terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

A inevitável ponderação...

Há muito tempo me convenci (com Alexy) de que a ponderação é inevitável.


O grande problema da ponderação, enquanto técnica de decisão para solucionar as colisões de direitos fundamentais, é que ela vai gerar o seguinte paradoxo: fatalmente, o juiz terá que descumprir a Constituição, total ou parcialmente!


Não há como fugir disso. Alguns tentam camuflar o descumprimento com argumentos "linguísticos", mas no fundo vai ser sempre isso: uma norma da Constituição terá que ceder em favor de outra mais importante.


Por exemplo, quando se defende que a liberdade religiosa não justifica o sacrifício de vidas humanas, o que se deseja dizer é que a vida vale mais do que a religião. Sacrifica-se o direito de religião em favor do direito à vida. Quer queira quer não queira a liberdade religiosa está indo para o inferno... (trocadilho fraco, não?)


Para demonstrar que a ponderação é inevitável e que necessariamente o juiz terá que descumprir a Constituição diante de uma colisão de direitos fundamentais, apresento o exemplo abaixo extraído do meu livro. Ele se baseou em um caso real, mas a parte final (a parte interessante) fui eu que desenvolvi.


E aí como resolver esse caso sem ponderação?


Eis o caso:


A Constituição estabelece que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos” (art. 5º, LVI, da CF/88).

O Supremo Tribunal Federal tem interpretado essa norma de maneira praticamente absoluta. Ele não admite ponderações. Quando muito se admite a utilização da prova ilícita para inocentar, nunca para condenar.

Nesse sentido, vale transcrever esse interessante voto do Min. Sepúlveda Pertence:

“Não contesto a relatividade dos direitos e garantias individuais, sujeitos a restrições na estrita medida da necessidade, em caso de conflito com outros interesses fundamentais igualmente tutelados pela Constituição.
Por isso, igualmente não nego, em linha de princípio, a legitimidade do apelo ao critério da proporcionalidade para solver a colisão entre valores constitucionais.
Posto não ignore a autoridade do entendimento contrário, resisto, no entanto, a admitir que à garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita se possa opor, com o fim de dar lhe prevalência em nome do princípio da proporcionalidade, o interesse público na eficácia da repressão penal em geral ou, em particular, na de determinados crimes.
É que, aí, foi a Constituição mesma que ponderou os valores contrapostos e optou - em prejuízo, se necessário, da eficácia da persecução criminal - pelos valores fundamentais, da dignidade humana, aos quais serve de salvaguarda a proscrição da prova ilícita
”. (STF, HC 79.512, Rel.: Min. Sepúlveda Pertence, j. 16/12/1999)

Para verificar se esse entendimento do Supremo Tribunal Federal está correto, vale analisar um caso bastante interessante.

Digamos que um marido ciumento, desconfiado de sua mulher, resolva contratar um detetive particular para saber se está sendo traído. O detetive, utilizando de expediente ilegal, grampeia o telefone celular da esposa de seu cliente. No meio das escutas gravadas ilicitamente, o marido descobre que, além de estar sendo traído, a mulher também costuma ministrar medicamentos pesados (“Lexotan”) para forçar as suas filhas dormirem enquanto ela se diverte com seu amante. Isso é realizado com certa freqüência, sendo que, nas gravações, a mulher não demonstra nenhum remorso em relação a isso.

O marido fica indignado e apresenta as provas ao ministério público. O ministério público denuncia a esposa.

Essa gravação ilegal pode ser utilizada para condenar a esposa ou o amante?

Esse exemplo se baseou em um caso real. No referido caso, que chegou até o Superior Tribunal de Justiça, a prova não foi aceita para condenar a mulher. Confira a ementa:

“CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. ESCUTA TELEFONICA. GRAVAÇÃO FEITA POR MARIDO TRAIDO. DESENTRANHAMENTO DA PROVA REQUERIDO PELA ESPOSA: VIABILIDADE, UMA VEZ QUE SE TRATA DE PROVA ILEGALMENTE OBTIDA, COM VIOLAÇÃO DA INTIMIDADE INDIVIDUAL. RECURSO ORDINARIO PROVIDO.
I - A impetrante/recorrente tinha marido, duas filhas menores e um amante médico. Quando o esposo viajava, para facilitar seu relacionamento espúrio, ela ministrava "lexotan" às meninas. O marido, já suspeitoso, gravou a conversa telefônica entre sua mulher e o amante. A esposa foi penalmente denunciada (tóxico). Ajuizou, então, ação de mandado de segurança, instando no desentranhamento da decodificação da fita magnética.
II - Embora esta Turma já se tenha manifestado pela relatividade do inciso XII (última parte) do art. 5. da CF/1988 (HC 3.982/RJ, rel. Min. Adhemar Maciel, DJU de 26/02/1996), no caso concreto o marido não poderia ter gravado a conversa a arrepio de seu cônjuge. Ainda que impulsionado por motivo relevante, acabou por violar a intimidade individual de sua esposa, direito garantido constitucionalmente (art. 5., X). (...)” (STJ, RMS 5352/GO, relator para acórdão Min. Adhemar Maciel, j. 27/5/1996).

Até aí, a decisão está coerente com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, embora talvez fosse possível, já nessa hipótese, pensar em uma ponderação.

No entanto, para tornar a discussão ainda mais interessante, continuo com o mesmo exemplo, mas criando uma situação hipotética.

Digamos que o mesmo marido ingresse com uma ação cível, em uma vara de família, tentando obter a guarda das crianças. Na sua petição, ele junta as gravações ilegais demonstrando que a mulher efetivamente ministrava “Lexotan” às meninas. Essas são as únicas provas que ele conseguiu coletar. Ninguém quis testemunhar contra a mulher.

Para justificar a utilização das provas ilícitas, o marido invocou o artigo 227 da Constituição que estabelece:

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

A mulher, por sua vez, argumentou que a interceptação clandestina fere o artigo 5, inc. XII, da CF/88:
"XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal".
Alegou, ainda, que a intercepção clandestina é, inclusive, crime punido pela legislação penal:

“Art. 10. Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei. Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa” (Lei 9.296/96).

De acordo com os argumentos da mulher, se fosse aceita a prova obtida mediante a prática de um ilícito, de nada adiantaria a garantia prevista na Constituição e estariam abertas as portas para aceitar, por exemplo, a confissão mediante tortura ou outras barbaridades.

Sendo assim, questiona-se: você sendo o juiz de família competente pela decisão sobre a guarda das crianças aproveitaria esse material para tomar uma decisão contra a mãe? Qual o valor, no caso concreto, mais importante: a proteção das crianças, com absoluta prioridade (art. 227) ou a proibição de utilização da prova ilícita (art. 5º, inc. LVI)?

Como resolver esse conflito sem descumprir a Constituição?

16 comentários:

Anônimo disse...

Kelsen mostra que esse conflito nao pode ser resolvido pela ciencia do direito, porque a ciencia eh um ato de conhecimento, e nao de vontade. Se o conflito entre normas apresenta diversas solucoes, basta ao estudioso apresentar suas diversas possibilidades. A escolha entre umas e outras eh simplesmente um ato de vontade, o qual somente tem valia para o aplicador do direito. Como afirma o jurista nao-brasileiro:
"A interpretação científica é pura determinação cognoscitiva do sentido das normas jurídicas. Diferentemente da interpretação feita pelos órgãos jurídicos, ela não é criação jurídica. A idéia de que é possível, através de uma interpretação simplesmente cognoscitiva, obter Direito novo, é o fundamento da chamada jurisprudência dos conceitos, que é repudiada pela Teoria Pura do Direito. A interpretação simplesmente cognoscitiva da ciência jurídica também é, portanto, incapaz de colmatar as pretensas lacunas do Direito, O preenchimento da chamada lacuna do Direito é uma função criadora de Direito que somente pode ser realizada por um órgão aplicador do mesmo e esta função não é realizada pela via da interpretação do Direito vigente."

