quinta-feira, 17 de abril de 2008

United Colors of Benetton: a propaganda também está protegida pela liberdade de expressão

No último post, defendi as restrições às propagandas das cervejas. Ao mesmo tempo, na parte final, deixei subentendido que considero que as propagandas estão protegidas pela liberdade de expressão. E realmente estão. Aliás, defendo isso no meu... deixa pra lá, já tá ficando cansativo essa história de que o meu livro está saindo...

O que quero comentar é uma situação curiosa que ocorreu nessa fase da "revisão" do livro. Como uso algumas ilustrações, o departamento jurídico da Atlas recomendou que uma das imagens fosse excluída para evitar problemas jurídicos. Concordei, já que era apenas uma foto num conjunto de três. De qualquer modo, a situação não deixa de ser curiosa, já que a foto estava justamente no capítulo destinado à liberdade de expressão.

A foto foi a seguinte:



O departamento jurídico da Atlas está certo em querer evitar confusão. O Estatuto da Criança e do Adolescente é particularmente rígido quanto à publicação de fotos de crianças. E nem todo juiz consideraria que a publicação da foto acima estaria protegida constitucionalmente. Por isso, não coloquei qualquer dificuldade para excluir a foto do livro. Só um detalhe: antes que queiram me acusar de violar o ECA, informo que a foto acima, além de ter sido publicada em diversas revistas pelo mundo todo, foi extraída do "Google Image", mais especificamente do site: http://notmytribe.com/images/articles/2006/ChildLaborBenetton.jpg.

As fotos que permaneceram no livro, dentro do mesmo contexto, foram as seguintes:






Exatamente as três imagens acima foram alvo de um processo judicial muito interessante, ocorrido na Alemanha.


No caso em questão, o que estava em jogo era saber se uma revista poderia ser censurada ou punida por haver publicado os referidos anúncios publicitários. Os juízes da Corte Constitucional concluíram que as referidas imagens veiculariam juízos de valor, com conteúdo capaz de formar opinião, já que direcionariam a preocupação do cidadão para as mazelas do mundo, e, dessa forma, estariam protegidas pela cláusula constitucional de livre manifestação do pensamento.

Eis a decisão na íntegra (extraída do livro "50 anos de jurisprudência da Corte Constitucional alemã", de Jürgen Schwabe):


BVERFGE 102, 347
(BENETTON / SCHOCKWERBUNG)


Reclamação Constitucional contra decisão judicial
12/12/2000


MATÉRIA:


A firma italiana de indústria e comércio de roupas Benetton é conhecida mundialmente por um tipo de publicidade institucional de estilo engajado e, muitas vezes, polêmico. Não raro, seus anúncios são acusados de ser chocantes (propaganda chocante = Schockwerbung). A reclamante, que é uma editora, que publica a revista semanal “Stern”, volta-se contra duas decisões do Tribunal Federal (BGH), que a proibiram de publicar três anúncios publicitários da firma Benetton, vez em que, segundo o BGH, tais anúncios violariam o § 1 UWG, uma cláusula geral que proíbe a concorrência desleal a partir do conceito jurídico indeterminado da violação dos “bons costumes” (gute Sitten). Na fundamentação, alegou, em suma, que os dois anúncios exploravam o sentimento de compaixão das pessoas em face da miséria do mundo e do medo relativo ao desequilíbrio ambiental. O terceiro anúncio, mais polêmico ainda, onde era mostrada a parte superior das nádegas de um homem nu com a frase em forma de carimbo H.I.V. POSITIVE, estaria atingindo até mesmo a dignidade humana dos portadores do vírus H.I.V. Em todos os anúncios não havia textos explicativos, mas tão somente a logomarca “United Colors of Benetton”.


