sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Análise Econômica dos Direitos Fundamentais

Para não passar a semana em branco, apresento um texto que acabei de escrever em menos de uma hora. As idéias estavam na minha cabeça já há algum tempo e resolvi colocá-los no papel. Não é um texto acabado. São apenas algumas idéias ainda meio soltas sobre a chamada análise econômica do direito, com os olhos voltados para a teoria dos direitos fundamentais.
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Análise Econômica dos Direitos Fundamentais

Minha primeira impressão sobre a chamada “Análise Econômica do Direito” (AED) foi a pior possível. Também pudera: o livro que me introduziu às idéias da AED era o best-seller “Freakonomics”, que, apesar de ter entre seus autores um doutor da prestigiada Faculdade de Economia do MIT, não é um livro “sério” do ponto de vista acadêmico.

No livro, os autores fizeram uma análise bastante curiosa, tentando demonstrar que a redução da criminalidade nos EUA, durante os anos 90, foi resultado da liberalização do aborto ocorrida no julgamento do caso “Roe vs. Wade” de 1973. A idéia básica era a seguinte: os criminosos de hoje foram abortados há vinte anos. Aquelas mulheres que engravidaram sem planejamento e resolveram abortar certamente conceberiam a crianças problemáticas que se tornariam potenciais criminosos no futuro.

Na minha pesquisa durante o mestrado, do mesmo modo, tive oportunidade de conhecer as idéias de Thomas Malthus, que também possuem um inegável viés econômico. Malthus defendia as epidemias, as guerras e o infanticídio e era intransigentemente contra os atos de caridade, já que, para ele, havia pouca comida para muita gente e, portanto, era melhor que deixassem os pobres em paz para morrerem sossegadamente nas ruas sobrando mais comida para o restante da população.

Foi esse tipo de raciocínio que gerou em mim uma barreira em relação à AED – Análise Econômica do Direito. Na minha ótica, o pensamento ético-jurídico não deveria funcionar desse modo. O argumento econômico seria capaz de justificar as maiores barbaridades, como a pena de morte, a eutanásia eugênica, o experimento médico com seres humanos e até mesmo o extermínio de indivíduos indesejados. Não teria sido isso que os nazistas fizeram?

Por isso, preferi não me envolver com esse tipo de análise econômica. Os economistas pensam em como conseguir mais eficácia com vistas à maximização das riquezas. É totalmente diferente do pensamento ético e jurídico. Pensar eticamente, na minha ótica, é pensar no outro, independentemente de quem seja o outro e independentemente das vantagens que trará para nós mesmos.

Ocorre que fui convidado para proferir uma aula sobre “Direito e Economia” e tive que tentar assimilar com um pouco mais de profundidade as idéias da “Análise Econômica do Direito” para não ensinar nada de forma distorcida.

Confesso que não li muita coisa, até porque não houve tempo. Li somente o essencial sobre Richard Posner, Ronald Coase, Douglas North, entre outros teóricos da chamada AED. Mesmo sim, me surpreendi positivamente com as idéias básicas da AED e percebi que há muita coisa que pode ser útil para a teoria dos direitos fundamentais, que é a minha atual área de pesquisa.

Não pretendo aqui desenvolver nenhuma idéia revolucionária ou mesmo científica. A minha pretensão é tão somente compartilhar as minhas impressões (ainda imaturas) sobre a AED e sobre as possibilidades de sua utilização em favor dos direitos fundamentais.

Em primeiro lugar, chamou-me a atenção o conhecido Teorema de Pareto, bastante utilizado entre os economistas e que está na base do raciocínio econômico. Uma situação econômica é ótima no sentido de Pareto se ao menos um indivíduo melhora de situação, sem que o outro piore. Uma idéia simples, mas extremamente valiosa.

Assim que li sobre o Teorema de Pareto lembrei-me imediatamente do problema da colisão de direitos fundamentais.

O princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais exige que o intérprete sempre tente fazer com que o direito fundamental atinja a sua realização plena. O ideal é que, ao realizar essa tarefa de concretização, nenhum outro direito fundamental seja afetado de modo negativo. Ou seja, a situação perfeita é conseguir maximizar a efetividade de um dado direito fundamental sem prejudicar a situação jurídica de outras pessoas. Percebeu a ligação dessa idéia com o Teorema de Pareto?