Por obvio que o aplicador do direito tera que justificar sua escolha, porque ha norma que o obriga: artigo 93, algum inciso.
Assim, melhor do que divagar sobre qual a solucao pretensamente correta, a qual pode ser preterida pelo aplicador do direito, eh estudar quantas possibilidades sao viaveis. Pelo menos encontrar-se-ao os aplicadores do Direito que sairam do leque de possibilidades que o conflito de normas possibilita.
Kelsen tambem deu pitaco sobre essse ponto. Embora tenha falado de normas com multiplos significados, tambem eh inteiramente aplicavel no confronto entre norma-principio e norma-regra, em que nao ha norma obrigando que se escolha uma em detrimento d'outra, confira:
"Um advogado que, no interesse do seu constituinte, propõe ao tribunal apenas uma das várias interpretações possíveis da norma jurídica a aplicar a certo caso, e um escritor que, num comentário, elege uma interpretação determinada, de entre as várias interpretações possíveis, como a única “acertada”, não realizam uma função jurídico-científica mas uma função jurídico-política (de política jurídica). Eles procuram exercer influência sobre a criação do Direito. Isto não lhes pode, evidentemente, ser proibido. Mas não o podem fazer em nome da ciência jurídica, como freqüentemente fazem."
Portanto, se conversarmos sobre a solucao desse conflito, sera um bate-papo entre nao-juristas, como colegas. Resposta que tera o mesmo valor da conclusao a que chegam dois bebuns ao termino de uma longa noite num boteco qualquer!

Joao Paulo

George Marmelstein disse...

É justamente isso que quero dizer: a teoria de Kelsen não ajuda em nada a solucionar esse tipo de conflito. Daí a grande vantagem do "pós-positivismo", que é precisamente "arregaçar as mangas" do jurista para que ele também se preocupe com esse tipo de questão, que ocorre com muito mais freqüência do que se imagina.
Se a ciência do direito não puder dar nenhum pitaco nesse tipo de controvérsia, então ela perde seu sentido.
Assim, tendo em vista que a ponderação é inevitável, cabe ao jurista também enfrentar esse problema e não simplesmente cruzar os braços e dizer: te vira juiz.
Eu, como juiz, quero poder abrir um livro de um jurista e encontrar soluções (ou melhor, argumentos) para os problemas que enfrento no meu dia a dia.
Nesse caso concreto, não tenho dúvida de que eu iria aceitar as provas ilícitas. Acredito (ato de vontade) que a proteção das crianças é um valor mais importante.
Mas meu ato de vontade não vale nada se eu não tiver uma argumentação consistente capaz de justificar meu ponto de vista. E aqui é que a ciência do direito vai ter sua importância, pois será ela quem fornecerá os alicerces argumentativos capazes de legitimar minha decisão.
A decisão judicial é sim um ato de vontade, mas um ato de vontade fundamentado e que necessariamente deve ser compatível com os valores constitucionais, sob pena de se deslegitimar.

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Realmente, qualquer decisão a ser tomada feriria direitos da personalidade, derivados do postulado maior da dignidade da pessoa humana, ou da esposa, cuja intimidade foi violada ou das crianças, pois uma vida digna, com certeza só existe aundo desenvolvida longe de ameaças constantes à saúde.
A ferramenta hábil a solucionar tal celeuma é o próprio princípio da isonomia material, pois aos menores, hipossuficiêntes, por serem pessoas ainda em formação, asiste o direito de crescer em um ambiente saudável, conceito incompatível com uma realidade em que sua genitora os ministre drogas de alto poder calmante sem finalidade terapêutica alguma.
Ainda cabe mencionar a própria regra específica do artigo 227 da Lei Maior como embasamanto para a concessão da guarda daquelas infantes ao pai.
No mais, repise-se que os tribunais superiores têm admitido provas ilícitas quando a sua rejeição tem sido ofensivaa valores como o direito à liberdade (exemplos das absolvições baseadas em provas ilícitas).
Não se pode dizer que ao decidir nesse sentido o judiciário estaria então convaliando tais provas, pois o crime contido na conduta de obtê-las ainda assim existe e será analisado, o que não se pode é fechar os olhos para um violação de direitos fundamentais dehiposuficiêntes, cuja integidade, caso não cesse tal atrocidade, poderá restar comprometida.

Unknown disse...

