. Nada mais. Só que “só isso” não é nada fácil para as exigências masculinas. Por isso que as fragilidades do homem tem de ser reguladas, assistidas e normatizadas, também. Sob pena de se configurar um desequilíbrio que, além de inconstitucional, o mais grave, gerará desarmonia, que é tudo o que afinal o Estado não quer.
Ora! Para não se ver eventualmente envolvido nas armadilhas desta lei absurda o homem terá de se manter tolo, mole — no sentido de se ver na contingência de ter de ceder facilmente às pressões — dependente, longe portanto de ser um homem de verdade, másculo (contudo gentil), como certamente toda mulher quer que seja o homem que escolheu amar.
Mas pode-se-ia dizer que um homem assim não será alvo desta lei. Mas o será assim e o é sim. Porque ao homem desta lei não será dado o direito de errar. Para isto, basta uma simples leitura do art. 7ª, e a verificação virá sem dificuldade.
Portanto, é preciso que se restabeleça a verdade. A verdade histórica inclusive e as lições que ele nos deixou e nos deixa. Numa palavra, o equilíbrio enfim, Isto porque se a reação feminina ao cruel domínio masculino restou compreensível, um erro não deverá justificar o outro, e sim nos conduzir ao equilíbrio. Mas o que está se vendo é o homem — em sua secular tolice — deixando-se levar, auto-flagelando-se em seu mórbido e tolo sentimento de culpa.
Enfim! Todas estas razões históricas, folosóficas e psicossociais, ai invés de nos conduzir ao equilíbrio, ao contrário vêm para culminar nesta lei absurda, que a confusão, certamente está rindo à toa! Porque a vingar este conjunto normativo de regras doabólicas, a família estará em perigo, como inclusive já está: desfacelada, os filhos sem regras — porque sem pais; o homem subjugado; sem preconceito, como vimos, não significa sem ética — a adoção por homossexuais e o “casamento” deles, como mais um exemplo. Tudo em nome de uma igualdade cujo conceito tem sido prostituído em nome de uma “sociedade igualitária”.
Não! O mundo é e deve continuar sendo masculino, ou de prevalência masculina, afinal. Pois se os direitos são iguais — porque são — cada um, contudo, em seu ser, pois as funções são, naturalmente diferentes. Se se prostitui a essência, os frutos também serão. Se o ser for conspurcado, suas funções também o serão. E instalar-se-á o caos.
É portanto por tudo isso que de nossa parte concluímos que do ponto de vista ético, moral, filosófico, religioso e até histórico a chamada “Lei Maria da Penha” é um monstrengo tinhoso. E essas digressões, não as faço à toa — este texto normativo que nos obrigou inexoravelmente a tanto. Mas quanto aos seus aspectos jurídico-constitucionais, o “estrago” não é menos flagrante.
Contrapondo-se a “Lei Maria da Penha” com o parágrafo 8° do art. 226 da C.F. vê-se o quanto ela é terrivelmente demagógica e fere de morte o princípio da isonomia em suas mais elementares apreciações.
“O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações” — grifos nossos.
Este é o que é o art. 226, parágrafo 8°, da Constituição federal de nossa República! A “Lei Maria da Penha” está longe de constitucionalmente regulamenta-lo, ao contrário do que diz, logo no seu art. 1°: “(...) nos termos do parágrafo 8° do art. 226 da Constituição federal (...)”.Ora! A clareza desta inconstitucionalidade dispensa inclusive maiores digressões: o parágrafo 8° diz — “(...) cada um” dos membros que a integram e não apenas um dos membros da família, no caso a mulher.
Esta Lei não seria em nada inconstitucional não fosse o caráter discriminatório que se vê na grande maioria de seus artigos, especialmente o art. 7°, o qual constitui o cerne, o arcabouço filosófico-normativo desta “Lei Maria da Penha”, na medida em que define ele o que vem a ser, afinal, “violência doméstica e familiar”, no âmbito da qual contempla apenas a mulher. Este foi o erro irremediável desta Lei, posto que continuou tudo — ou quase tudo — até os salutares artigos ou disposições que disciplinam as políticas públicas que buscam prevenir ou remediar a violência — in casu a violência doméstica e familiar — na medida em que o Poder Público — por falta de orientação legistaliva — não tem condições de se estruturar para prestar assistência também ao homem, acaso, em suas relações domésticas e familiares, se sentir vítima das mesmas ou semelhantes violências. Via de conseqüência, os efeitos imediatos do art. 7° — e que estão elencados especialmente no art. 22 — tornaram-se impossíveis de ser aplicados, diante do caráter discriminatório de toda a Lei. A inconstitucionalidade dela, portanto, é estrutural e de todas as inconstitucionalidades, a mais grave, pois fere princípios de sobrevivência social harmônica, e exatamente por isso preambularmente definidos na Constituição Federal, constituindo assim o centro nevrálgico de todas as suas supremas disposições.