Ocorre que, muitas vezes, essa meta não poderá ser atingida. Havendo colisão de direitos, certamente haverá pelo menos um deles que será atingido de forma negativa, ainda que parcialmente. Sendo assim, surge outra preocupação para o intérprete: tentar dar a máxima efetividade ao direito fundamental, restringido o mínimo possível o outro valor constitucional colidente.

É nesse sentido que aparece o princípio da concordância prática.

O princípio da concordância prática, de acordo com o Tribunal Constitucional alemão, “determina que nenhuma das posições jurídicas conflitantes será favorecida ou afirmada em sua plenitude, mas que todas elas, o quanto possível, serão reciprocamente poupadas e compensadas”. Trata-se, portanto, de uma tentativa de equilibrar (ou balancear) os valores conflitantes, de modo que todos eles sejam preservados pelo menos em alguma medida na solução adotada.

Também no princípio da concordância prática há uma preocupação de buscar a “eficiência no sentido de Pareto”, de modo que o direito fundamental afetado seja sacrificado o mínimo possível.

Intuitivamente, eu sabia que essa ligação que fiz entre o Teorema de Pareto e o fenômeno da Colisão de Direitos Fundamentais não era original. Algo me dizia que alguém já havia pensado nisso antes. Assim, consultei o oráculo (Google) e descobri pelo menos um texto em língua portuguesa que fez essa relação: “Direitos Fundamentais, Balanceamento e Racionalidade”, de ninguém menos do que Robert Alexy. Estou em ótima companhia (vale ressaltar que a análise de Alexy sobre o teorema de Pareto não é, nesse texto, tão profunda).

Há, ainda, diversos princípios dentro da teoria dos direitos fundamentais que são uma manifestação clara, ainda que inconsciente, das idéias econômicas. O tão alardeado princípio da “reserva do possível” é exemplo disso. Por esse princípio, os direitos fundamentais cuja realização implique em gastos financeiros (como o direito à saúde, por exemplo) somente podem ser efetivados na via judicial se estiverem dentro do financeiramente razoável ou proporcional.

O raciocínio que inspira o princípio da reserva do possível é inegavelmente econômico: implementar um direito a prestação exige a alocação de recursos, em maior ou menor quantidade, conforme o caso concreto, e, vale ressaltar, não apenas recursos financeiros, mas também recursos não-monetários, como pessoal especializado e equipamentos. No entanto, há menos recursos do que o necessário para o atendimento de todas as demandas. As decisões que visam concretizar um dado direito podem, muitas vezes, gerar novas formas de ameaças, privando outros potenciais beneficiários da fruição dos bens ou serviços a que também teriam direito. Logo, o Judiciário, quando for julgar demandas que importem em alocação de recursos, deverá levar em conta que sua decisão poderá interferir na realização de outros direitos, de modo que somente deve agir se estiver seguro que não causará um mal maior.

É lógico que, muitas vezes, o aspecto econômico não será tão relevante ao ponto de impedir a concretização de um direito fundamental. Afinal, conforme entendimento do STF, manifestado em voto do Min. Celso de Mello, “entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, caput e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humana” (Pet. 1.246-SC).

Outra conseqüência da Análise Econômica do Direito, dentro da teoria dos direitos fundamentais, envolve a chamada aplicação dos direitos fundamentais nas relações privadas (eficácia horizontal).

Os direitos fundamentais foram concebidos, originariamente, como instrumentos de proteção dos indivíduos contra a opressão estatal. O particular era, portanto, o titular dos direitos e nunca o sujeito passivo. É o que se pode chamar de eficácia vertical dos direitos fundamentais, simbolizando uma relação de poder em que o Estado se coloca em uma posição superior em relação ao indivíduo.

No entanto, atualmente, tem-se reconhecido que os valores contidos nos direitos fundamentais irradiam-se também nas relações entre particulares, até porque os agentes privados – especialmente aqueles detentores de poder social e econômico – são potencialmente capazes de causar danos efetivos aos princípios constitucionais e podem oprimir tanto ou até mais do que o Estado. É o que se pode chamar de eficácia horizontal (ou irradiante) dos direitos fundamentais.
A eficácia horizontal dos direitos fundamentais poderá ter forte influência no mercado econômico, afetando, inclusive, os chamados “custos de transação” dos negócios, já que limitará, eventualmente, a liberdade contratual em favor de outros direitos fundamentais.