Em sua Reclamação Constitucional, a reclamante argüiu, entre outras, a violação de seus direitos fundamentais derivados do Art. 5 I 1 GG (liberdade de expressão) e Art. 5 I 2 GG (liberdade de imprensa). O TCF julgou a Reclamação Constitucional procedente, porque reconheceu uma violação da liberdade de imprensa do Art. 5 I 2, 1ª Alternativa GG. Em sua fundamentação, o TCF sustentou que o BGH violou a liberdade de imprensa, vez em que, em sua interpretação das expressões, além de partir de alguns falsos pressupostos (como, por exemplo, que a expressão comercial teria a princípio menor peso), não realizou uma interpretação orientada pelo direito fundamental da liberdade de imprensa, ou seja, não enfrentou a possibilidade das expressões representarem uma contribuição para o debate social, sobre questão relevante e para a formação
da opinião pública e, assim, não se chocarem contra os bons costumes e, por via de conseqüência, não justificando a aplicação do § 1 UWG como limite concretizado da lei geral na acepção do Art. 5 II GG.

1. A liberdade de imprensa de uma editora de revistas pode restar violada quando lhe for proibida a publicação de anúncios publicitários sobre os quais o anunciante goza da proteção da liberdade de expressão do pensamento.

2. Da avaliação constitucional da publicidade institucional a partir de temas de crítica social.

Decisão (Urteil) do Primeiro Senado de 12 de dezembro de 2000 com base na audiência de 8 de novembro de 2000 – 1 BvR 1762/95 , 1 BvR 1787/95 – no processo da Reclamação Constitucional de G... AG & Co. KG — Procurador: Professor Dr. Gunnar Folke Schuppert, Unter den Linden 6, Berlin – contra a) decisão do Tribunal Federal (BGH) de 6 de julho de 1995 — 1 BvR 1762/95 —, b) decisão do Tribunal Federal (BGH) de 6 de julho de 1995 — I ZR 110/93 — 1 BvR 1762/95 -.

Dispositivo da decisão:

As decisões do Tribunal Federal (BGH) de 6 de julho de 1995 – I ZR 180/94 e I ZR 110/93 – violam o direito fundamental da reclamante decorrente do Art. 5 I 2, 1ª Alternativa Grundgesetz. Revogue-se. Devolva-se a matéria ao Tribunal Federal (BGH).A República Federal da Alemanha deve ressarcir as custas processuais necessárias.

RAZÕES:
A.

A reclamante, uma empresa da imprensa escrita, volta-se em sua Reclamação Constitucional contra duas decisões do Tribunal Federal (BGH), pelas quais se lhe foi proibida a publicação de anúncios publicitários por causa de uma ofensa aos bons costumes (§ 1 da Lei contra Concorrência Desleal, a seguir: UWG).

I.

Na revista editorada pela reclamante, chamada “Stern”, foram publicados três anúncios da Firma Benetton, que comercializa produtos têxteis internacionalmente. Um anúncio mostra um pato sujo de petróleo nadando em uma mancha de petróleo. Em um outro anúncio, aparecem crianças de diferentes idades trabalhando intensamente no terceiro mundo. O terceiro anúncio compõe-se de uma foto de nádegas masculinas sobre as quais foram carimbadas as palavras “H.I.V. POSITIVE”. No canto de cada foto, encontra-se respectivamente sobre uma tarja verde a frase “United Colors of Benetton”. Os dois primeiros anúncios são objeto da Reclamação Constitucional 1 BvR 1787/95, ao passo que a Reclamação Constitucional 1 BvR 1762/95 refere-se ao terceiro anúncio.

O Centro de Combate à Concorrência Desleal [uma associação civil sem fins lucrativos] exigiu extra-judicialmente da reclamante que essa se abstivesse da publicação dos anúncios e procurou a tutela judicial quando aquela se recusou a atender seu pedido.

O Tribunal Estadual julgou a ação procedente. As Revisões diretas (Sprungrevisionen) da reclamante não tiveram êxito junto ao Tribunal Federal (BGH). A própria firma Benetton procurou defender-se junto aos tribunais cíveis, inutilmente, contra a correspondente intimação (Abmahnung) (cf. BGHZ 130, 196). Todavia, ela não ajuizou uma Reclamação Constitucional.

II.

O Tribunal Federal (BGH) fundamentou suas decisões atacadas como segue:

1. – 2. (...).

III. – IV. (...)

B.