A Lei em exame, portanto, é discriminatória. E não só literalmente como, especialmente, em toda a sua espinha dorsal normativa.
O art. 2° diz “Toda mulher (...)”. Por que não o homem também, ali, naquelas disposições? O art. 3° diz “Serão assegurados às mulheres (...)”. Porque não ao homem também? O parágrafo 1° do mesmo art. 3° diz “O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares (...)” (grifei). Mas porque não dos homens também? O art. 5° diz que “configura violência doméstica e familiar contra a mulher (...)”. Outro absurdo: de tais violências não é ou não pode ser vítima também o homem? O próprio e malsinado art. 7° — que define as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher — delas não pode ser vítima também o homem? O art. 6° diz que “A violência familiar e doméstica contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos” Que absurdo! A violência contra o homem não é forma também de violação de seus “direitos humanos”, se afinal constatada efetivamente a violência, e ainda que definida segundo as peculiaridades masculinas?
Neste ponto, penso oportuno consignar o pensamento de uma mulher — a Dra. Elisabeth Rosa Baich (titular do 4° Juizado Especial de BH, por quem se vê que nem tudo está perdido) — que em artigo recentemente publicado vem ratificar esta nossa linha de raciocínio. Disse então a eminente juíza:
“A prática forense demonstra que muito embora a mulher seja a vítima em potencial da violência física, o homem pode ser alvo de incontestáveis ataques de cunho psicológico, emocional e patrimonial no recesso do lar, situações que se condicionam, por óbvio, ao local geográfico, grau de escolaridade, nível social e financeiro que, evidentemente, não são iguais para todos os brasileiros.
A lei, no entanto, ignora toda essa rica gama de nuances e seleciona que só a mulher pode ser vítima de violência física, psicológica e patrimonial nas relações domésticas e familiares. Além disso, pelas diretrizes da lei, a título de ilustração, a partir de agora o pai que bater em uma filha, e for denunciado, não terá direito a nenhum beneficio; se bater em um filho, entretanto, poderá fazer transação”;
Enfim! O legislador brasileiro, como de hábito tão próspero, não foi feliz desta vez!
E quando a questão que se passa a examinar é a da competência, aí o estrago é maior, embora, ao menos eu, me veja forçado a admitir que não há inconstitucionalidade na norma do caput do art. 33 da Lei nº 11.340/06 quando diz que “enquanto não estruturados os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as varas criminais acumularão competência cível e criminal para conhecer e julgar as causas (...)” – grifei. Contudo, volto a me valer da visão inteligente da Dra. Elisabeth Rosa Baich, pela qual se verifica que as disposições da “Lei Maria da Penha”, no que se refere ao tema da competência e do julgamento prático dos processos que lhe constituam o objeto, deixara o operador do direito em situação de quase instransponível perplexidade. Disse ela:
“antes do advento da lei, por exemplo, os juizes das varas de família julgavam os processos de divórcio, separação e conflitos daí decorrentes, como pensão e guarda de filhos. O juiz titular da vara do júri julgava os homicídios dolosos contra a vida, e assim por diante.
A Lei da violência doméstica e familiar, no entanto, ignora todos esses critérios seculares ao determinar que os tribunais deverão criar varas especificas para a violência doméstica. E estabelece que enquanto essas varas não forem criadas, os juizes criminais deverão acumular competência cível e criminal para os casos da violência doméstica, com prioridade sobre todos os processos, sem excepcionar nem mesmo os réus presos (art. 33). Não explica (ainda) como, porém, os juízes criminais poderão julgar ações cíveis (o que sem dúvida constitui um grave e quase intransponível complicador, na prática forense, antes da efetiva criação dos Juizados da Violência contra a Mulher).
Ora, diante da multiplicidade das situações enquadradas como ofensivas, não há nem como prever quais serão as causas a serem julgadas nessa vara ou pelos juízes criminais porque enfim todo tipo de processo que tramita no fórum pode guardar um hipótese de violência doméstica ou familiar.