O exemplo mais ilustrativo disso ocorre com o direito à moradia, que, por força do artigo 6º da Constituição Federal de 1988, é, no Brasil, um verdadeiro direito fundamental.

Em razão do direito à moradia, os juízes brasileiros tendem a adotar uma postura de proteção em relação aos mutuários e inquilinos de imóveis. Numa relação entre um banco financiador e o mutuário que adquiriu um imóvel com dinheiro emprestado, há uma tendência judicial de se proteger a parte mais fraca da relação (o mutuário), em detrimento, eventualmente, daquilo que ficou pactuado no contrato de financiamento habitacional. Numa disputa judicial envolvendo um inquilino e o dono do imóvel, os juízes são reticentes em forçar o inquilino inadimplente a sair do imóvel, prejudicando o proprietário que nem recebe os aluguéis nem pode alugar o seu bem para outra pessoa que esteja disposta a pagar.

A “Análise Econômica do Direito” critica ferrenhamente essa postura protetiva do Judiciário brasileiro. Confira, a esse respeito, o seguinte argumento apresentado por Armando Castelar Pinheiro, um dos principais expoentes da AED aqui no Brasil:

“a maioria dos magistrados acredita que os juízes têm um papel social (redistributivista) a desempenhar, e que o objetivo de proteger a parte mais fraca na disputa justifica a violação de contratos. Este posicionamento reduz a segurança jurídica com que se desenrola a atividade econômica, e pode fazer com que determinados mercados não se desenvolvam, possivelmente prejudicando exatamente os grupos sociais que os juízes buscam beneficiar. A quase inexistência de um mercado de crédito imobiliário, notadamente para as famílias de mais baixa renda, é um exemplo ilustrativo de como uma boa intenção pode terminar tendo o efeito oposto ao originalmente buscado” (Judiciário, Reforma e Economia: a visão dos magistrados).

Trata-se, sem dúvida, de uma idéia que exige uma reflexão, sobretudo por um magistrado como eu que acredita que “os juízes têm um papel social (redistributivista) a desempenhar”.

O argumento é, efetivamente, forte e está correto em grande parte. O problema é que levar a “proteção ao contrato” ao extremo significa, muitas vezes, compactuar com iniqüidades. Afinal, conforme já dizia o Abade Lacoirdaire há dois séculos, “entre o grande e o pequeno, entre o forte e o fraco, a liberdade escraviza, o direito liberta” (cf. COSTA, Adriano Pessoa da. Direitos Fundamentais entre Particulares na Ordem Jurídica Constitucional Brasileira. Dissertação de mestrado).

Por outro lado, o desrespeito aos contratos também não pode ser a regra. Há que haver um meio termo entre a proteção aos contratos (que, em última análise, significa respeitar a autonomia privada, que também é um direito fundamental) e a proteção ao sistema de valores que emana dos direitos fundamentais.

Nesse ponto, a teoria dos direitos fundamentais fornece um princípio bastante interessante que, apesar de ser uma ferramenta importantíssima, tem sido pouco utilizado pelos juízes: o princípio da proibição de abuso de direitos fundamentais. Os direitos fundamentais não devem servir para acobertar práticas ilícitas. Trazendo esse raciocínio para os direitos sociais, pode-se dizer que os direitos sociais não podem servir de desculpa para a prática de atos moralmente injustificáveis ou para burlar a lei.

Sobre o assunto, já tive a oportunidade de julgar um processo em que consignei o seguinte: “O direito fundamental à habitação, cujos fundamentos são tão nobres, não pode servir de escudo ao locupletamento sem causa, nem pode ser invocado ao ponto de garantir o direito de se morar em prédio de ótima localização sem que se pague nada por isso. Atitudes como a da ré somente fazem aumentar a crise do Sistema Financeiro da Habitação, pois retira a oportunidade de pessoas de boa-fé habitarem no imóvel”.

Para finalizar esse despretensioso artigo, merece ser feita uma breve análise do caso da (im)penhorabilidade do bem de família do fiador, um julgamento do STF que se baseou essencialmente na análise econômica do direito.