Só completando.. quando falei de isonomia material entenda-se que pelo fato de os menores serem hipossuficientes o Estado, e digo inclusive ESTADO-JUIZ, deve lhes dispensar umtratamento iferenciado, inclusive ao ponderar tal fator ao decidir

Relacionamentos e afins disse...

hun..não tenho tanta bagagem qto os comentaristas acima n pq eu agora que comecei o 3° período. Mas um argumento bem simples que eu usaria para validar, nesse caso, a prova ilícita, seria a de que o direito invocado da criança e do adolescente está garantido na constituição, enquanto o da esposa está na legislação penal, que é hierarquicamente inferior à constituição. É um péssimo argumento? Desculpa, como eu disse, to mto no inicio ainda, mas eu adoro o seu blog e a oportunidade que encontro aqui de me informar mais sobre o direito, mesmo sem ter visto ainda na faculdade.

Anônimo disse...

Veja alessandra:

1- Se o conflito fosse entre a norma constitucional e a legal, a resposta seria essa mesma.

2- No entanto, no texto, o conflito ocorre entre duas normas constitucionais.
Em suma, o pai queria tirar a guarda da menina da mae. Como meio de convencer o juiz de que a mae nao teria condicoes de cuida-la, pretendeu usar uma prova que foi colhida com a violacao de sigilo telefonico, o que eh vedado pela constituicao, confira o artigo quinto, incurso XII, da CF :
" EH inviolavel o sigilo da correspondecia e das comunicacoes telegraficas, de dados e das comunicacoes telefonicas, salvo, no ultimo caso, por ordem judicial, nas hipoteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigacao criminal ou instrucao processual penal"

O que diz o preceito eh:
"Soh podera haver restricao ao sigilo das comunicacoes telefonicas, caso haja uma lei, a qual devera estabelecer que essa restricao so poderah ocorrer para fins de investigacao criminal ou instrucao processual penal"

Assim, tem-se 2 hipoteses:
1- nao ha lei ainda regulando: Nessa hipotese, qualquer violacao ao sigilo de dados, nao importa o fim, eh um ilicito.
2- JA HA LEI REGULANDO:
Essa ira regular, por exemplo, quem pode pedir a quebra do sigilo, o prazo. Mas perceba: devera atender a ordem do constituinte: soh para fins de investigacao criminal ou instrucao processual penal.
Essa lei ja existe, de forma que, no presente, estamos na situacao 2. A lei eh a citada no texto do GEORGE: LEI 9296.
Anote o seguinte: Antes dessa lei qualquer violacao a sigilo das comunicacoes era considerada ilicita, pois o constituinte estabeleceu que tal soh seria possivel depois de regulada a lei para fins determinados.

Depois da lei: Agora pode! No entanto, apenas para fins de investigacao criminal ou para servir de prova no processo penal, nas restritas hipoteses reguladas na lei. Para qualquer outra hipotese, autorizada pelo juiz ou feita as escondidas, tem-se um ilicito.

Eh o que ocorre no presente caso: a descoberta de que a mae ministrava lexotan para " dar uma" com o medico foi descoberta em virtude de uma violacao do sigilo da comunicacao telefonica. Assim, temos um ilicito praticado pelo pai!

Vamos a segunda parte: No mesmo artigo quinto da Const. Federal, ha um outro inciso, LVI, que prescreve:
"Sao inadmissiveis, no processo, as provas obtidas por meios ilicitos"

Como o fato indecoroso da mae foi descoberto de modo ilicito, nao poderia o pai utiliza-lo para fazer prova num processo de destituicao de guarda( processo civil).

No entanto, a mesma constituicao estabelece em seu art 227 o seguinte:

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Nesse artigo, ha uma norma obrigando o Estado, na parte que interessa a questao, a colocar os adelescentes e as criancinhas a salvos da violencia, crueldade etc...

Perceba que ha duas normas conflitantes: Uma que obriga o Estado a nao aceitar num processo as provas ilicitas e outra, com a mesma hierarquia, impelindo o Estado a assegurar as criancas, entre outras coisas, a salvos de violencia, a qual deve ser entendida sob as mais variadas formas, o que inclui, por obvio, crueldade e opressao.

Indagou o nobre professor: O que deve fazer o juiz em tal situacao?

Eh o relatorio
Joao Paulo

George Marmelstein disse...

