quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Jurisprudenciando - Caso Diogo Mainardi (Sentença do Mandarino)

Aproveitarei este blog para comentar algumas decisões interessantes, especialmente ligadas aos direitos fundamentais.
Para inaugurar este espaço, nada melhor do que divulgar uma excelente sentença proferida pelo meu amigo Juiz Federal Ricardo Mandarino.
A sentença foi proferida em uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal de Sergipe contra o jornalista Diogo Mainardi, que, em seus escritos, costuma fazer brincadeiras preconceituosas em relação aos nordestinos. O MPF pretendia condenar o jornalista a pagar uma indenização por haver violado o direito de não-discriminação.
O que estava em jogo no caso era uma colisão de direitos fundamentais: de um lado a liberdade de expressão jornalística, o direito de crítica e o direito de manifestação do pensamento; do outro lado da balança, estava o não preconceito e a não discriminação.
Na sentença, cuja leitura é saborosa, o julgador concluiu que “entre tolerar pequenas ofensas e limitar a liberdade de expressão, prefiro a tolerância em nome da liberdade”.
Concordo plenamente com a decisão. Logicamente, que a ofensa contra os nordestinos, no caso, foi mínima. Seria diferente, por exemplo, se o jornalista estivesse escrito um manifesto de ódio ou uma cartilha de extermínio de nordestino, como fizeram os nazistas em relação aos judeus. Para quem está acostumado a acompanhar os artigos de Diogo Mainardi, sabe que, apesar de sua linguagem ácida, ele não precisa ser levado tão a sério. Não diria que ele é um “Zé Doidim”. Mas, no fundo, ele não passa de um personagem por ele criado.
O tipo de crítica que ele escreve (podando-se eventuais excessos) é, na minha ótica, fundamental para a democracia. E digo isso apesar de quase nunca concordar com ele. Aliás, me considero “de esquerda”, se é que ainda é possível falar em direita e esquerda neste mundo globalizado e politicamente confuso.
De qualquer modo, para fechar este post, indico o endereço onde pode ser encontrada a sentença:
http://www.jfse.gov.br/noticiasbusca/noticias_2007/Junho/decdiogo.pdf
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Em tempo:
A propósito desse assunto, lembrei de uma outra decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, envolvendo o mesmo jornalista.
Como se sabe, Diogo Mainardi, sempre polêmico, possui uma clara oposição ideológica ao Presidente Luís Inácio Lula da Silva e ao Partido dos Trabalhadores de um modo geral.
Na edição de 03/08/2005, em sua coluna semanal publicada na Revista Veja, Mainardi escreveu uma crônica afiada ao Presidente Lula intitulada “Quero Derrubar Lula”, onde defendeu o impeachment do Presidente da República, pois, de acordo com ele, “pior do que está não pode ficar”.
Em razão dessa coluna, alguns partidários do Presidente Lula ingressaram com petição no Supremo Tribunal Federal (PET 3486/DF) requerendo a abertura de procedimento penal para apurar suposto “crime de subversão contra a segurança nacional, que está colocando em perigo o regime representativo e democrático brasileiro, a Federação e o Estado de Direito e crime contra a pessoa dos Chefes dos Poderes da União”.
O Min. Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, relator do caso, proferiu memorável voto em favor da liberdade de imprensa, determinando o arquivamento do processo, pois a situação fática narrada estaria protegida pela liberdade de manifestação do pensamento e, portanto, não poderia ser punida.
Eis um trecho do voto:
"O teor da petição em referência, longe de evidenciar supostas práticas delituosas contra a segurança nacional, alegada­mente cometidas pelos jornalistas mencionados, traduz, na realidade, o exercício concreto, por esses profissionais da imprensa, da liberdade de expressão e de crítica, cujo fundamento reside no próprio texto da Constituição da República, que assegura, ao jornalista, o direito de expender crítica, ainda que desfavorável e exposta em tom contundente e sarcástico, contra quaisquer pessoas ou autoridades.
Ninguém ignora que, no contexto de uma sociedade fundada em bases democráticas, mostra-se intolerável a repressão penal ao pensamento, ainda mais quando a crítica – por mais dura que seja – revele-se inspirada pelo interesse público e decorra da prática legítima, como sucede na espécie, de uma liberdade pública de extração eminentemente constitucional (CF, art. 5º, IV, c/c o art. 220)".
Clique aqui para ver o voto na íntegra.
Como se observa, foi afastada a prática de suposto delito contra a segurança nacional por estar a conduta protegida pelo direito fundamental à manifestação do pensamento. A liberdade expressão foi alçada a um valor objetivamente aferível para afastar a aplicação da Lei de Segurança Nacional no caso concreto. Eis um belo exemplo de respeito à democracia.

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