Por força da Lei 8.009/90, o imóvel residencial do casal ou da entidade familiar (bem de família) passou a ser considerado impenhorável. Ocorre que a Lei 8.245, de 18.10.91, acrescentou o inciso VII à Lei 8.009/90, para ressalvar a penhora “por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação”. Em razão disso, o imóvel residencial daquele que assumiu o encargo de fiador tornou-se passível de penhora.

Em um primeiro momento, no STF entendeu que seria inconstitucional a referida lei, por violar o artigo 6º da Constituição que reconhece o direito à moradia como um direito fundamental (art. 6º).

Eis a ementa: “CONSTITUCIONAL. CIVIL. FIADOR: BEM DE FAMÍLIA: IMÓVEL RESIDENCIAL DO CASAL OU DE ENTIDADE FAMILIAR: IMPENHORABILIDADE. Lei nº 8.009/90, arts. 1º e 3º. Lei 8.245, de 1991, que acrescentou o inciso VII, ao art. 3º, ressalvando a penhora “por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação”: sua não-recepção pelo art. 6º, C.F., com a redação da EC 26/2000. Aplicabilidade do princípio isonômico e do princípio de hermenêutica: ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio: onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito. Recurso extraordinário conhecido e provido” (STF, RE 352490, rel. Min. Carlos Velloso, j. 25 de abril de 2005).

Contudo, menos de um ano depois, o STF modificou seu posicionamento, passando a entender que seria possível a penhora do único imóvel de uma pessoa que assuma a condição de fiador em contrato de aluguel. Na ementa, ficou assentado que “a penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do artigo 3º, inc. VII, da Lei 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da República.

O argumento central apresentado no voto do Min. Cezar Peluso, que foi o grande artífice da virada jurisprudencial no caso da penhora do bem de família do fiador, foi de índole econômica. A lógica foi a seguinte: não aceitar a penhora do bem de família do fiador tornará o contrato de aluguel menos atrativo para os proprietários de imóveis. Logo, o contrato se tornará mais caro. O contrato mais caro irá impedir ou dificultar o acesso à moradia para muitas pessoas menos abastadas. Portanto, ao invés de prejudicar o direito à habitação, a norma que autoriza a penhora do bem de família do fiador, na verdade, possibilita que mais pessoas tenham acesso à moradia, por um preço menor. Em outras palavras, “a norma, abrindo a exceção à inexpropriabilidade do bem de família, é uma das modalidades de conformação do direito de moradia por via normativa, porque permite que uma grande classe de pessoas tenha acesso à locação”.

Particularmente, não concordo com a conclusão do STF, embora reconheça que o argumento econômico foi bem interessante. Na minha visão, a solução poderia ser outra tanto com base na teoria dos direitos fundamentais quanto na própria análise econômica da questão.

Do ponto de vista da teoria dos direitos fundamentais, parece-me que o direito à moradia é um valor mais importante do que o cumprimento do contrato, no caso específico, até porque a obrigação principal foi assumida por terceiro. Além disso, aparentemente, houve violação da isonomia, na medida em que aquele que contraiu a obrigação principal (o inquilino) não poderá perder um eventual imóvel que tenha e o fiador sim.

Mas o importante é o argumento econômico. A idéia levantada pelo Min. Peluso foi a de que a restrição ao direito à moradia do fiador (autorização da penhora do seu bem de família) daria maior garantia aos proprietários de imóveis, reduzindo os custos de inadimplência e, conseqüentemente, baratearia o valor do aluguel, permitindo que mais pessoas pudessem alugar o imóvel. Ou seja, no final das contas, o direito à moradia estaria sendo prestigiado.

Faltou, contudo, demonstrar o acerto do raciocínio com dados mais consistentes. Não há, nos argumentos apresentados, qualquer estudo mais profundo demonstrando que aceitar a penhora do bem de família do fiador irá diminuir o preço das locações ou que não aceitar essa penhora acarretará uma diminuição da oferta de moradias para locação.

Do mesmo modo que o Ministro Peluso estabeleceu uma lógica econômica em favor da sua tese, também é possível, com a mesma lógica (ou seja, sem base empírica), chegar a solução completamente oposta. Vejamos, pois, a questão sob a ótica do fiador para demonstrar que a penhora do bem de família do fiador poderá prejudicar o mercador imobiliário para pessoas de baixa renda.