As Reclamações Constitucionais são procedentes. Ambas as decisões do Tribunal Federal (BGH) impugnadas pela reclamante violam a sua liberdade de imprensa garantida pelo Art. 5 I 2, 1ª Alternativa GG.

I.

1. A área de proteção da liberdade de imprensa abrange o conteúdo completo de um órgão da imprensa (sic), subsumindo-se a ela também os anúncios publicitários. (cf. BVerfGE 21, 271 [278 s.]; 64, 108 [114]). Desde que a expressão de pensamento de terceiros goze da proteção do Art. 5 I 1 GG, a liberdade de imprensa engloba a proteção de tal expressão quando de sua publicação em um órgão da imprensa: A um órgão da imprensa não se pode proibir a publicação de uma expressão de pensamento de terceiro se ao próprio autor da expressão é autorizada sua publicação e divulgação. Nesta extensão, a empresa da imprensa pode argüir uma violação da liberdade de expressão de terceiro em uma lide judicial. Isso vale também em uma lide civil quando os pedidos se referirem a obrigações de não fazer [ou de abstenção – Unterlassungsansprüche – a serem impostas respectivamente à parte contrária] fundadas no direito concorrencial.

A proteção do Art. 5 I 1 GG – aqui colocada na liberdade de imprensa – alcança também expressões comerciais, assim como a pura publicidade econômica, que tenham um conteúdo axiológico constitutivo de opinião pública (cf. BVerfGE 71, 162 [175]). Desde que numa foto venha à tona uma expressão do pensamento – uma posição, um juízo de valor ou uma certa ideologia –, também esta fará parte da área de proteção do Art. 5 I 1 GG (cf. BVerfGE 30, 336 [352]; 71, 162 [175]).

Todas as três fotos publicitárias polêmicas fazem jus a tais pré-requisitos. Elas mostram mazelas gerais (poluição ambiental, trabalho infantil, marginalização de infectados pelo H.I.V.) e contêm, com isso, ao mesmo tempo um juízo de valor [negativo] sobre questões sociais e políticas relevantes. Trata-se de imagens vivas com conteúdos formadores de opinião. Mesmo as decisões atacadas o reconhecem quando nelas se lê que os anúncios se ocupam da miséria do mundo. Expressões do pensamento que persigam tal escopo [de mostrar a miséria do mundo] e com isso direcionam a atenção do cidadão para mazelas gerais, gozam de maneira especial da proteção do Art. 5 I 1 GG (cf. BVerfGE 28, 191 [202]).

Tal reconhecimento não é desautorizado pelo fato de a firma Benetton tratar dos temas aludidos no contexto de uma publicidade institucional pura, desistindo de qualquer comentário, subscrevendo-a simplesmente com o seu logotipo. Devido a este fato pode até mesmo surgir a impressão de que a empresa anunciante em verdade não pretenda oferecer uma contribuição à formação da opinião pública, mas chamar a atenção para si.

Uma tal interpretação, pela qual se questiona a relação subjetiva daquele que se expressa com o conteúdo da expressão, não é, porém, a única possível, não sendo sequer a mais provável. Na percepção do público, as mensagens partidas dos anúncios são consideradas em geral como suas e também os tribunais não apresentaram dúvidas a respeito. Também na visão do fotógrafo Oliviero Toscani, que criou os anúncios, Benetton os utiliza como veículo de divulgação de uma postura intelectual anti-racista, cosmopolita e livre de tabus (Oliviero Toscani, Die Werbung ist ein lächelndes Aas, 3a. ed., 2000, S. 44).

2. A proibição corroborada pelas decisões atacadas de reimpressão dos polêmicos anúncios na revista semanal “Stern”, limita a liberdade de imprensa da reclamante. Por ser a proibição ligada à cominação de pena pecuniária no valor de até 500.000 DM – alternativamente ordem de prisão – ou ordem de prisão de 6 meses para o caso do descumprimento da decisão, ela foi faticamente impedida de proceder a uma futura publicação dos anúncios.