Assim, a prevalecer a falta de critério, o titular da vara da violência doméstica deverá processar causas totalmente dispares entre si como o júri, estupro, atentado violento ao pudor, separações e divórcios litigiosos, lesões corporais, ameaça, difamação e tudo o mais que couber no juízo de valor subjetivo das partes, dos advogados, dos juízes que poderão a qualquer momento declinar de sua competência se o tema da violência doméstica aparecer no decorrer do processo e até mesmo do distribuidor do fórum, já que não haverá uma classe predeterminada de ações”.
Pos bem! Como disse, e apesar do “estrago”, não vejo inconstitucionalidade propriamente dita nas regras de competência previstas da “Lei Maria da Penha” porque compete mesmo à União — e inclusive privativamente — legislar sobre direito processual (art. 22-I/C.F.) e, consequentemente, ditar as regras das respectivas competências, deixando para os Estados e o Distrito Federal (e ainda a própria União) apenas o poder de legislarem, concorrentemente, sobre os procedimentos em matéria processual (art. 24-XI/C.F.) e ainda, aos Estados, o poder de iniciativa da lei de organização judiciária, isto é, que apenas organiza os seus juízos, podendo, é claro, propor lei sobre regras gerais de processo, mas desde que inexistia lei federal ou seja esta eventualmente lacunosa em algum aspecto relevante (§ 3º do citado art. 24), observado, é claro, o disposto no § 4º do mesmo art. 24.
(...)
Não podemos negar que uma lei específica — regulando a violência no âmbito doméstico (contra o homem também, é claro, embora principalmente contra a mulher, admitimos) — é salutar e porque não dizer até oportuna. Mas até que a inconstitucionalidade de determinadas disposições seja sanada — com algumas alterações imprescindíveis em todo o seu arcabouço normatizador — a mulher não estará desamparada, pois temos normas vigendo que a protegem, como as regras do Direito de Família, o Estatuto da Mulher, as Leis Penais e de Execução Penal, as normas cautelares no âmbito processual civil e porque não dizer até no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Em virtude de tudo isso, e por considerar, afinal, e em resumo, discriminatório — e PORTANTO INCONSTITUCIONAIS (na medida em que ferem o princípio da isonomia, colidindo ainda frontalmente com o disposto no § 8º do art. 226 da Constituição Federal) — NEGO VIGÊNCIA DO ART. 1º AO ART. 9º; ART. 10, PARÁGRAFO ÚNICO; ART. 11, INCISO V; ART. 12, INCISO III; ARTS 13 E 14; ARTS. 18 E 19; DO ART. 22 AO ART. 24 e DO ART. 30 AO ART. 40, TODOS DA LEI Nº 11.340/06, conhecida como “Lei Maria da Penha”.
OS DEMAIS ARTIGOS — ora não mencionados por este juízo — O TENHO POR CONSTITUCIONAIS, pois muito embora dêem tratamento diferenciado à mulher, não os considero propriamente discriminatórios, na medida em que diferencia os desiguais, sem contudo extremar estas indiscutíveis diferenças, a ponto de negar, por via obliqua ou transversa, a existência das fragilidades dos homens pondo-o em flagrante situação de inferioridade e dependência do ser mulher, em sua mútua relação de afeto.
Há disposições — como, por exemplo, o inciso V do art. 22, o § 1º desse artigo, dentre alguns outros (os quais também inseri na negativa de vigência da declarada) — devo ressalvar que assim o fiz em virtude da forma pela qual fora contextualizados no arcabouço filosófico-normativo desta Lei. Contudo, as disposições que estes artigos encerram já têm amparo em outras instâncias legislativas, podendo, até, ser decretada a prisão cautelar do agressor nos autos do respectivo I.P., se assim o entender a digna autoridade policial ou mesmo o Ministério Público, e desde que, para tanto, representem perante este juízo.
Preclusa a presente decisão — DETERMINO o retorno dos autos à Depol para a conclusão de suas investigações ou o apensamento destes autos aos do respectivo IP.
As medidas protetivas de urgência ora requeridas deverão ser dirimidas nos juízos próprios — cível e/ou de família — mediante o comparecimento da ofendida na Defensoria Pública desta Comarca, se advogado particular não puder constituir. Para tanto, intime-se-a, pessoalmente ou por seu patrono, se já o tiver.
Acaso haja recurso desta decisão, forme-se translado destes autos e os encaminhe, por ofício, à digna e respeitada autoridade policial e em seguida venham os originais imediatamente conclusos para o regular processamento do eventual recurso.
Intimem-se ainda o M.P. e cumpra-se.
Sete Lagoas/MG, 12 de fevereiro de 2007
Edílson Rumbelsperger Rodrigues
Juiz de Direito
Revista Consultor Jurídico, 23 de outubro de 2007

