segunda-feira, 5 de maio de 2008

Marcha da Maconha: um "tapinha" na democracia

Assistindo ao Fantástico ontem à noite, fiquei impressionado com a falta de maturidade democrática de nosso país, especialmente porque, no caso, houve o aval do Judiciário.


Foram concedidas diversas ordem judiciais pelo Brasil afora proibindo a realização da "Marcha da Maconha", evento que pretendia reunir pessoas favoráveis à legalização da droga no país.


Confesso que não tenho opinião formada quanto ao mérito da questão em si (liberação da maconha), mas a tese não é tão absurda ao ponto de se proibir até mesmo a sua discussão. Talvez existam alguns crimes que sejam tão abomináveis que a mera defesa de sua descriminalização soe como uma heresia. Pedofilia e racismo se incluem nessa linha. Mas a legalização da droga? Desde que me entendo por gente esse assunto é discutido abertamente sem censura, até mesmo em respeitáveis congressos jurídicos. Por que proibir uma marcha em defesa da tese?

O Dimitri Dimoulis e o Leonardo Martins, no seu "Teoria dos Direitos Fundamentais" (ed. Revista dos Tribunais), apresentam um estudo de caso bem interessante envolvendo uma questão muito parecida. Eles chamaram o hipotético caso de "A Polêmica da Camiseta". Em síntese, um estudante universitário foi punido disciplinarmente pela faculdade em que estudava por usar uma camiseta com os seguintes dizeres: "meu patrão, que bebe uísque, é considerado um cidadão exemplar. Eu, que fumo maconha, sou chamado de marginal? Legalize já!"

Eles apresentaram excelentes argumentos em favor do aluno, concluindo que sua atitude estaria protegida pelo direito fundamental à liberdade de expressão, já que o que o aluno fez foi uma defesa, no plano das idéias, da mudança da lei penal e não um defesa do seu desrespeito, o que configuraria apologia ao crime.


Pelo que vi no site do movimento "Marcha da Maconha", também não há qualquer estímulo ao desrespeito à lei penal, tanto que há a seguinte advertência em destaque: "é proibido o uso da maconha na marcha".


Estou ansioso para ver o fundamento das decisões judiciais, pois confesso que não consigo encontrar qualquer suporte jurídico minimamente consistente capaz de justificar uma medida tão anti-democrática.


Onde está o direito de reunião? Onde está a liberdade de expressão? Defender a legalização da maconha é ato ilícito?

Enquanto houver esse tipo de patrulhamento ideológico, não se pode dizer que se vive numa democracia.

De qualquer modo, os organizadores do evento certamente atingiram seu objetivo que foi chamar a atenção da sociedade. Nas capitais em que a marcha foi autorizada, praticamente não houve repercussão. Se havia cem manifestantes era muito e tudo transcorreu tranqüilamente. Já nas cidades em que houve proibição, houve confronto com a polícia e a mídia divulgou tudo abertamente. No final, as ordens judiciais foram até boas (do ponto de vista publicitário) para os participantes da marcha. Tenho certeza de que a próxima contará com algumas dezenas de milhares de participantes... Tudo graças à proibição!

Para finalizar, dentro do espírito do post, disponibilizo um video clipe de uma música do Bob Marley interpretada pelo Ministro Gilberto Gil:



8 comentários:

Anônimo disse...

George,

Concordo com todos os pontos que trouxe, mas é necessário analisar um aspecto que ao meu ver é perigoso.

Bem, na aludida marcha, não haveria a possibilidade de que o poder público impedisse que os jovens (12, 13 e 14 anos) estivessem no meio e a impossibilidade de evitar o consumo da erva até mesmo na passeata.

TODAVIA, é algo contraditório. Conhecemos o Ronaldinho (sim, ele mesmo), A Ivete Sangalo (linda cantora baiana) e estes, como ídolos da juventude, fazem propaganda de bebidas alcoolicas na televisão / rádio.

Confesso que há argumentos para todos os lados, entretanto, acho (sei que é algo abstrato) que deveriamos nao legalizar esta ou aquela droga, mas excluí-las de acesso ao ser humano. Repito, algo filosófico.

Ainda acheremos uma melhor solução um dia.
Ivan

George Marmelstein disse...

Ivan,

os organizadores da marcha em si, pelo que pude ver no site deles, proibiam o consumo de drogas e a participação de menores durante o evento. Lógico que se alguém desrespeitasse essas regras poderia ser preso.

O problema maior que vi foi a proibição em si da marcha. O mérito da questão é muito complexo e nunca parei para pensar profundamente a respeito, até porque não tenho interesse direto na questão :-)

Sei que há muitos argumentos tanto a favor da liberação quanto contra.

Pensando em meus filhos, acho que não gostaria que eles vivessem em um ambiente em que a droga "rolasse solta". Por outro lado, não gostaria que eles vivessem em um ambiente em que sequer se poderia discutir esse assunto...

A questão agora não é mais se a droga deve ou não ser liberada, mas se esse assunto pode ser discutido abertamente.

Anônimo disse...

