quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Sentença: Ato de Vingança ou de Amor?

Upgrade: o Mário Jambo me mandou a referida sentença. Para ver na íntegra, basta clicar aqui.
A sentença mencionada na notícia abaixo é certamente polêmica. Ainda não sei se concordo ou não com o seu mérito.
O Juiz Mário Jambo, que a proferiu, foi meu colega durante o MBA em Poder Judiciário (FGV-RIO). Tenho certeza de que ele sabe o que está fazendo. É uma pessoa extremamente ponderada e com uma energia positiva impressionante. Portanto, deve ter ouvido com cuidado a acusada e se convenceu de que ela mereceria uma segunda chance.
Por isso, faço questão de reproduzir a notícia aqui, parabenizando-o de ter proferido uma decisão tão corajosa e humana.

14/11/2007 - 10:52 Estudante presa por tráfico internacional de drogas no RN é condenada a penas alternativas

As penas de reclusão para o crime de tráfico de droga podem ser substituídas pelas "restritivas de direito", as chamadas penas alternativas. O entendimento é do Juiz Federal Mário de Azevedo Jambo, da 2ª Vara Federal do Rio Grande do Norte.
No julgamento da estudante Estela Taques, 21 anos, presa em flagrante por tráfico internacional de drogas, o juiz substituiu a prisão de dois anos e seis meses por prestação de serviço a comunidade.
Na decisão o Juiz Federal analisou que o crime de tráfico de drogas, apesar da extrema gravidade, não poder ter o mesmo tratamento de um homicídio praticado por grupo de extermínio ou extorsão qualificada pela morte.
Com essa decisão, o Juiz Federal Mário Jambo declarou a inconstitucionalidade do parágrafo 4º do artigo 33 da lei 11.343/06, a Lei de Drogas, que proíbe a substituição da pena restritiva de liberdade em restritiva de direito para os crimes.
Segundo o magistrado, esse trecho da lei vai de encontro a Constituição por não permitir que “se levem em conta as particularidades de cada indivíduo, a sua capacidade de reintegração social e os esforços envidados com vistas à ressocialização”.
Ao invés de ficar reclusa em uma penitenciária, a estudante Estela Taques, que foi presa em flagrante em maio de 2007 no Aeroporto Internacional Augusto Severo quando transportava Ecstasy e maconha trazidos da Holanda, passará dois anos e seis meses prestando serviço. Ela atuará em duas atividades: trabalhará por uma hora diariamente, durante o período em que deveria ficar presa, em uma entidade pública de tratamento e recuperação de dependentes de drogas. A pena do magistrado para Estela Taques também obriga a continuidade dos estudos universitários.
Ela deverá apresentar semestralmente à Justiça a assiduidade e o aproveitamento no curso. A ré ainda pagará uma multa de R$ 2.533, que será paga parcelada.
Nesse item da sentença o Juiz Federal Mário Jambo trouxe um entendimento de incentivo aos estudos da jovem. O pagamento da multa será “em parcelas correspondentes à soma das médias finais dos dois primeiros semestres freqüentados na universidade após a condenação”.
Na sentença, proferida três meses após o Ministério Público Federal apresentar a denúncia, o Juiz destacou: “Deixo claro, com tranqüilidade e firmeza, a minha indignação e contrariedade com soluções legislativas que, longe dos olhos de quem vai ser condenado, colocam o Direito Penal como principal fator para a redução da criminalidade”.
O Juiz Mário Jambo ponderou ainda para a importância do magistrado analisar a pena estritamente necessária para o acusado. “Com todas minhas limitações, não abro mão da responsabilidade que me foi imposta pela Constituição da República em buscar no caso concreto, para cada acusado e dentro da lei, a pena estritamente necessária e suficiente para a prevenção reprovação do delito cometido, buscando, principalmente, a recuperação do apenado e a restauração e reversão, na sociedade, dos fatores facilitadores da reincidência”, escreveu na sentença.
E o magistrado foi ainda mais além: “Não defendo aqui a impunidade, mas a pena estabelecida após a análise das particularidades de cada caso concreto dentro dos limites que o Legislador fixar. O que se rejeita aqui são as fórmulas legislativas rígidas que impeçam as ‘calibragens’ necessárias para uma verdadeira individualização da pena”.
O Juiz Mário Jambo observou ainda que a sentença não é um ato de vingança, mas de amor, que pune quando necessário, sem perder o foco da suficiência e da necessidade. “Em tempos de “tolerância zero” e “lei e ordem” e, principalmente, após o polêmico e magnífico filme “Tropa de Elite”, que por ser polêmico e estimular o debate nada tem de fascista, não tenho como deixar de reafirmar a minha crença inabalável de que uma vara criminal é, antes de tudo, um terreno das garantias fundamentais e instrumento da solidariedade humana. Aqui a sentença penal não é ato de vingança, mas ato de amor, de um amor equilibrado, que pune quando necessário, mas sem perder o foco preciso da suficiência e da necessidade”, ressaltou na sentença.
Fonte: Assessoria da JFRN

4 comentários:

Unknown disse...

nossa!

Unknown disse...

Conheço Mário Jambo.
Ratifico as palavras ditas sobre ele.
Sobre a sentença, tenho dúvidas sobre a inconstitucionalidade decretada.
Se inconstitucional, seria a favor da substituição se a condenada for uma mera "mula" de primeira viagem.
Sobre a substituição em si, quanta criatividade! Muito interessante principalmente o estímulo aos estudos.

Hugo de Brito Machado Segundo disse...

Não conheço o juiz, mas só de ler a sentença passei a admirá-lo bastante. Alguém com espírito crítico, razoável, ciente de sua função e de seu papel, humano e com incrível senso de justiça.
É claro que o dispositivo é inconstitucional, pois proíbe tratar de forma diferente pessoas em situação radicalmente diferente, e a solução pelo juiz adotada é muito mais adequada para atingir a finalidade da pena do que a supressão de sua liberdade em um presídio. Deixaria de cursar uma faculdade para ter uma profissão e colaborar com a sociedade e passaria a cursar a faculdade do crime...
É difícil falar sem ter conhecimento dos fatos, e da realidade dos autos, mas parece não ser ela sequer uma mula, mas mera usuária trazendo sua "muamba" de um país onde o seu consumo não conta com as mesmas proibições daqui... É claro que isso não justifica o que ela fez, mas justifica que a ela não se dê o mesmo tratamento que deve ser dado a um traficante de drogas.

Anônimo disse...

O Judiciário tem amenizado, no meu ver distorcido, a legislação penal no intuito de evitar que criminosos com boa posição social fiquem presos. Em verdade, todas essas decisões invocam esse ou aquele princípio constitucional ou dos direitos humanos, mas o que de fato se passa é aquilo que disse anteriormente, os juízes distorcem a lei... Quais são os verdadeiros fundamentos dessas decisões? O fulano é branco, bem nascido, filho do Dr. Sicrano, neto do Dr. Beltrano, é bem apessoado, etc. Em suma, se fosse preto, pobre, mal cheiroso, favelado, etc... Pau na moleira dele! Assim caminha nossa jurisprudência penal...