A partir do momento em que uma pessoa sabe que, assumindo o encargo de fiador, poderá perder seu bem de família, certamente ele pensará duas vezes antes de assinar o contrato. Ou seja, menos pessoas aceitarão ser fiadores de contratos de locação e, conseqüentemente, será mais difícil conseguir alugar um imóvel. É preciso reconhecer que ninguém ganha dinheiro sendo fiador. O encargo é, muitas vezes, resultado de uma relação de confiança e não algo que trará alguma vantagem financeira ao fiador.

Desse modo, como o fiador poderá perder seu imóvel se o inquilino não cumprir com suas obrigações, poucas pessoas aceitarão esse encargo. Logo, os proprietários terão que aceitar alugar seu bem mesmo sem a assinatura de um fiador e, conseqüentemente, terão menos garantias de que o contrato será cumprido. Com menos garantias, os custos de locação aumentarão e, conseqüentemente, o preço de aluguel também irá subir, fazendo com que menos pessoas consigam ter a capacidade econômica para firmar o contrato de inquilinato.

Portanto, até mesmo sob a ótica econômica, a possibilidade de penhora do bem de família do fiador não se justifica. Observe que não tenho qualquer estudo sério capaz de comprovar minha análise econômica da questão, como também o STF não apresentou nada nesse sentido.

Para finalizar, apresento minha conclusão sobre a relação entre direito e economia:

Nem sempre a economia "baterá de frente" com o direito e vice-versa. O pensamento econômico não resulta necessariamente em soluções anti-éticas ou amorais. Aliás, muitas vezes o raciocínio econômico e o ético caminharão juntos, levando aos mesmos resultados, reforçando-se mutuamente na tarefa de convencimento social. Não adianta simplesmente afastar ou deixar de utilizar uma ferramenta que pode ajudar ao invés de atrapalhar a realização de direitos fundamentais.

Além disso, mesmo naqueles pontos em que o direito e a economia "baterão de frente", o importante é ter em conta que esse fenômeno é natural, típico de qualquer disciplina que envolve poder e ideologia. Tanto o direito é pressionado pela economia quanto a economia é pressionada ou limitada pelo direito. Os agentes econômicos sempre procuram moldar as normas jurídicas aos seus interesses econômicos, pressionando o legislador, os juízes e o governo para que as leis sejam úteis aos seus objetivos de maximização das suas riquezas. É a economia pressionando o direito. Por outro lado, o Direito pressiona a economia, limitando o impulso lucrativo dos agentes econômicos, de forma que o capitalismo funcione de maneira mais ética e solidária.

Fortaleza, 12 de dezembro de 2007

11 comentários:

Anônimo disse...

Afinal,
concorda ou discorda do pensamento economico do min. Cesar Peluzo no caso penhorabilidade do bem de familia do fiador?

Como a analise economica de um mesmo fato sob a otica de um de seus participes pode dar um resultado diferente se analisada a situacao em seu conjunto?

Concorda que a penhorabilidade do bem de familia do fiador aumenta as locacoes, aumentando, por consequencia, o acesso a moradia e
no mesmo texto afirma que, in verbis:
"partir do momento em que uma pessoa sabe que, assumindo o encargo de fiador, poderá perder seu bem de família, certamente ele pensará duas vezes antes de assinar o contrato. Ou seja, menos pessoas aceitarão ser fiadores de contratos de locação e, conseqüentemente, será mais difícil conseguir alugar um imóvel. Com isso, os proprietários terão que aceitar alugar seu bem mesmo sem a assinatura de um fiador e, conseqüentemente, terão menos garantias de que o contrato será cumprido. Com menos garantias, os custos de locação aumentarão e, conseqüentemente, o preço de aluguel também irá subir, fazendo com que menos pessoas consigam ter a capacidade econômica para firmar o contrato de inquilinato."

Anônimo disse...

cujaceo,
conforme afirmei, não concordo com a conclusão a que chegou o Min. Cezar Peluso, embora reconheça que se trata de um pensamento bastante original e sofisticado.
Na verdade, me parece que o STF não está acostumado com esse tipo de raciocínio e a maioria dos ministros acompanhou o voto do Min. Peluso sem perceber que o mesmo argumento econômico também pode levar a uma conclusão oposta.