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Jurisprudenciando: Penhora on-line e mínimo existencial

Proferi a decisão abaixo agora à tarde. Como a matéria envolve conceitos importantes de direitos fundamentais (mínimo existencial, dignidade da pessoa humana, ponderação, proporcionalidade), resolvi compartilhá-la, apesar de a fundamentação ser bem simples, sem muitas frescurites acadêmicas.
Lá vai:
DECISÃO

Pretende o executado a liberação do valor bloqueado por meio do Sistema Bacen-Jud e que está depositado em conta corrente pertencente à pessoa jurídica executada.
Alega em favor de seu pleito que a empresa não está mais em funcionamento e que tais valores são destinados a sua manutenção pessoal, pois já tem mais de 80 (oitenta) anos e tem vários problemas de saúde, além de não possuir nenhuma outra fonte de renda.
Instada a se manifestar, a Fazenda Nacional se opôs ao pedido.
É o relatório. Passo a decidir.
No caso dos autos, não há, em princípio, qualquer dispositivo legal que autorize a liberação do valor bloqueado. A conta corrente em questão pertence, em verdade, à empresa executada e não ao sócio da referida empresa.
No entanto, entendo que a manutenção do bloqueio constituiria uma violação patente de princípios constitucionais de extrema relevância, em especial o princípio da capacidade contributiva e o princípio da dignidade da pessoa humana. Explico minhas razões.
Conforme foi demonstrado nos autos, a empresa executada não se encontra mais em funcionamento há alguns anos (v. fls. 68/79). Esse fato nos induz a concluir que os valores depositados na conta corrente, apesar de estar no nome da pessoa jurídica, são, na verdade, movimentados para custear as despesas do próprio sócio, enquanto pessoa física, já que, comprovadamente, a empresa está fechada, não tendo custos de funcionamento ou manutenção. Logo, aparentemente, a conta corrente pertence, em verdade, ao próprio sócio, apesar de estar no nome da empresa.
De acordo com a declaração de renda apresentada, o sócio não possui qualquer renda formal, nem qualquer bem em seu nome. Logo, é presumível que aquele dinheiro seja o único capaz de manter a sua sobrevivência.
Vale ressaltar que o contribuinte em questão, além de ter uma idade bastante avançada (mais de 80 anos), sofre de inúmeras doenças graves, com custos de tratamento elevados (v. fls. 80/107), o que já seria suficiente para a liberação da quantia ora bloqueada. Afinal, fazendo uma ponderação de valores, o direito à vida é certamente bem mais importante do que a satisfação do crédito fiscal.
Por fim, importa destacar que o presente caso enquadra-se entre aqueles em que a manutenção do bloqueio ofenderia o direito de subsistência do executado, atingindo a proteção ao mínimo existencial e violando, como conseqüência, o princípio da dignidade da pessoa humana.
Sobre o tema, Ricardo Lobo Torres defende que “o mínimo existencial, como condição de liberdade, postula as prestações positivas estatais de natureza assistencial e ainda exibe o status negativus, das imunidades fiscais: o poder de imposição do Estado não pode invadir a esfera da liberdade mínima do cidadão representada pelo direito de subsistência” (TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro Tributário. 12ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 70 - grifamos).
Ressalte-se que a Constituição Federal condiciona o poder de tributar à observância da capacidade econômica do contribuinte (art. 145, §1º, da CF/88). De se observar também a vedação de utilização de tributo com efeito de confisco, contida no art. 150, inc. IV, da CF/88. No caso específico, sendo o contribuinte pessoa sem renda, sem bens, idosa e doente, não é proporcional tomar-lhe as últimas economias para garantir a cobrança de uma dívida fiscal contraída há mais de dez anos.
Dessa forma, DEFIRO O PEDIDO de fls. 115/7 para determinar o imediato desbloqueio dos valores constantes das contas referidas às fls. 117 existentes em nome da pessoa jurídica.
Implementado, vista à Fazenda Nacional.
Cópia desta decisão nos autos em apenso.
Expedientes. Urgência.
Fortaleza, 18 de outubro de 2007.