Alessandra,

nesse ponto, o João Paulo está certo.
Há duas normas constitucionais em favor da mãe: os incisos XII e LVI (isso sem falar numa possível incidência do inciso X) do artigo 5.
A prova é ilícita por força da Constituição, que proíbe a interceptação das comunicações telefônicas sem autorização judicial e sem finalidade penal. A lei tão somente regulamentou o dispositivo constitucional.
Não há, portanto, como utilizar os critérios clássicos de solução de antinomia (hierárquico, cronológico e da especialidade). As normas em conflito são constitucionais (portanto de mesma hierarquia) foram promulgadas ao mesmo tempo e possuem um grau semelhante de abstração (se bem que a proibição de prova ilícita é bem mais "densa" do que o dever de proteção às crianças).
É um típico caso de colisão de valores, onde a ponderação será inevitável.
O curioso, neste caso, é que o juiz, caso julgue em favor do pai, vai ter a obrigação de remeter os autos para o ministério público para que seja apurado o crime de interceptação clandestina.
Ou seja, o pai pode até ganhar a guarda das crianças, mas terá que responder ao processo penal por haver cometido um crime (art. 10, da Lei 9296/96).
E é nisso que reside o paradoxo desse caso: tanto a mãe quanto o pai são criminosos!
Que tal dar a guarda das crianças para adoção?

:-)

George Marmelstein

Andre disse...

Nesse caso, acredito que pela sua relatividade, o obste a aceitação das provas não poderia prevalecer. Seria necessário tirar um pouco de sua efetividade com intuito de mantê-la o máximo possível sem se criar uma idéia de hierarquia entre os princípios em questão.
A atitude do pai, simplesmente para saber se estava sendo traído ou não, certamente, não justifica a gravação ilícita. Porém, em decorrência disso, diante de outra prática ilícita (do meu ponto de vista, bastante relevante) eventualmente descoberta, as provas devem ser aceitas. Admitir sua prevalência seria utilizar-se de um direito fundamental para vendar os olhos diante do sobrevalor da vida. A utilização desses medicamentos, que tem como princípio o “Bromazepam”, especialmente em crianças, pode levar a sérios riscos de vida, dentre eles, a dependência física e psicológica, abstinência, amnésia, dentre outros.
Pela exposição a tal risco o juiz não pode manter os olhos e ouvidos fechados ao ponderar sobre a aceitação das provas, ainda que obtidas ilicitamente (crime punível), porque nessa situação eu entendo que a norma deve ceder, pois, no caso, encontra justificativa para tanto: o risco de vida das crianças e a incolumidade da família. A aceitação é um meio necessário e adequado para salvaguardar os valores constitucionais que, como transmite o próprio texto constitucional, devem, com clareza, ter seu núcleo intangível resguardado.
É difícil a situação, mas espero que tenha sido válida (em algum ponto) a minha opinião, ainda que escrita sem maiores pesquisas e reflexões.

George Marmelstein disse...

André,

suas colocações estão perfeitas (pelo menos no meu ponto de vista).

Há um princípio, que praticamente ninguém comenta aqui no Brasil, chamado "princípio da proibição de abuso de direito fundamental".

Esse princípio significa basicamente o seguinte: nenhum direito fundamental pode ser interpretado de maneira a conferir para qualquer pessoa o direito de praticar algum ato destinado a destruir outros direitos fundamentais.

Depois, com mais calma, comentarei esse importante princípio de interpretação.

Anônimo disse...

caro professor:

O que acha do livro "DA ESTRUTURA A FUNCAO" de bobbio?

Anônimo disse...

Eu, como juiz, quero poder abrir um livro de um jurista e encontrar soluções (ou melhor, argumentos) para os problemas que enfrento no meu dia a dia.< GEORGE>

Nao seria melhor tentar a resposta em livros nao-juridicos, quando nao haja norma que imponha interpretacao? Por obvio, que, na atual febre chamada pos-positivismo, nao faltarao livros que tratem do juridico e do nao-juridico. Mas eh preciso distinguir livros formais, dos materialmente juridicos. Tal como uma Constituicao rigida pode trazer normas que nao sao objeto do Direito Constitucional, pode um livro pretensamente juridico tratar de assuntos que nao sao objeto da Ciencia do Direito. Tirando o previsivel prefacio do livro: um puxa-saco falando das qualidades impares do autor, nao podendo ser lido por quem nao tenha o tempo a perder com bobagens; cabe ao jurista separar durante a leitura o joio do trigo, ou melhor, o nao-juridico do juridico.