George Marmelstein

Anônimo disse...

Professor,

Eh que na economia, ao contrario do direito, 2 e 2 dao 4.
Analisemos o fenomeno objetimante.
1 situacao: impenhorabilidade do bem de familia do fiador>> menos locacoes>> diminuicao do acesso a moradia.
2 situacao: penhorabilidade do bem de familia do fiador>>> mais locacoes>>> mais moradia...

Se num conflito entre direitos fundamentais pode-se admitir duas alternativas, tudo a depender do criterio adotado pelo interprete; no fenomeno economico, tal nao eh possivel. Ao menos se encarado com o minimo de rigor cientifico.

Anônimo disse...

Na economia nao vale a maxima tanto ouvida nos tribunais: Data venia, em que pese o brilhantismo de seu voto... Nao da!! Havera sempre um errado e outro certo.
No caso em analise, ou as locacoes aumentarao, ou diminuirao. Nao podem aumentar ou diminuir, caso escolhidos como objeto de analise do fenomeno o locador ou o fiador.

Anônimo disse...

Cujaceo,
mas é precisamente o que eu pretendi dizer. Não há prova de a penhorabilidade do bem de família irá aumentar o número de locações. O argumento do Min. Cezar Peluso tentou demonstrar que sim, mas não com base empírica.
O mesmo tipo de raciocínio (sem base empírica, conforme fiz) também pode levar a uma conclusão oposta.
Mas se ficar cientificamente provado que a penhora do bem de família do fiador irá proporcionar mais moradias a pessoas com menos recursos, me curvo à interpretação do Min. Peluso.
George Marmelstein

Anônimo disse...

Excelente texto. Parabéns.

p.s.: só não entendo como tenho interesse por dois assuntos tão discrepantes.

Unknown disse...

Prof. George,

Sou aluno da PUC-RJ e me interessei por seus escritos, principalmente o que está sob análise aqui. Parabéns por sua atitude pós-moderna de colocar o seu trabalho à disposição de todos. Sinto-me muito mais próximo do Poder Judiciário assim.

Concordo com sua abordagem e, para mim, foi novidade o princípio da concordância prática.

Parece-me ser inconsistente a análise econômica do direito, tendo em vista que postula a inserção de signos da ciência econômica no núcleo dos debates ético-jurídicos. Desse modo, ficamos presos à modernidade. Completamente sufocados pelos seus postulados científicos.

Faz-me lembrar da etimologia da sentença. Sentir... Coração. No fim, concomitantemente com a lei, não é isso que define? Nossos afetos por uma determinada justiça?

Professor, tenho dúvidas acerca de concursos. Principalmente sobre a decisão que tenho que tomar sobre o direcionamento dos meus estudos. O Sr. se incomoda se eu lhe enviar um e-mail na tentativa de dirimi-las?

Obrigado e parabéns!
Igor Luis P. e Silva, nono período, PUC-RJ.

Anônimo disse...

Artigo bastante esclarecedor e que nos desponta um interesse maior por um tema, às vezes, esquecido nas cátedras de nossa Universidade. Parabéns!

Anônimo disse...

Somente a título de observação, o link que o senhor indicou sobre o texto de Alxey não está disponível. O senhor pode postar o texto? tenho muito interesse nele.

Anônimo disse...

O link do texto do Alexy já está concertado.
No mais, obrigado pelos elogios.

George Marmelstein

Anônimo disse...

Prof. George,

parabenizo a sua iniciativa no que tange ao debate sobre direitos fundamentais. Sou fascinado pelo tema. A partir deste semestre na Unifor, trabalaharei com a Dra. Ana Maria D'Ávila Lopes que tem com especialidade tal segmento jurídico. Fazendo uma leitura sobre essa interface direito/economia, vislumbro em minhas leituras iniciais do livro Teoria da Justiça, de John Rawls, o embate da levantanda distribuição aos menos favorecidos com aspectos relevantes na economia ( tais como uma certa estagnação em virtude de diminuição de investimentos do próprio setor privado) e questionamentos ligados ao direito de propriedade ( até que ponto o princípio da proporcionalidade, nos aspectos necessidade/adequação, poderiam nortear tal teoria). De antemão agradeço.

Paulo Adriano