3. Essa proibição não é justificada constitucionalmente.

a) O § 1 UWG, sobre o qual o Tribunal Federal (BGH) se baseia em sua decisão de proibição da publicação, é uma lei geral na acepção do Art. 5 II GG (cf. BVerfGE 62, 230 [245]; 85, 248 [263]). Ele serve à proteção dos concorrentes, dos consumidores e dos demais participantes do mercado, assim como à proteção da coletividade (cf. Baumbach / Hefermehl, Wettbewerbsrecht, 21ª ed. 1999, UWG Introdução, Notas de margem 42, 51, 55; Emmerich, Das Recht des unlauteren Wettbewerbs, 5ª ed. 1998, p. 13). A liberdade da atividade econômica não pode implicar em vantagens na concorrência para o indivíduo a serem auferidas mediante práticas legalmente inadmissíveis. Esses objetivos encontram-se em harmonia com a ordem axiológica da Grundgesetz (cf. BVerfGE 32, 311 [316]).

b) – c) (...)

d) Com êxito, todavia, argüiu a reclamante que o Tribunal Federal (BGH) teria, em sua avaliação jurídico-concorrencial dos anúncios, ignorado o significado e o alcance da liberdade de expressão do pensamento.

aa) Se uma decisão de direito civil tangencia a liberdade de expressão do pensamento, então o Art. 5 I 1 GG exige que os tribunais considerem, junto à interpretação e aplicação do direito privado, o significado daquele direito fundamental (cf. BVerfGE 7, 198 [206 et seq.]; 86, 122 [128 s.]; jurisprudência consolidada). As decisões atacadas foram embasadas no § 1 UWG, em uma norma, portanto, do direito civil. Sua interpretação e aplicação no caso particular é da competência [exclusiva] dos tribunais cíveis. O Tribunal Constitucional Federal somente pode intervir quando se reconhecerem erros que se firmem sobre uma apreciação fundamentalmente incorreta do significado de um direito fundamental, principalmente da extensão de sua área de proteção, e também que tenham uma certa relevância para o caso jurídico concreto (cf. BVerfGE 18, 85 [92 s.]; jurisprudência consolidada).

É o que ocorre no presente caso.

bb) O Tribunal Federal (BGH) até reconheceu corretamente tratar-se, nos anúncios, de expressões do pensamento que têm por objeto problemas econômicos, políticos, sociais e culturais e, por isso, gozariam de maneira especial da proteção do Art. 5 I 1 GG. O significado e o alcance deste direito fundamental não foram porém devidamente considerados, nas decisões atacadas, no momento de sua interpretação do § 1 UWG e – no caso do terceiro anúncio (H.I.V. POSITIVE), no momento de sua aplicação. Limitações daquele que é um direito constitutivo por excelência da ordem estatal democrática livre, o direito da livre expressão do pensamento (cf. BVerfGE 20, 56 [97]; jurisprudência consolidada) necessitam fundamentalmente de uma justificação por interesses suficientemente importantes relativos ao bem comum ou de direitos e interesses de terceiros, [igualmente] dignos de proteção. É o que vale de forma especial no caso de expressões críticas a respeito de questões sociais ou políticas. Todavia, não se depreende das decisões atacadas indicações neste sentido [do exame criterioso para a decisão do caso do significado e alcance do direito fundamental à liberdade de expressão do pensamento] (...).

aaa) Segundo o entendimento do Tribunal Federal (BGH), o § 1 UWG proíbe um comportamento publicitário que desperte nos destinatários sentimentos de compaixão mediante a apresentação de grandes sofrimentos de pessoas e animais e explore esses sentimentos, sem ensejo racional, para fins comerciais concorrenciais, na medida em que o anunciante se apresenta como igualmente atingido, provocando, destarte, a solidariedade dos consumidores com seu nome e sua atividade comercial.