Nao que tais assuntos nao sejam interessantes, nem que sejam destituidos de valor para a formacao de um jurista humanista. No entanto, melhor deixar os juristas com a norma, os medicos com a fisiologia... Com excecao do Bobbio, citado acima, esse sim pode falar do que quiser: ciencia politica, filosofia, Ciencia juridica. Mas ele eh excecao, e nao regra.
Assim, quando a norma usar de conceitos vagos, tal como a origem da vida, consultemos livros medicos.
Quando houver conflito entre normas , em que nao ha obrigatoriedade de escolher uma ou outra, peguemos um livro de argumentacao juridica.
Ja que se fala tanto em STF, pegue o caso do HC, nao sei quanto, sobre o conflito liberdade de expressaoo x livro anti-semita. Nesse caso, enquanto o Moreira Alves socobrava algum juridiques, o Mauricio Correa, em seu voto, utilizou ate a Biblia: Genesis e seus versiculos. No final, deu no que deu: imventaram um novo principio: analogia in mallam partem, ou num bom portugues: integracao da norma juridica para fuder o reu!

Joao Paulo

Luiz Tanajura Júnior disse...

Sou contrário ao argumento e princípio do "fruto da árvore envenenada". Só acolhe a quem é criminoso. Posso estar sendo simplista ao extremo, mas creio que a solução mais adequada aos casos de obtenção de provas de modo ilícito seja responsabilizar penalmente o responsável pela obtenção (utopia da minha parte). Mas uma vez colhida a verdade... sempre verdade, crime maior seria eclipsar as vistas ante estes fatos.

Não lí qualquer estudo simpático a este meu ponto de objetiva, mas gostaria de ler, acaso alguém possa me indicar(ou mesmo uma decisão neste sentido) serei grato.

Neste caso em tese, não estamos (nós, operadores do Direito) limitados pela CF, mas sim pela norma infra - processual. Interesses maiores (constitucionais) estão sim preservados e "atropelam" outros interesses passíveis do sacrifício. E sim, existirá sempre hierarquia de normas dentro do corpo constitucional, o nosso papel é justamente o de "carrasco", matamos uns para outros sejam salvos.

Anônimo disse...

Colega, basta convencer algum julgador a utilizar as teorias divergentes ou contrárias, tais quais: a teoria do descobrimento inevitável (inevitable discovery exception) ou a teoria do descobrimento provavelmente independente (hipotetical independent source rule) e a teoria da descontaminação do julgado. Para essas informações, vide entre outros, MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento, São Paulo, editora RT, 2006, pgs. 397/401.



Meu ponto de vista sobre o caso é o seguinte:

conforme exposto pelo prof. George, a decisão deve, antes de qualquer outra coisa, cumprir a constituição integralmente, sem desrespeitá-la.

O professor marinoni, utilizando-se da doutrina espanhola de GALVÉZ MUÑOZ, diz que a questão é saber se a prova tida como derivada da ilícita teria sido produzida ainda que a prova ilícita não tivesse sido obtida.

Com efeito, não basta, segundo o entendimento da doutrina espanhola, uma conexão natural entre a prova ilítica e a prova supostamente derivada, tem de haver uma conexão jurídica.

Destarte, em que pese o simplismo desta manifestação, é necessário averiguar se a admissão da segunda prova como ilítica contribui para a defesa dos direitos que se objetiva proteger através da proibição da prova tida como ilícita.

Em outras palavras, a teoria da contaminação da prova derivada da ilícita (teoria dos frutos da árvore envenenada) somente tem sentido ou razão de ser quando a eliminação da segunda prova traz efetividade a tutela dos direitos fundamentais que objetiva proteger, pois caso contrário ela será inútil.

No caso apresentado pelo prof. George, e segundo suas próprias palavras:


"ele junta as gravações ilegais demonstrando que a mulher efetivamente ministrava “Lexotan” às meninas. Essas são as únicas provas que ele conseguiu coletar. Ninguém quis testemunhar contra a mulher."

Entendo que a prova ilícita é a gravação telefônica clandestina, tendo como argumento a demosntrar a sua ilicitude o art. 5º, XII, da CRFB/88.