GEORGE MARMELSTEIN LIMA
Juiz Federal da 9ª Vara

terça-feira, 16 de outubro de 2007

De volta...

Depois de uma agradável maratona pela Itália, na qual, em apenas onze dias, conheci dez cidades lindíssimas (Milão, Veneza, Florença, Montalcino, Siena, Pisa, Lucca, Perúgia, Assisi e Roma), estou de volta ao batente.
Ainda sem inspiração para escrever alguma coisa de útil, informo apenas que já estou coletando material para um novo post sobre a jurisprudência do STF em matéria de direitos fundamentais. A propósito desse tema, proferi, antes de viajar, uma palestra em Mossoró na qual analisei criticamente as decisões do STF. Como muita gente pediu os slides, já os coloquei no blog, basta clicar aqui (Palestra: Os direitos fundamentais e o Supremo Tribunal Federal). É a versão "simples" do slide, sem as frescurites que o "Ovation" proporciona.
No mais, gostaria de parabenizar a todos os professores pelo dia de ontem. Tanti auguri per voi...

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Pausa para Descanso

O blog passará um tempo (uns quinze dias) sem atualizações.

Como não sou de ferro, estarei nesse início de outubro curtindo minhas merecidas férias na Itália.

Passarei dez dias no velho mundo, conhecendo as terras de Dante, Leonardo da Vinci, Michelangelo, entre outros gênios italianos. :-)

Para compensar a ausência, elaborei o post logo abaixo, que fornece um bom material para um estudo aprofundado dos direitos fundamentais.

No mais, Arriverdeci!

Na foto, um pequena amostra do que me espera:

Textos Selecionados – Teoria dos Direitos Fundamentais (aprofundamento)

Enquanto o “Curso de Direitos Fundamentais” não sai, aproveito o blog para fornecer aos alunos um material de estudo aprofundado a respeito da teoria dos direitos fundamentais.

São trechos de livros ou revistas (geralmente, capítulos/artigos), por mim selecionados, especialmente para os alunos da disciplina “Direito Constitucional II – Teoria dos Direitos Fundamentais”.

Trata-se, portanto, de material utilizado para fins exclusivamente didáticos, sem qualquer fim lucrativo. Aliás, nunca é demais ressaltar: o presente blog não tem qualquer finalidade lucrativa. Nem mesmo há banners de publicidade ou de Adsense (lucro indireto). Meu interesse é tão somente divulgar os direitos fundamentais. Fazer com que o estudante de direito se encante com esse tema e, na sua futura atividade profissional, lute pela efetivação desses valores constitucionais. Mesmo assim, caso algum autor ou editora não queira ter a obra aqui divulgada, excluirei o link sem qualquer problema.

Os autores abaixo (aliás, menos um: eu) são as maiores autoridades em direitos fundamentais atualmente aqui no Brasil (alguns são estrangeiros, na verdade). São juristas antenados e influentes, que estão quebrando paradigmas e criando novos conceitos e princípios totalmente diferentes do pensamento jurídico tradicional. Se você analisar a sugestão bibliográfica já apresentada, vai perceber que a grande maioria desses juristas possui livros publicados sobre os direitos fundamentais. Vale a pena comprar os livros por eles escritos, pois eles estão na vanguarda. Os textos aqui disponibilizados são, na verdade, apenas fragmentos do pensamento desses juristas.

Fiz questão de colocar textos de autores com orientação ideológica diversa, justamente para dar mais pluralidade ao debate. Por enquanto, somente recomendei textos em língua portuguesa. Em breve, estarei fazendo um post semelhante com autores de outras línguas.

Logicamente, há diversos outros constitucionalistas igualmente bons (aliás, de cara, sinto a falta, na relação abaixo, do Professor Paulo Bonavides). Mas a minha idéia é ir acrescentando outros juristas aos poucos e fazer deste espaço, quem sabe, a maior biblioteca virtual sobre direitos fundamentais.

Por isso, quem tiver sugestão de outros textos relevantes dentro dessa temática (direitos fundamentais) fique à vontade para enviar.

Conceito e evolução dos Direitos Fundamentais

1. Vilhena, Oscar. A Gramática dos Direitos Humanos.