Esse julgamento perpetrado pelo Tribunal Federal (BGH) a partir da interpretação do § 1 UWG de ofensa à moral é certamente louvável, enquanto regra de boa formação moral, podendo, enquanto tal, ser considerada aceita por boa parte da população. Por trás dela, encontra-se o desejo de viver em uma sociedade na qual não se reaja à miséria com a busca fria do lucro, mas com empatia e medidas de socorro, ou seja, de maneira a reagir-se diretamente contra a miséria. Se com esse julgamento se protege, ao mesmo tempo, interesses públicos ou privados suficientemente importantes, não é, entretanto, reconhecível de plano.

bbb) Mesmo o Tribunal Federal (BGH) não aceitou o argumento do autor do processo originário de que dos anúncios se poderia depreender um ônus [incômodo] considerável infligido ao público. Agressões desferidas contra o bom gosto ou uma configuração chocante de anúncios não são consideradas por aquele tribunal (BGH) como uma violação da moralidade na acepção do § 1 UWG. Esse julgamento não há de ser afastado por motivos constitucionais. Um efeito incômodo que pudesse justificar regras limitadoras do direito fundamental não pode ser visto no fato de o público ser confrontado também fora dos editoriais dos meios de comunicação social (Mídia) com imagens que retratem realidades desagradáveis ou que suscitem a compaixão. Isso vale também quando se acusa, como o fez a Associação Alemã para a Proteção Jurídica da Concorrência e do Direito Autoral (Deutschen Vereinigung für gewerblichen Rechtsschutz und Urheberrecht), um aumento generalizado de tais propagandas por causa do efeito de imitação. O ânimo do cidadão livre da [confrontação com a] miséria do mundo não representa um interesse para cuja proteção o Estado possa limitar posições de direito fundamental. Diferentemente, pode-se chegar a outra conclusão quando se mostra imagens asquerosas, que provoquem o medo ou que ameacem crianças e adolescentes. Quando o autor do processo original classifica os anúncios como invasivos e inconvenientes por eles apelarem com força sensorial-sugestiva aos sentimentos dos consumidores, os quais se relacionem com os produtos da empresa anunciante ou sua atividade comercial, não se pode com ele concordar. Grande parte da publicidade contemporânea se caracteriza pela busca em despertar a atenção e ganhar a simpatia do público a partir de motivos que dêem ênfase aos sentimentos. Publicidade comercial com imagens que, com força sugestiva, desperte desejos libidinosos, que evoquem o ímpeto por liberdade e descomprometimento ou que prometam o brilho da celebridade social está em toda parte. Pode ser que os consumidores estejam mais “duros” em face de tais motivos, como alega o autor do processo originário. Um tal efeito de acostumar-se não justifica, contudo, a atribuição de efeitos onerosos ao apelo até hoje menos gasto do sentimento de compaixão.

ccc) Interesses de concorrentes ou princípios da concorrência de desempenho não foram igualmente atingidos. O Tribunal Federal (BGH) destaca-o explicitamente. Também não se vislumbra nada nesse sentido. Publicidade institucional destacada de produtos passou a ser utilizada, sem que com isso a concorrência entre as performances das empresas sofresse um prejuízo reconhecível. Concorrentes que considerem uma publicidade deste tipo como boa para os negócios, podem, assim como a firma Benetton, dela fazer uso.

ddd) Poder-se-ia estar, em tese, e no máximo em relação ao anúncio sobre “trabalho infantil”, frente a um caso de proteção de pessoas fotografadas. Todavia, não se verifica aqui que um direito [subjetivo] tenha sido atingido. As crianças fotografadas não são individualizáveis. Não obstante, ainda que sejam apresentadas em uma perspectiva que provoca compaixão, não são vistas, absolutamente, de forma jocosa ou de qualquer outra forma negativa. O contexto publicitário enquanto tal não é suficiente para configurar uma violação de pretensões de respeito de pessoas humanas.

eee) Interesses da coletividade não foram tocados. (...)

cc) – dd) (...)

ee) A decisão atacada no processo 1 BvR 1762/95 não se baseia somente na interpretação do § 1 UWG já supra discutida. O Tribunal Federal (BGH) considera o anúncio objeto deste processo como desleal, porque ele se chocaria de maneira notória contra os preceitos da proteção da dignidade humana, na medida em que ele apresentaria as pessoas acometidas de AIDS como “carimbadas” e, destarte, marginalizadas.