Por outro lado entendo que para demonstrar que a mulher "efetivamente" ministrava lexotan às meninas, juntou também laudo de exame toxicológico feito nas meninas, eis que um pai que descobre tal ocorrência certamente ferá exame laboratorial, até mesmo a pedido do MP que anteriormente denunciára a Mãe (caso contrário não seria possivel demonstrar efetivamente que tal medicamento fora ministrado, e muito menos seria possivel essa arumentação, que utilizará o laudo hipotético como sendo a segunda prova - derivada da ilicita)

Entendendo-se que foi juntado o laudo toxicológico das meninas, essa é a segunda prova derivada da ilícita (gravação telefônica)

Feitos os esclarecimento, a questão é saber se a segunda prova pode ser considerada independentemente ilícita ou contaminada, neste caso devendo verificar se seria cabível a aplicação da teoria do descobrimento inevitável (inevitable discovery exception) ou a teoria do descobrimento provavelmente independente (hipotetical independent source rule)

Na exceção do "descobimento inevitável" se admite que a segunda prova deriva da ilítica, porém entende-se que não há razão para reputá-la nula ou inválida, pois a descoberta por ela constatada ocorreria mais cedo ou mais tarde. Neste caso, nem todos os frutos da arvore envenenada seriam proibidos, pois alguns poderiam ser aproveitados.

Segundo o prof. Marinoni, a ilicitude persiste no plano do direito material, embora a prova derivada possa ser utilizada no processo, devendo o violador ser sancionado pela violação do direito fundamental, porém a prova descoberta, (que seria descoberta mais cedo ou mais tarde) não poderia deixar de ser aproveitada.

Nestes termos, a escuta clandestina é ilícita. O laudo é ilícito por derivação. Porém verifica-se necessário saber se a descoberta do laudo (a manipulação de entorpecente às meninas) seria descoberta mais cedo ou mais tarde.

Entendo que provavelmente sim, pois um exame sangüíneo poderia revelar o teor da substância, e o médido que viesse a fazer a análise dos resultados teria por obrigação questionar os pais das meninas o porque de ministrar lexotan a crinças.

Outrossim, o remédio apresenta efeitos coleterais, que seriam percebidos pelo pai das crianças, que achando estranho o comportamento das filhas, a levaria ao médido, que prescreveria exames, com resultados esclarecedores.

Ainda que hipotéticamente, são atitudes esperadas do homem médio.

Neste caso, o pai cometeu crime sim, a ser averiguado na esfera criminal. Já na esfera cível, de família, a ponderação deve ser feita à luz da teoria do descobrimento inevitável, eis que reconhecidamente assiste um direito fundamental a mãe das meninas, qual seja, a inviolabilidade de sua privacidade por meio do sigilo telefônico. Quanto às crianças assistem-lhes as prescições do art. 227, caput, da CRFB/88;

A mãe teve um direito fundamental violado, que deve ser apurado na instância criminal, promovendo-se a responsabilização penal do Pai.

Já quanto a violação aos direitos fundamentais das Crianças, verifica-se, que ainda que a prova primária (escuta clandestina) seja considerada ilícita, como de fato o é, a prova derivada da ilítica ( o laudo toxicológico) é uma prova que revela algo que seria descoberto mais cedo ou mais tarde, razão pela qual não deve ser afastada ou considerada nula, e ao revés, deve ser utilizada para decidir sobre a guarda das crianças.

Nesse caso seria um problema à parte decidir sobre a guarda, pois a mãe cometeu crime, e o pai também, a primeira para praticar luxuria, e o segundo para descobrir se estava sendo traido, em ato notadamente (mais psicológico do que propriamente jurídico) de vaidade. seria "o ciume só vaidade" como apregoam alguns?

Enfim, certo é que a guarda não poderia ficar com a mãe. Provavelmente, sobrevindo a prisão do Pai, nem com este obviamente. Restariam outros familiares.

em todo caso, eis a conclusão:

Dispositivo

Ex positis, e demais que dos autos consta, extingo o processo com julgamento de mérito, para desconstituir a guarda compartilhada com a mãe, em face do decidido na fundamentação, para conceder a guarda exclusivamente ao pai.


espero não ter descumprido a Constituição

Thiago.

Anônimo disse...

Ponderação a favor das Crianças, simplismente. Seria minha decisão tão suscinta quanto este comentário.

Anônimo disse...

"error in procedendo" por ausência de fundamentação. Caça-se a sentença para que outra seja proferida em seu lugar.