Caro George,
Estive dando uma olhada no site do Ministério Público da Paraíba (www.pgj.pb.gov.br), um dos Estados onde houve a proibição, e lá há a menção que o site que incentiva a marcha no país "apresenta um link para João Pessoa onde está escrito em letras maiúsculas 'FUME MACONHA'".
Isso não seria apologia ao crime?

George Marmelstein disse...

Pelo que vi no site "www.marchadamaconha.org" não encontrei qualquer apologia ao crime. Pelo contrário.

E mesmo que o site tivesse um link para uma página dizendo "fume maconha" não vejo como caracterizar a apologia ao crime do movimento em si.

Do contrário, o google também faz apologia ao crime ao disponibilizar no seu sistema de busca inúmeras páginas que estimulam práticas criminosas.

E mesmo que, na página central do movimento, houvesse a mensagem "fume maconha", ainda acho que estaria protegida pela liberdade de expressão, embora, realmente, essa questão não seja tão pacífica.

Creio que já existe uma cultura popular que aceita esse tipo de mensagem. E o crime não é tão grave assim a ponto de justificar uma limitação tão grave à liberdade de expressão.

Anônimo disse...

Excelente post, George...
Vejo essa situação como um brutal atentado a um direito fundamental tão importante para o constante aperfeiçoamento da democracia, da sociedade e dos indivíduos.

Retirar a possibilidade das pessoas debaterem questões polêmicas é um recado do Estado de que nós, cidadãos, não temos capacidade de dizer o que é bom ou ruim para nós, sequer nos debates teóricos.

Gostei muito do seu blog, visitarei mais vezes.

Anônimo disse...

George,

Um pouco atrasado, mas vale pelo debate :). A justificativa que vi nos sites de notícias (confesso que não fui procurar as decisões nos sitios dos tribunais) foi de que, além de "apologia ao uso de drogas", existe ainda o que a doutrina chama de "controle de prognósticos": procuradores e desembargadores (e, salvo engano, foi o argumento utilizado pela Procuradora Geral de Justiça, aqui no Ceará)de que tais eventos aumentam a criminalidade (roubos, furtos, depredações, e.g.). Embora ainda ache que existem meios que menos lesionem os dir. fundamentais (como fortalecer o policiamento para acompanhar a marcha), creio eu ser um argumento interessante, embora, a meu ver, seja um prognóstico sem justificativa e sem maiores bases empíricas mas, tao somente, "pre-conceituosas"(entenda como pré-compreensão mesmo, nao o sentido pejorativo de preconceito). O que você acha?
Abraço

George Marmelstein disse...

Rafael,

acho que o preconceito aí foi no sentido de discriminação mesmo.

A lógica utilizada, ou melhor, o prognóstico de que a marcha estimularia a prática de crimes, além de equivocada é perigosa. Seria algo parecido como: já que os parlamentares praticam crimes no parlamento, vamos fechar o parlamento. Já que os juízes são corruptos, vamos acabar com o Judiciário.

Até agora não encontrei nenhum fundamento minimamente consistente capaz de justificar essa restrição.

Como você disse, há outros métodos bem menos excessivos para previnir a prática de crimes durante a marcha, como o policiamento mais intenso.

No mais, assim caminha a humanidade...

Anônimo disse...

No síte de brasília www.tjdft.org.br quem tiver interesse, acompanhe pelo número do processo:
2008.01.1.047929-4

O link de notícias diz o seguinte:

02/05/2008 - Liminar proíbe a “Marcha da Maconha” em Brasília

A Juíza da 3ª Vara de Entorpecentes de Brasília concedeu liminar que suspende a realização da “Marcha da Maconha” prevista para o próximo dia 4, às 14h, saindo da Catedral de Brasília. Segundo a juíza, esse tipo de evento instiga o uso de entorpecentes, além de incitar a prática de crimes, o porte e uso da droga. Os delitos estão previstos no artigo 33 da Lei 11.343/06 e artigos 287 e 288 do Código Penal.

A magistrada destaca, ainda, que o local e hora marcados para a caminhada são inapropriados, devido à presença de famílias com crianças e adolescentes. Ela acrescenta que o site do evento é suspeito de encobrir infrações penais, porque não possui o domínio “br”, o que impossibilita a identificação dos organizadores da marcha.

Na liminar, a juíza deixa claro que o direito de reunião - regulamentado pela Constituição Federal como um dos direitos fundamentais – pode sofrer limitação diante de outros valores de ordem constitucional, como a proteção de interesses da comunidade.

A liminar que proíbe o evento será encaminhada às polícias Civil, Militar e Federal
e ao Detran para a adoção das medidas necessárias ao cumprimento da ordem judicial.

A marcha que pretende debater a liberalização da maconha está sendo organizada em nível mundial por meio da Internet. No Brasil, outras liminares proibindo o encontro já foram concedidas em Salvador, Cuiabá e João Pessoa.




Nº do processo:47929-4/2008


Autor: AGQ






Dizer que um sítio é suspeito de encobrir ilícitos porque não possui o .BR no domínio é desconhecimento tópico.


Att.

Thiago.

Obs: Eu não tenho juízo formado ainda acerca do tema, mas pelo que vejo e leio, não há fundamentação para proibição da reunião.

seria interessante o tema chegando ao supremo.