aaa) Essa fundamentação pode ser seguida em tese. Uma interpretação do § 1 UWG no sentido de que uma publicidade por imagem que viole a dignidade humana de pessoas fotografadas se choque contra a moral e bons costumes (sittenwidrig) não é problemática do ponto de vista constitucional. Ela atribui valor a um bem tutelado que justifica limitações da liberdade de expressão do pensamento também no contexto de áreas sensíveis da crítica social e política. O Art. 1 I GG obriga o Estado a proteger todas as pessoas contra ataques à dignidade humana como contra a humilhação, estigmatização, perseguição, proscrição etc. (cf. BVerfGE 1, 97 [104]). Anúncios publicitários que marginalizem pessoas individualizadas ou grupos de pessoas de maneira a ferir a dignidade humana, proscrevendo-as, ridicularizando-as ou tirando-lhes, de qualquer forma, a dignidade, podem, fundamentalmente, por isso, ser proibidas pelo direito concorrencial, mesmo se tais anúncios gozarem da proteção dos direitos fundamentais de comunicação do Art. 5 GG ou da proteção de outros direitos fundamentais.


bbb) Todavia, a aplicação destes princípios aos anúncios em pauta (H.I.V. POSITIVE) não passa no crivo do exame [de constitucionalidade], sob o parâmetro do Art. 5 I 1 GG. (...).


O Tribunal Federal (BGH) interpretou o anúncio “H.I.V. POSITIVE” no sentido de considerar que sua mensagem carimba os doentes de AIDS, apresentando-os, com isso, como marginalizados da sociedade. Em outra passagem da decisão, o BGH afirma que o anúncio estigmatizaria os doentes de AIDS em seu sofrimento, marginalizando-os.


Dever-se-ia combater a mentalidade contaminada do “carimbo” de certos membros da sociedade. Pelo menos pelos próprios infectados pelo H.I.V., o anúncio seria visto como notoriamente escandaloso, sendo ferida sua dignidade humana. Também outros observadores do anúncio não escapariam desse efeito. Tão claro neste sentido não é, entretanto, o anúncio. Ele mostra sem comentários uma pessoa, que aparece como carimbado como “H.I.V. POSITIVE”. Com ele, não se deduz que o dado escandaloso, mas também não tão distante da realidade de uma discriminação e marginalização de infectados pelo H.I.V., seja corroborado, fortalecido ou, ainda, só desprestigiado [como não tão problemático]. No mínimo, tão provável é a interpretação de que se deve chamar a atenção para um estado de coisas digno de críticas, qual seja: a marginalização de infectados pelo H.I.V., de tal sorte a se verificar [no anúncio] uma tendência de denúncia [de um fato social indesejado]. Com a foto, poder-se-ia também, como a reclamante com razão assevera, igualmente fazer a propaganda de um Congresso sobre a AIDS.


A linguagem das imagens pode ser considerada, em termos convencionais, inadequada, por ser sedutora. Da pessoa fotografada não se vê nada além da metade superior das nádegas nuas, sobre a qual aparecem em letras maiúsculas a abreviação “H.I.V.” e abaixo colocado na diagonal como se tivesse sido carimbada a palavra “POSITIVE”. Disto não se pode depreender nem cinismo nem uma tendência afirmativa. A representação tem por objetivo, correspondendo a um Medium de anúncio publicitário, prender a atenção do observador.


Uma interpretação do anúncio no sentido de ser uma conclamação crítica também não pode ser impugnada pela indicação do contexto publicitário. É incomum que uma empresa do ramo têxtil faça publicidade institucional com a utilização de sérios temas sócio-políticos, contrastando notoriamente com a auto-representação comum dos concorrentes. Isso pode alimentar dúvidas quanto à seriedade da intenção crítica e ser assim considerado escandaloso, em face do mandamento de honestidade formulado pelo Tribunal Federal (BGH). Entretanto, a impressão de que o anúncio por sua vez estigmatizaria ou marginalizaria os infectados pelo H.I.V. também não pode ser provocada pelo contexto publicitário. Sua tendência crítica, seu efeito chocante restam inocultáveis.


Diferente talvez seria o caso se com o anúncio se quisesse chamar a atenção para um produto concreto, no qual uma ligação com certos objetos e serviços pudesse criar um efeito jocoso ou de desconsideração do problema. A frase “United Colors of Benetton” sozinha não provoca todavia esse efeito.


A interpretação do anúncio pelo Tribunal Federal (BGH), segundo a qual este feriria a dignidade humana de doentes de AIDS, parece, ao contrário, substancialmente mais distante da realidade; em todo caso, ela não é a única possível. É o que mostra também a declaração do fotógrafo Oliviero Toscani sobre esta publicidade: “Com este pôster, eu queria sinalizar que a Benetton continua ainda sempre pronta a imiscuir-se, na medida em que nós nos colocamos tanto contra a marginalização de doentes de AIDS quanto contra o racismo” (op. cit., p. 78).


ff) A decisão impugnada pela Reclamação Constitucional 1 BvR 1762/95 (H.I.V. POSITIVE) não atende, portanto, às exigências que se fazem à interpretação de expressões do pensamento em prol da proteção da liberdade de expressão do pensamento.


O Tribunal Federal (BGH) desconheceu a possibilidade bastante provável de que o anúncio queria, com uma intenção crítica, direcionar a atenção pública para uma discriminação e marginalização de doentes de AIDS de fato existentes. Nesta interpretação não reside uma violação da dignidade da pessoa humana dos doentes de AIDS. Em seu novo tratamento da matéria, o Tribunal Federal deverá enfrentar a alternativa exegética ora demonstrada.


II.


Uma vez que as decisões impugnadas já devem ser revogadas por violarem o Art. 5 I 1 GG, não se faz necessário o exame da pela reclamante também alegada violação do princípio geral da igualdade, assim como da possibilidade de uma violação do Art. 5 III GG [no caso: liberdade artística].

Papier, Kühling, Jaeger, Hömig, Steiner, Hohmann-Dennhardt.

6 comentários:

RUBEM FILHO disse...

Grande George,
Não consigo mais administrar o Maranhensidade Jurídica, como já lhe adiantei. Assim, criei outro, o qual pode ser acessado pelo caminho: www.maranhaojuridico.blogspot.com
Se puderes atualizar o caminho em seu blog, fico grato.
Ah, o espaço "estreou" com seu artigo.
Um abraço,
Rubem

Anônimo disse...

Caro professor George,

penso que o senhor deveria ter batido o pé. se há respaldo, porque abrir mão de um recurso que enriqueceria sobremaneira o livro? aceitar uma restrição ao livre que versa sobre "Direitos Fundamentais" data venia, já começa mal.

reitero o que disse antes: "vou procurar a dquirir o livro", mas o espirito que, pelo menos a meu ver, permeia o seu livro, a apologia e o incentivo aos Direitos Fundamentais, fica arranhada.

Que linda é a decisão mencionada na postagem mque Da Corte Alemã, porque não se respaldar nesse espírito?

Thiago.

George Marmelstein disse...

Thiago,

Entendo sua posição. Também acho que a foto está protegida pela liberdade de expressão. Mas o direito brasileiro é diferente do direito alemão. Aqui, nós temos a limitação do ECA.

No mínimo, eu teria que colocar uma tarja preta na foto que, aí sim, seria uma total violação à idéia que inspira o livro.

Se eu achasse que a proteção à liberdade de expressão, no caso, é tão patente, certamente não teria abrido mão da publicação da foto.

Em outra passagem, defendo que a pornografia também tem proteção constitucional. Nem por isso coloco fotos de mulheres peladas no livro. Se bem que venderia bem mais...

George Marmelstein

Anônimo disse...

Caro professor George,


realmente, se tivesse fotos pornográficas (de qualidade)venderia muito mais. quanto a foto, não quero parecer meio chato, mas nesse caso, talvez porque eu admire muito as campanhas publicitárias da "bené" eu insista na pertinência da foto.

todavia, com certeza apareceria algum promotor de justiça atuante na vara de proteção à infância e da juventude adotando medidas contra a foto no livro.

virando chato novamente: mas que valeria o risco.....valeria.


Att.

Thiago.

Anônimo disse...

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Anônimo disse...

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